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LIMITE PENAL Direito à duração razoável do processo tem sido ignorado no país.

25 de julho de 2014, 08:00h

Por Aury Lopes Jr.

Na coluna passada, Alexandre Morais da Rosa escreveu um excelente trabalho intituladoDuração razoável do processo sem contrapartida é como promessa de amor, que nos serviu de inspiração. O tema é um velho conhecido, desde 2004, quando dedicamos um capítulo a ele na obra Introdução Crítica ao Processo Penal e, posteriormente quando escrevi, em coautoria com Gustavo Henrique Badaró, a obra Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, em 2006. Atualmente trato do tema no capitulo V do livro Direito Processual Penal (11ª edição, Saraiva, 2014).

Mas é uma questão em aberto, principalmente porque o Brasil adotou a teoria do não prazo. Ou seja, existem muitos prazos no Código de Processo Penal, mas completamente despidos de sanção processual, o que equivale a não ter prazo algum…

Também é importante compreender que as pessoas têm o direito a razoável duração do processo estando presas (neste caso a demora é ainda mais grave) ou soltas (pois o processo é uma pena em si mesmo); sendo absolvidas ou condenadas ao final (a condenação não legitima a demora, sob pena de os fins justificarem a barbárie dos meios…). No Brasil, infelizmente, a visão sempre foi muito reducionista, falando-se apenas em excesso de prazo na prisão cautelar. O direito fundamental do artigo 5º, LXXVIII da Constituição é muito mais amplo e abrangente do que isso.

A jurisprudência engatinha, tímida e sem rumo, neste tema. Por isso, resolvemos retomar a discussão partindo de um acórdão bem interessante:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. BLOQUEIO DE CONTAS DETERMINADO HÁ 13 ANOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE DO PROCESSO. ART. 5º, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Bloqueio dos valores depositados, a qualquer título, nas contas bancárias de que é titular o paciente, determinado, em 1998. 2. Denúncia ofertada três anos depois, em 2001, sendo recebida neste mesmo ano. TREZE anos, o paciente tem os valores das suas contas bancárias bloqueadas! O processo ainda está fase das alegações finais. Não se sabe sequer qual o possível prejuízo causado pelo paciente. 3. O inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”), princípio constitucional da razoabilidade do processo, impede que o acusado fique sob esta condição indefinidamente, aguardando que o feito tenha marcha processual normal. 4. O transcurso do tempo causado pela exagerada duração do processo contribui para disseminar um sentimento de injustiça e de incerteza na sociedade e gera para o acusado um grande transtorno, constituindo-se, por si só, punição. 5. O direito fundamental à razoável duração do processo é um direito constitucional e próprio do Estado Democrático de Direito. (TRF 1.ª R. – 3.ª T. – HC 0069549-49.2011.4.01.0000 – rel. Tourinho Neto – j. 13.12.2011 – public. 19.12.2011).

Sem dúvida um caso bastante preocupante: uma medida cautelar de bloqueio de contas bancárias que perdura há 13 anos. E, mais grave ainda, um processo criminal que se arrasta por 13 anos sem sentença. Tomarei esse case como pano de fundo da conversa.

O direito juridiciza o tempo e, por outro lado, o tempo, temporaliza o Direito. É uma íntima relação e interação em que o tempo é elemento constitutivo do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também influi na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada.

A concepção de poder passa pela temporalidade, onde o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo, a sua dinâmica, a sua própria temporalidade. O Direito Penal e o Processo Penal já tomaram, ao longo da história, o corpo e a vida, os bens e a dignidade do homem.

Agora, não havendo mais nada a retirar, apossa-se do tempo.

Quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável, o processo em si mesmo se transforma numa pena. Basta fazermos um exercício imaginético e nos identificarmos (ficar-idem) com alguém que, além de estar sofrendo a pena processual (la pena de banquillo, como chamam os espanhóis) por ser réu há mais de 13 anos, teve suas contas bancárias bloqueadas durante todo esse tempo.

