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Advogada pode ser punida por uso indevido de processo criminal para perseguir Luís Roberto Barroso

A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon rejeitou, liminarmente, queixa-crime ajuizada por uma advogada contra o procurador Luís Roberto Barroso, do Rio de Janeiro, indicado pela presidenta Dilma Rousseff à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Magistrados, membros do Ministério Público e integrantes da polícia do Rio de Janeiro também foram alvo da mesma ação. Acusações infundadas e sem justa causa apontam para uma possível perseguição pessoal.

No caso, além de Barroso, uma procuradora regional da República no estado do Rio de Janeiro, um desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), duas juízas de direito da 29ª Vara da Comarca do Rio, uma delegada e um inspetor de polícia foram acusados pela advogada de calúnia, difamação, injúria, formação de quadrilha, prevaricação e advocacia administrativa.

Na queixa-crime, a autora afirma ainda ser vítima de um complô para que suas acusações contra o procurador não prosperem e se refere aos membros do Ministério Público como “neonazistas do MP”. Pede a aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) contra o procurador, de quem diz sofrer perseguição, além de prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, no valor de R$ 100 milhões.

Perseguição pessoal

Ao receber os autos, a ministra Eliana Calmon, relatora, notificou os acusados para obter mais informações sobre a queixa-crime. Nos esclarecimentos recebidos, foi constatado que essa não é a primeira ação da advogada movida contra o procurador. Todas sem fundamentação, sem provas e sempre com pedidos de indenização exorbitantes.

Inconformada com os indeferimentos nas instâncias inferiores, a advogada chegou a protocolar reclamação disciplinar perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo o corregedor-geral de Justiça do Rio de Janeiro determinado o arquivamento do feito e constatado a possibilidade de a autora sofrer de alguma patologia de ordem psíquica.

Exercício irregular

Para a ministra, ficou evidente o uso indevido do processo criminal para outras finalidades e que a tentativa de criminalizar magistrados, membros do Ministério Público e integrantes da polícia foi por seus atos contrariarem os interesses da autora.

Além de a queixa-crime ter sido rejeitada liminarmente, a ministra Eliana Calmon determinou a remessa dos autos ao Ministério Público Federal e ao Conselho Seccional da OAB/RJ para que sejam tomadas providências no sentido de apurar a prática de eventual infração penal e administrativa pela advogada.

Roberto Carlos e a censura de livros: muitas emoções, pouca razão

LUIZ FLÁVIO GOMES Jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do portal atualidadesdodireito.com.br. Estou no luizflaviogomes@atualidadesdodireito.com.br Promovemos na sede do AD (em 27.05.13) um debate (que já está disponível no atualidadesdodireito.com.br) sobre “Direito autoral: a reserva do conhecimento dos fatos”, tendo como foco a polêmica criada por Roberto Carlos e sua equipe jurídica.

LUIZ FLÁVIO GOMES
Jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do portalatualidadesdodireito.com.br.
Estou no luizflaviogomes@atualidadesdodireito.com.br