O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal, e não apenas na questão espacial de estar (preso) intramuros. Messuti [1] afirma que não é apenas a separação física que define a prisão, pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço, senão também uma ruptura do tempo. A marca essencial da pena (em sentido amplo) é “por quanto tempo”? Isso porque o tempo, mais que o espaço, é o verdadeiro significante da pena. Infelizmente, nem mesmo uma sentença absolutória é capaz de devolver-lhe o tempo indevidamente apropriado, pois a flecha do tempo é irreversível.

Utilizamos a expressão (de)mora jurisdicional porque ela nos remete ao próprio conceito (em sentido amplo) de ‘mora’, na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento da obrigação de prestação jurisdicional, que é agravada em caso de imposição de medidas cautelares pessoais ou patrimoniais.

O artigo 5º, LXXVIII da CF infelizmente insiste na “doutrina do não prazo”, pois o CPP estabelece prazos, mas despidos de sanção. Ou seja: prazo-sanção=ineficácia. Em matéria cautelar (pessoal ou real) a situação é ainda mais grave: não existe qualquer definição de prazo máximo de duração, permitindo assim o bloqueio de uma conta bancária por 13 anos.

O ideal seria a clara fixação da duração máxima do processo e das medidas cautelares, impondo uma sanção em caso de descumprimento (extinção do processo ou liberdade automática do imputado). É necessário que o ordenamento jurídico interno defina limites ordinários para os processos, um referencial do que seja a “dilação devida”. Mas não foi essa a opção do legislador brasileiro, cabendo a análise da demora processual ser feita à luz dos três critérios consagrados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) desde o caso Wemhoff (de 27 de junho de 1968): complexidade do caso, atuação dos órgãos do Estado e atuação do interessado; acrescidos do princípio da razoabilidade como elemento integrador.

Mas o resultado final, ainda assim, é excessivamente vago e discricionário, comprometendo a eficácia do direito fundamental, na medida em que conduz ao emprego de uma cláusula genérica (razoável duração), de conteúdo vago, impreciso e indeterminado.

Pastor[2] critica o entendimento dominante do não prazo, pois se, inteligentemente, não confiamos nos juízes a ponto de delegar-lhes o poder de determinar o conteúdo das condutas puníveis, nem o tipo de pena a aplicar, ou sua duração sem limites mínimos e máximos, nem as regras de natureza procedimental, não há motivo algum para confiar a eles a determinação do prazo máximo razoável de duração do processo penal, na medida em que o processo penal em si mesmo constitui um exercício de poder estatal, e, igual à pena, às buscas domiciliares, à interceptação das comunicações e todas as demais formas de intervenção do Estado, deve estar metajudicialmente regulado, com precisão e detalhe.

Deveria o legislador estabelecer de forma clara os limites temporais das medidas cautelares (e do processo penal, como um todo), bem como consagrar expressamente um “dever de revisar periodicamente” a medida adotada (inserido no PL 4208/2001 e vetado na Lei 12.403/2011).

É inadmissível continuarmos sem saber quanto tempo pode durar uma prisão preventiva! Tampouco resolve o problema fixar que o procedimento sumário deve encerrar em 30 dias, o ordinário em 60 dias e a primeira fase do júri em 90 dias se não temos uma sanção processual. São prazos absolutamente ineficázes e que se equiparam a ‘não ter prazo algum’.

Tampouco podemos admitir o já surrado discurso do excesso de trabalho para justificar uma longa demora, pois como bem decidiu o TEDH no caso“Bucholz”, é inadmissível transformar em “devido” o “indevido” funcionamento da justiça. Como afirma o TEDH, “o que não pode acontecer é que o normal seja o funcionamento anormal da Justiça, pois os Estados devem procurar os recursos necessários para que os processos transcorram em um tempo razoável”.