Promovemos na sede do AD (em 27.05.13) um debate (que já está disponível no atualidadesdodireito.com.br) sobre “Direito autoral: a reserva do conhecimento dos fatos”, tendo como foco a polêmica criada por Roberto Carlos e sua equipe jurídica, em torno do livro “Jovem Guarda: Moda, música e juventude”. Ele pode até se sentir ofendido com alguns livros já escritos ou que serão escritos a seu respeito, mas neste caso o seu ato foi totalmente desarrazoado, equiparando-se às grandes queimas históricas de livros.
A Wikipédia nos informa que a história testemunhou a queima da Biblioteca de Alexandria pelas forças Cristãs, da Biblioteca de Bagdad pelos Mongóis, a queima de livros e o enterrar de estudiosos na Dinastia de Qin na China, a destruição dos códices Maias pelos conquistadores e padres Cristãos espanhóis, a queima de livros Muçulmanos e Judeus por Católicos durante a Inquisição, a queima da Torah pelos Cristãos na Alemanha e a destruição da Biblioteca Nacional de Sarajevo. Em 1193, após derrotar Jai Chand, diz-se que o exército de Ghauri, maioritariamente Muçulmano, queimou a Biblioteca de Nalanda, conhecida como Dharma Gunj, Montanha da Verdade. Hitler mandou queimar milhares de livros logo que chegou ao poder etc.
A polêmica é a seguinte: no início do mês de abril, os advogados do cantor Roberto Carlos enviaram uma notificação extrajudicial exigindo a interrupção da venda e o recolhimento dos exemplares à disposição do livro “Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude”, originada de uma dissertação de mestrado de Maíra Zimmermann (Estação Letras e Cores e Fapesp), historiadora e professora de moda e cultura (FAAP).
A notificação insurge-se tanto contra a capa – um croqui nada caricato ([1]) do trio Roberto/Erasmo/Wanderléa – alegando o uso indevido de imagem, quanto contra seu conteúdo, pois teria trazido detalhes sobre a trajetória de vida e da intimidade do cantor. Ao final, o documento exige que “seja cessada a comercialização do referido livro, bem como ordenado o recolhimento dos exemplares à disposição, no prazo de 10 dias, sob pena das medidas judiciais cabíveis.”. Essa posição prontamente se revelou contraditória, pois em entrevista concedida por telefone ao jornal ‘Estadão’, o advogado Marco Campos (acertadamente) afirmou que não iria pedir a retirada dos exemplares ([2]).
O livro de Maíra não contém uma biografia do cantor, nem revela detalhes de sua vida íntima; não conta detalhes de sua intimidade nem da sua vida pessoal. Ao contrário, trata-se de uma obra acadêmica sobre a construção da cultura no Brasil dos anos 60, erigida sob os influxos do movimento denominado “Jovem Guarda”, envolvendo aspectos como moda, costumes, comportamentos, diálogos, família e influência dos artistas no desenho da nova adolescência. Portanto, atrelado à liberdade de expressão, à memória e à história do país. Trata-se de uma obra cultural, que conta um trecho da história do Brasil.
A conduta de Roberto Carlos – repetida em episódios pretéritos ([3]) – ganha destaque no momento atual, em que se discutem eventuais mudanças na lei civil, a qual passaria a permitir que uma biografia possa ser lançada sem a autorização prévia do biografado. Prestes a ser encaminhada para votação no Senado, depois de ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto acaba de voltar à Câmara a pedido do deputado federal da bancada evangélica Marcos Rogério (PDT-RO) ([4]).
Minhas conclusões extraídas do debate acima referido, depois de ouvir os jornalistas Júlio Maria (Estadão) e Edmundo Leite (Estadão), assim como a autora do livro e a professora doutora Suzana Torres, mais a advogada Luciana Shimabukuro (cf. aqui no atualidadesdodireito.com.br), são as seguintes:
1) Que o atual art. 20 do CC (que determina a autorização dos interessados para a publicação de obra biográfica) não se aplica no caso do livro de Maíra, que não é biográfico.
2) Esse art. 20 já poderia (desde logo) ser interpretado conforme a Constituição, o que significaria que o comando é da liberdade de expressão, com responsabilidade. Que cada um poderia (ou pode) escrever o que queira, desde que assuma em seguida a responsabilidade (civil e penal) pelo que foi escrito.
3) Que o juiz jamais poderia impedir a publicação de qualquer livro (porque isso viola a constituição federal, mais precisamente a liberdade de expressão, de crítica etc.). Vivemos num estado de liberdade e não em uma ditadura.
4) Que o tempo das censuras acabou, no ordenamento jurídico-constitucional. Mas isso não significa o fim do direito à privacidade, intimidade, fama, boa reputação etc.
5) Que qualquer tipo de censura significa “Estado de Exceção”. O que a CF garante a quem se sente ofendido é o direito de indenização.
6) Que cada pessoa assuma a responsabilidade pelo que faz (e pelo que escreve). Todo abuso será reprimido por meio de indenização.
7) Quem se sente ofendido com o texto publicado deve ir a juízo para postular o que entender de direito em termos de indenização (nunca para censurar o livro).
8) Que o juiz cautelarmente poderia, em tese, mandar bloquear parte da receita do livro assim como dos direitos autores, para garantia de uma eventual e futura indenização. Freios e contrapesos. Havendo fumaça do bom direito, não há como não pensar em garantias de uma futura indenização.
9) Que uma obra cultural, histórica e acadêmica, como o livro questionado, está completamente fora de qualquer tipo de discussão sobre sua legitimidade (e lisura). Ninguém pode impedir qualquer pessoa de escrever a história do Brasil (ou de um momento dela). As futuras gerações somente entenderão o Brasil quando souberam do que se passou com as anteriores. A proibição de uma obra histórica e cultural tem o mesmo significado que queimar novamente a Biblioteca de Alexandria.
10) A jovem guarda foi um momento cultural e histórico ímpar, que merece sempre ser respeitado e retratado em obras ou trabalhos acadêmicos, sem qualquer tipo de censura retrógrada.
11) Que esse movimento constitui um antes e um depois da juventude brasileira, que tem o direito de saber o que efetivamente se passou naquela época.
12) Constitui um desserviço à nação a censura de qualquer tipo de trabalho acadêmico que retrate com fidelidade esse período histórico, sem qualquer propósito de ofender quem quer que seja.
13) Que a Universidade, nascida na Idade Média (Bolonha e Salamanca), veio com o escopo de discutir as ciências, as artes, a política, as ideologias, enfim, o mundo, com total autonomia.
14) O povo que não conta com Universidades autônomas e livre circulação das ideias tem como destino a ignorância eterna.
15) No entrechoque do direito à imagem e o direito à informação, prepondera o segundo nos Estados democráticos de Direito (na Inglaterra, desde o século XVII), assumindo seu autor as devidas responsabilidades pelo que informa.
16) O interesse nacional, histórico e cultural deve sempre ter prioridade em relação a qualquer tipo de interesse privado que tenta impedir a sua difusão.
17) Houve exagero na censura feita por Roberto Carlos em relação ao livro de Maíra Zimmermann. O exagero foi compensado, em parte, em seguida, quando seu advogado disse que a obra não seria tirada de circulação. Bom senso.
18) Quem desfruta do bônus da fama tem o ônus da publicidade da sua história, no contexto da cultura do país.
19) Que o legislador altere rapidamente o art. 20 do CC, evitando expressões vagas e porosas (“dimensão pública”, “interesse coletivo” etc.) no novo texto, que vão permitir juízes retrógrados impedirem a circulação de livros.
20) Roberto Carlos continua sendo nosso rei e tendo nossa admiração, mas não pode se valer da falácia da autoridade para adequar o mundo a seu bel prazer.
PARTE II – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL (e de “lege ferenda”)