Portanto, acertada a decisão anteriormente citada, pois violado o direito de ser julgado em um prazo razoável, não só pela abusiva duração do bloqueio da conta bancária, mas também pela excessiva duração deste processo.

Mas a pergunta é: poderíamos fixar um prazo máximo de duração do processo? Sim, devemos e, principalmente, adotar uma sanção processual. Temos conhecimento de boas pesquisas de campo levadas a cabo nas justiças estadual e federal que sinalizam três anos como sendo um prazo realístico (e razoável) entre o recebimento da denúncia e a sentença de primeiro grau. Muitos processos acabam em menos tempo e outros poucos demoram mais (a patologia sempre existirá), mas o prazo médio gira em torno de 24 a 28 meses (logo, menos de três anos).

Não sem razão, o CPP do Paraguai, no seu artigo 136, determina que “toda pessoa terá direito a uma resolução judicial definitiva em um prazo razoável. Portanto, todo procedimento terá uma duração máxima de quatro anos, contados a partir do primeiro ato do procedimento. Este prazo só poderá ser prorrogado por mais seis meses se houver uma sentença condenatória, para permitir a tramitação dos recursos.” Eis um exemplo bastante interessante de prazo máximo com sanção, pois o artigo 137 determina que “vencido o prazo previsto no artigo anterior, o juiz ou o tribunal, de ofício ou a requerimento da parte, declarará extinta a ação penal, conforme as disposições deste código.”

E em relação a prisão preventiva? Obviamente deveríamos ter um prazo máximo de duração, como a maioria dos países tem, com a determinação de soltura uma vez superado. Na reforma das cautelares, havia essa previsão no PL 4.208/2001, infelizmente vetado pela Lei 12.403/2011.

Mas já que não temos um prazo máximo de duração do processo fixado em lei, temos de recorrer aos seguintes critérios (definidos, inclusive, na condenação do Brasil no caso Ximenes Lopes):

— complexidade do caso;
— atuação do Estado (seus órgãos);
— atuação processual dos interessados;
— princípio da razoabilidade como elemento integrador.

Não é o ideal, dada a abertura e a dependência de reconhecimento judicial, mas infelizmente é o que temos. E, uma vez reconhecida a (de)mora jurisdicional, o que pode ocorrer? É a busca pelas soluções compensatórias, como define Daniel Pastor:

Soluções compensatórias: poderá ser de natureza civil (indenização danos materiais e/ou morais) ou penal (atenuação da pena pela aplicação do artigo 66 do CP ou mesmo o perdão judicial quando previsto). No primeiro caso há um imensa resistência dos tribunais em reconhecer esse tipo de indenização, sem falar na banalização da dor alheia (pois são ridículos os valores fixados a título de dano moral no Brasil), não raras vezes invocando o surrado “enriquecimento sem causa”(!). Na esfera penal, também há bastante timidez, sem falar na ínfima redução que atenuante opera em relação à pena.

Soluções Processuais: a melhor solução seria a extinção do feito ou mesmo a dispensabilidade da pena, mas não existe previsão legal no Brasil. É aqui que pensamos haver a maior lacuna e onde deveríamos investir em próximas reformas processuais. A adoção de soluções processuais é o ponto nevrálgico da eficácia do direito a um processo sem dilações indevidas.

Soluções sancionatórias: não é propriamente uma ‘solução’, mas a punição do agente público responsável pela demora. O artigo 93, II, “e” da Constituição prevê algo similar, ao determinar que não será promovido o juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal.

Enfim, o direito a razoável duração do processo penal é um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro e que deveria merecer muito mais atenção por parte das comissões de reforma do CPP, o que, infelizmente, não tem ocorrido. Precisamos definir claramente o prazo máximo de duração das prisões cautelares e também do próprio processo penal.

Por fim, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de Einstein, na clássica explicação que deu sobre a relatividade à sua empregada: “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto.

Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente — e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. Isso é relatividade”. Esse é o tempo no processo penal: tempo sentado na chapa quente do fogão.
________________________________________
[1] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. São Paulo, RT, 2003, p. 33.
[2] PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable en el Proceso del Estado de Derecho.Buenos Aires, Editorial Ad Hoc, 2002.

Perda de dias remidos deve ser reajustada ao limite máximo de 1/3

O ministro Celso de Mello concedeu, nesta quinta-feira, 26, HC de ofício para determinar nova ponderação da perda de dias remidos de condenado, considerando o limite máximo de um terço previsto na lei 12.433/11, com base no princípio da retroatividade penal benéfica. A norma alterou a lei de execuções penais (7.210/84).

O agravante sustentou, contra decisão do próprio ministro, que a 2ª turma do STF, “em homenagem à celeridade e ao bem jurídico protegido”, tem concedido, até mesmo de ofício, HC em que haja discussão acerca da perda dos dias remidos, em decorrência da alteração trazida pela lei 12.433/11, que limita a perda em um terço do período.

Em pronunciamento do MPF, o subprocurador-Geral da República Edson Oliveira de Almeida afirmou que, tratando-se de matéria exclusivamente de Direito, é cabível o conhecimento, ainda que não debatida nas instâncias ordinárias. Conforme afirmou, a decisão quanto à perda dos dias remidos foi proferida antes do advento da referida lei de 2011, que alterou o art. 127 da lei de execução penal, sendo mais benéfica.

O ministro Celso de Mello lembrou que “a decisão que concede remição da pena qualifica-se como ato estatal essencialmente revogável, pois o direito do condenado à obtenção e à preservação do benefício outorgado pela lei supõe a inocorrência, ao longo de certo período de tempo, de qualquer falta grave imputável ao sentenciado”.

Em decisão monocrática, o ministro citou precedentes da Suprema Corte no sentido de que, em suma, a perda do tempo remido, em decorrência de punição por falta grave, não vulnera o postulado constitucional da coisa julgada.

Para o ministro, ao limitar a revogação da remição em até um terço do tempo remido, a redação dada pela lei 12.433 consubstancia alteração mais benéfica ao acusado, “incidindo imediatamente nas relações jurídicas já estabelecidas (CF, art. 5º, XL)”.

Celso de Mello acolheu o parecer da PGR para conceder, de ofício, a ordem de HC e determinar que o juízo da vara de Execuções Criminais de Porto Alegre/RS, mantendo a sanção disciplinar aplicada, reajuste a perda dos dias remidos, considerando a lei 12.433 e o princípio da retroatividade penal benéfica.

 

Integra da decisão:

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 110.641 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR :MIN. CELSO DE MELLO

AGTE.(S) :JEFFERSON AMADOR BARBOSA

PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

PROC.(A/S)(ES) :GUSTAVO DE ALMEIDA RIBEIRO

AGDO.(A/S) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de recurso de agravo interposto contra decisão

que, por mim proferida, conheceu, parcialmente, da presente ação de

“habeas corpus”, visando, desse modo, a reforma dessa mesma decisão tão

somente na parte em que não foi conhecida.

Sustenta-se, em síntese, na presente sede recursal, que “(…) a Colenda

Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em homenagem à celeridade e ao

bem jurídico protegido, liberdade, tem concedido, até mesmo de ofício, habeas

corpus em que haja discussão acerca da perda dos dias remidos, em decorrência

da alteração trazida pela Lei 12.433/11, que deu nova redação ao artigo 127 da

Lei de Execuções Penais. A inovação, benéfica, tem sido aplicada

sistematicamente pelo Supremo Tribunal Federal, visto que limita a perda do

tempo remido em até 1/3 do período, vedando o desprezo total dos dias”.