1) ART. 5º DA CF
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

2) ART. 20 DO CC
a) atual:
“CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
(…)
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”.
b) com a alteração promovida pelo PL 393/11:
“Art. 20 …………………………………………………………………………
…………………………………………………… .
§ 1º Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
§ 2° A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.
Art. 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação” (DESTAQUE NOSSO).

3) Projeto de Lei 393/2011, do deputado federal Newton Lima (PT-SP), que altera o Código Civil — a Lei 10.406/2002:
a) inteiro teor
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=840265&filename=PL+393/2011
b) tramitação do PL: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=491955
c) trecho do parecer emitido pelo relator na CCJC, Dep. Alessandro Molon (PT-RJ):
“Ressalte-se que o Projeto de Lei em análise visa apenas autorizar a publicação de biografias de pessoas públicas. Desta forma, sua finalidade é a de melhor ponderar situações de conflito que ocorrem entre o direito à imagem e à privacidade de um lado e o direito à liberdade de informação e o acesso à cultura de outro.”.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1043850&filename=Tramitacao-PRL+1+CCJC+%3D%3E+PL+393/2011

PARTE III – OUTRAS REPORTAGENS
– em ordem crescente;
– não coloquei todos os sites, pois havia muitas reportagens idênticas.

1) 23/04/13
Roberto Carlos tenta impedir venda de livro sobre a Jovem Guarda
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2013/04/roberto-carlos-tenta-impedir-venda-de-livro-sobre-a-jovem-guarda-4115282.html

2) 25/04/13
A ditadura da vaidade de Roberto Carlos
Quem é o maior censor do Brasil? Esse cara sou eu, diria o cantor que tenta vetar a circulação de um livro pela terceira vez
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/a-ditadura-da-vaidade-de-roberto-carlos

3) 26/04/13
Justiça
‘Parece que Roberto Carlos nem leu o livro’, diz autora perseguida
Maíra Zimmermann, que lançou recentemente ‘Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude’, vai manter o título à venda, apesar de notificação extrajudicial dos advogados do cantor, que exige o recolhimento dos exemplares
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/parece-que-roberto-carlos-nao-leu-o-livro-diz-autora-censurada

4) 28/04/2013 – 10h25 – Atualizado em 03/05/2013 – 11h03
Roberto Carlos tenta impedir mais uma vez a circulação de um livro. O que você acha disso?