O Ministério Público Federal, por sua vez, em pronunciamento da

lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. EDSON

OLIVEIRA DE ALMEIDA, ao opinar nestes autos, pela concessão de

ofício da ordem, formulou parecer que está assim fundamentado:

“1. Cuida-se de agravo regimental contra o despacho que

negou seguimento a ‘habeas corpus’ impetrado contra acórdão do

Superior Tribunal de Justiça que concedeu parcialmente a ordem no

HC nº 176131/RS.

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HC 110641 AGR / RS

2. A agravante requer que a perda dos dias remidos pelo

paciente, para fins de livramento condicional, obedeça o limite

máximo de 1/3, conforme o disposto na Lei nº 12.403/2011.

3. Assim, tratando-se de matéria exclusivamente de direito

(aplicação retroativa da Lei nº 12.403/2011), cabível o seu

conhecimento, ainda que não debatida nas instâncias ordinárias.

4. O cometimento de falta grave tem como consequência o

reinício do cômputo do prazo para a progressão de regime,

contado a partir da data da infração e calculado sobre o restante da

pena a cumprir (LEP art. 118-I), bem como a perda dos dias remidos

(LEP, art. 127).

5. Contudo, verifica-se que a decisão quanto à perda dos dias

remidos foi proferida antes do advento da Lei nº 12.433/2011, que

alterou o art. 127 da Lei de Execução Penal, sendo mais benéfica: ‘Em

caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo

remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a

partir da data da infração disciplinar.’

6. Isso posto, opino pelo provimento do agravo, com a

concessão da ordem de ofício para que o Juízo da Execução

reexamine a perda dos dias remidos de acordo com a alteração trazida

pela Lei nº 12.433/2011.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo ao exame do presente recurso de

agravo. E, ao fazê-lo, acolho, como razão de decidir, o pronunciamento

emanado da douta Procuradoria-Geral da República.

Como se sabe, a decisão que concede a remição da pena

qualifica-se como ato estatal essencialmente revogável, pois o direito do

condenado à obtenção e à preservação do benefício outorgado pela lei

supõe a inocorrência, ao longo de certo período de tempo, de qualquer

falta grave imputável ao sentenciado.

A Lei de Execução Penal – ao prescrever, em seu art. 127 (na redação

dada pela Lei nº 12.433/2011), que, “Em caso de falta grave, o juiz poderá

revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57,

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HC 110641 AGR / RS

recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar” – não ofende

o princípio constitucional da intangibilidade das situações jurídicas

definitivamente consolidadas.

Vale assinalar, ainda, que a norma legal em questão também não

vulnera os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, cabendo

referir, por oportuno, na linha do que se vem de afirmar, o magistério de

JULIO FABBRINI MIRABETE (“Execução Penal”, p. 326, 2ª ed., 1988, Atlas):

“(…) Nos termos em que é regulada a remição, a inexistência

de punição por falta grave é um dos requisitos exigidos para que o

condenado mantenha o benefício da redução da pena. Praticando

falta grave, o condenado deixa de ter o direito à remição (…).

Praticada a falta grave antes de decretada a remição, esta é

indeferida quanto ao tempo anterior à prática da infração; estando o

tempo remido, decreta-se a sua perda.” (grifei)

Não se pode perder de perspectiva que a sentença declaratória da

remição penal constitui, nesse contexto, provimento jurisdicional

qualificável como ato decisório instável. Trata-se – e a expressão

designativa é de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Manual de Direito

Processual Civil”, vol. 3/249, item n. 695, 9ª ed., 1987, Saraiva) – de

sentença “rebus sic stantibus”, cuja prolação não impede que a relação de

direito que lhe é subjacente venha a sofrer modificações supervenientes

a que o julgado deverá necessariamente ajustar-se, em função de

alterações fáticas ulteriores ou em decorrência da transformação de

situações jurídicas ativas e passivas que lhe dão causa e origem.

É por essa razão que SÉRGIO NEVES COELHO e DANIEL PRADO

DA SILVEIRA, escrevendo sobre a remição da pena (“Justitia”,

vol. 130/136, 1985, SP; Revista de Processo, vol. 43/137, RT), advertem:

“A qualquer tempo, desde que cometida falta grave (art. 127

da Lei de Execução-Penal), o condenado poderá perder o tempo

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HC 110641 AGR / RS

remido, ainda que se encontre em regime aberto ou livramento

condicional. A remição, portanto, está sujeita à cláusula ‘rebus

sic stantibus’, não podendo, somente, ter seus efeitos revogados

quando já extinta a punibilidade pelo cumprimento da pena.” (grifei)

Impõe-se ressaltar que o benefício legal da remição é sempre

reconhecido “pendente conditione”, pois a exequibilidade do ato decisório

que o concede está rigidamente subordinada a uma condição resolutiva

cujo implemento – a prática de falta grave pelo condenado, como

ocorreu na espécie ora em exame – gera a perda, parcial, do direito ao

tempo remido.

Ainda que se possa considerar, com o saudoso PAULO LÚCIO

NOGUEIRA (“Comentários à Lei de Execução Penal”, p. 150, 1990,

Saraiva), que a perda do tempo remido, em decorrência de falta grave,

“implique um regime regressivo para o condenado (…), o que constitui verdadeiro

desestímulo (…) e injustiça ao seu esforço laborativo”, o fato é que o estatuto

de regência da remição penal, analisado na perspectiva do art. 127 da Lei

de Execução Penal, não ofende a coisa julgada, não atinge o direito

adquirido, nem afeta o ato jurídico perfeito, pois a exigência de

satisfatório comportamento prisional do interno – a revelar a participação

ativa do próprio condenado na obra de sua reeducação

(JASON ALBERGARIA, “Das Penas e da Execução Penal”, p. 117, 1992,

Del Rey) – constitui pressuposto essencial e ineliminável da manutenção

do benefício legal em questão.

A punição do condenado por faltas graves – assim entendidas as

infrações disciplinares tipificadas nos arts. 50, 51 e 52 da Lei de Execução

Penal – traz consigo consideráveis impactos de natureza jurídico-penal,

pois afeta, nos termos em que foi delineado pelo ordenamento positivo, o

próprio instituto da remição penal, que supõe, para efeito de sua

aplicabilidade e preservação, a inexistência de qualquer ato punitivo por

ilícitos disciplinares revestidos da nota qualificadora da gravidade

objetiva.

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HC 110641 AGR / RS

É importante destacar, considerada a matéria ora em exame, que

esse entendimento tem sido proclamado, em inúmeras decisões, por esta

Suprema Corte, como se vê, p. ex., de julgamento consubstanciado em

acórdão assim ementado:

“‘HABEAS CORPUS’ – EXECUÇÃO DE PENA

PRIVATIVA DE LIBERDADE – REMIÇÃO – COMETIMENTO

DE FALTA GRAVE – PERDA DOS DIAS REMIDOS –

AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – NATUREZA

JURÍDICA DA SENTENÇA QUE CONCEDE A REMIÇÃO

PENAL – ATO DECISÓRIO INSTÁVEL OU CONDICIONAL –

RECEPÇÃO DO ART. 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL – PEDIDO

INDEFERIDO.

– O estatuto de regência da remição penal não ofende a coisa

julgada, não atinge o direito adquirido nem afeta o ato jurídico

perfeito, pois a exigência de satisfatório comportamento prisional do

interno – a revelar a participação ativa do próprio condenado na

obra de sua reeducação – constitui pressuposto essencial e

ineliminável da manutenção desse benefício legal.

– A perda do tempo remido, em decorrência de punição por

falta grave (art. 127 da Lei de Execução Penal), não vulnera o

postulado inscrito no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.

É que a punição do condenado por faltas graves – assim

entendidas as infrações disciplinares tipificadas no art. 50 da Lei de

Execução Penal – traz consigo consideráveis impactos de natureza

jurídico-penal, pois afeta, nos termos em que foi delineado pelo

ordenamento positivo, o próprio instituto da remição penal, que

supõe, para efeito de sua aplicabilidade e preservação, a inexistência

de qualquer ato punitivo por ilícitos disciplinares revestidos da

nota qualificadora da gravidade objetiva. Doutrina. Precedentes.”

(HC 85.680/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

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HC 110641 AGR / RS

Em suma: a perda do tempo remido, em decorrência de punição por

falta grave (art. 127 da Lei de Execução Penal), não vulnera o postulado

constitucional da coisa julgada.

Ocorre, no entanto, que, após o advento da Lei nº 12.433/2011, a

revogação do tempo remido veio a ser limitada até um terço (1/3) dos

dias remidos, como ambas as turmas deste Tribunal tiveram o ensejo de

enfatizar em recentes julgamentos (HC 111.459/RS, Rel. Min. LUIZ FUX –

HC 113.511/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 119.542/RS,

Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.).

Presente esse contexto, torna-se possível a aplicação ao caso, por efeito

do que prescreve o art. 5º, inciso XL, da Constituição (princípio da

retroatividade penal benéfica), da Lei nº 12.433/2011, que se qualifica como

verdadeira “lex mitior”.

Impende reconhecer, no ponto, que a eficácia retroativa da lei penal

benéfica possui extração constitucional, traduzindo, sob tal aspecto,

inquestionável direito público subjetivo que assiste a qualquer autor de

infrações penais.

Esse entendimento – decorrente do exame do significado e do

alcance normativo da regra consubstanciada no inciso XL do art. 5º da

Constituição Federal – reflete-se no magistério jurisprudencial firmado

por esta Suprema Corte (RTJ 140/514, Rel. Min. CELSO DE MELLO –

RTJ 151/525, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 162/483-484, Rel. Min.

CELSO DE MELLO – RTJ 186/252, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e,

também, por outros Tribunais da República (RT 467/313 – RT 605/314 –

RT 725/526 – RT 726/518 – RT 726/523 – RT 731/666).

Cabe reconhecer, desse modo, tal como enfatizado pelo Ministério

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HC 110641 AGR / RS

Público Federal, que o atual art. 127 da LEP, na redação dada pela

Lei nº 12.433/2011, ao limitar a revogação da remição em até 1/3 do tempo

remido, consubstancia alteração mais benéfica ao acusado, incidindo

imediatamente nas relações jurídicas já estabelecidas (CF, art. 5º, XL), nos

termos dos recentíssimos precedentes desta Suprema Corte

(HC 113.717/SP, Rel. Min. LUIZ FUX – HC 114.043/RS, Rel. Min. LUIZ

FUX – HC 114.149/MS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.):

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’

SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR ‘HABEAS CORPUS’: CF.

ART. 102, I, ‘D’ E ‘I’. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO

ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO.

ORGANICIDADE DO DIREITO. TRÁFICO DE

ENTORPECENTES. PRÁTICA DE FALTA GRAVE DURANTE A

EXECUÇÃO DA PENA. DIAS REMIDOS. PERDA INTEGRAL.

MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA. LIMITAÇÃO À PERDA DE 1/3.

‘LEX IN MELIUS’. APLICAÇÃO RETROATIVA – ART. 5º,

INC. XL, DA CF/88. ‘HABEAS CORPUS’ EXTINTO POR

INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM CONCEDIDA DE

OFÍCIO PARA DETERMINAR AO JUÍZO DA EXECUÇÃO

QUE A PERDA DOS DIAS REMIDOS PELO TRABALHO NÃO

SE DÊ EM SUA INTEGRALIDADE, MAS NO MÁXIMO DE

1/3, POR APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.433/11.

1. A prática de crime doloso, durante o transcurso do

cumprimento da pena, resulta em cometimento de falta grave.

2. A falta grave cometida no curso da execução da pena,

consoante o o artigo 127 da Lei 7.210/84, em sua redação original,

previa a perda total dos dias remidos pelo trabalho e o reinício do prazo

para a obtenção de novos benefícios.

3. O advento da Lei n. 12.433/2011, limitou a revogação a no

máximo 1/3 do tempo remido pelo trabalho, mantendo-se a previsão de

reinício da contagem do prazo para a obtenção de benefícios.

4. A lei nova é ‘lex in melius’ e, por isso, deve retroagir para

limitar a perda dos dias remidos ao máximo de um terço, nos termos

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HC 110641 AGR / RS

do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, ‘verbis’: ‘a lei penal

não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’. Precedentes: HC 110.040,

2ª Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Dje de 29.11.11;

HC 113.717, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux,

Dje de 19.03.13; HC 110.243, Primeira Turma, Relator o Ministro

Luiz Fux, Dje de 18.12.12; HC 114.149, Primeira Turma, Relator o

Ministro Dias Toffoli, Dje de 04.12.12; HC 113.443, Primeira Turma,

Relator o Ministro Dias Toffoli, Dje de 28.09.12; HC 111.400,

Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Dje de 15.05.12.

…………………………………………………………………………………………

7. Outrossim, no caso ‘sub examine’, há excepcionalidade que

justifica a concessão, ‘ex officio’, da ordem.

8. ‘Habeas corpus’ extinto por inadequação da via eleita.

Ordem concedida de ofício para determinar ao Juízo da Execução que

a perda dos dias remidos pelo trabalho não se dê em sua integralidade,

mas no máximo de 1/3, por aplicação retroativa da Lei 12.433/11.”

(HC 114.001/RS, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’.

EXECUÇÃO DA PENA. FALTA GRAVE. LIMITAÇÃO DA

PERDA DOS DIAS REMIDOS. ART. 127 DA LEP.

SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RETROATIVIDADE DE LEI

MAIS BENÉFICA. LEI 12.433/2011. COMPETÊNCIA DO JUIZ

DA EXECUÇÃO.

Não merece conhecimento recurso ordinário em ‘habeas

corpus’ fundado em causa ainda não submetida nem objeto de

apreciação pela Corte ordinária e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Todavia, a orientação prevalecente na 1ª Turma foi pelo

conhecimento do recurso ordinário e não provimento do pleito recursal

em razão da inovação da matéria.

Quanto ao mérito, diante da alteração legislativa introduzida

pela Lei 12.433/2011, que modificou a redação do art. 127 da LEP, esta

Suprema Corte tem admitido a retroatividade da norma mais benéfica

para limitar, nos casos de falta grave, a perda dos dias remidos em

até 1/3 (um terço). Precedentes.

Caberá ao Juízo da Execução Penal proceder à

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HC 110641 AGR / RS

análise da limitação da perda dos dias remidos, nos termos da

Súmula nº 611/STF (‘Transitada em julgado a sentença condenatória,

compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna’).

Recurso ordinário em ‘habeas corpus’ não provido. Ordem

concedida de ofício para determinar que o Juízo da execução criminal

proceda à aplicação retroativa da Lei 12.433/2011, observada a

limitação da perda dos dias remidos em até 1/3 (um terço).”

(RHC 115.981/RS, Rel. Min. ROSA WEBER – grifei)

Sendo assim, em face das razões expostas e acolhendo, ainda, o

parecer da douta Procuradoria-Geral da República, concedo, de ofício,

a ordem de “habeas corpus”, para determinar ao Juízo da Vara de

Execução que, mantida a sanção disciplinar aplicada ao condenado,

proceda nova ponderação da perda dos dias remidos, considerando, para

esse efeito, o limite máximo de um terço (1/3), previsto no art. 127 da Lei

de Execução Penal (na redação dada pela Lei nº 12.433/2011), restando

prejudicado, em consequência, o recurso de agravo interposto na presente

sede processual.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 19 de setembro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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