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/04/eu_aqui/forum/1434132-roberto-carlos-tenta-impedir-mais-uma-vez-a-circulacao-de-um-livro-o-que-voce-acha-disso.html

5) 29/04/13
Roberto Carlos impede uso de sua imagem em um livro
http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil-noite/episodio/roberto-carlos-impede-uso-de-sua-imagem-em-um-livro

6) 30/04/13
Depois de livro, Roberto Carlos notifica mais seis produtos que usavam sua imagem, diz jornal

http://entretenimento.r7.com/musica/noticias/depois-de-livro-roberto-carlos-notifica-mais-seis-produtos-que-usavam-sua-imagem-diz-jornal-20130430.html

7) Sexta-feira, 03 de Maio de 2013
Roberto Carlos pode “proibir” livro de Lobão
http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/roberto-carlos-pode-proibir-livro-de-lobao-1-9658

8) 06/05/13
CELEBRIDADES SE ARTICULAM PARA LANÇAR MANIFESTO CONTRA LEI DAS BIOGRAFIAS
MÔNICA BERGAMO / FOLHA S. PAULO / ILUSTRADA – 6/5/2013
http://www.clubedorei.com.br/news/detail.asp?iData=2852&iCat=1221&iChannel=1&nChannel=News

9) 06/05/13
06/05/2013
Geral
Roberto Carlos pede retirada de livro sobre os anos 60 escrito por catarinense
http://bandsc.com.br/canais/noticias/roberto_carlos_pede_retirada_de_livro_sobre_os_anos_60_escrito_por_catarinense.html

10) 07/05/13
Reportagem exibida no jornal matinal “Fala Brasil” (Rede Record), no dia 07.05.13.
http://noticias.r7.com/videos/projeto-de-lei-pode-liberar-a-publicacao-de-biografias-nao-autorizadas/idmedia/5188fbc60cf2bc58c7308e4f.html

Assista ao debate.
________________________________________
[1] Caricatura: 1 Representação pictórica ou descritiva, que exagera jocosamente as peculiaridades ou defeitos de pessoas ou coisas. 2 Imitação cômica ou ridícula. 3 Indivíduo ridículo pelo aspecto ou pelos modos. Disponível emhttp://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=caricatura.
[2] Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,maquina-quente-,1024862,0.htm.
[3] Em 1979, ele conseguiu, na Justiça, que “O Rei e Eu”, de Nichollas Mariano, seu ex-mordomo, fosse censurada. Em 2007, a Editora Planeta teve que recolher os exemplares de “Roberto Carlos em Detalhes”, escrito por Paulo César de Araújo.
[4] Segundo o deputado, é “preciso explicar melhor esse conceito de dimensão pública”, termo utilizado pelo PL 393/11. Disponível emhttp://www.estadao.com.br/noticias/impresso,maquina-quente-,1024862,0.htm.

Dilma indica constitucionalista Luís Roberto Barroso para o STF

Barroso, 55 anos, é procurador do estado do Rio e professor universitário.
Ele é o quarto indicado por Dilma para o Supremo, que tem 11 ministros.
Priscilla Mendes e Mariana OliveiraDo G1, em Brasília abril de 2012
A presidente Dilma Rousseff indicou nesta quarta-feira (22) o advogado especialista em direito constitucional Luís Roberto Barroso, de 55 anos, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
O anúncio oficial foi feito pela ministra da Comunicação Social, Helena Chagas. Nota da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República informou que a indicação será encaminhada ao Senado Federal para apreciação.
Segundo a ministra, a presidente tomou a decisão na manhã desta quinta durante reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “O professor Luís Roberto Barroso cumpre todos os requisitos necessários para o exercício do mais elevado cargo da magistratura do país”, diz a nota da Presidência.
Procurador do estado do Rio de Janeiro, Barroso ocupará a vaga deixada há seis meses (em novembro do ano passado) por Carlos Ayres Britto, que se aposentou compulsoriamente após completar 70 anos.
Barroso é o quarto indicado por Dilma para o Supremo, que tem 11 ministros. Antes dele, a presidente havia indicado os ministros Luiz Fux (que substituiu Eros Grau), Rosa Weber (Ellen Gracie) e Teori Zavascki (Cezar Peluso). Desses, a indicação que demorou mais tempo foi a de Fux (sete meses).
Os demais ministros são indicações dos então presidentes José Sarney (Celso de Mello), Fernando Collor de Mello (Marco Aurélio Mello), Fernando Henrique Cardoso (Gilmar Mendes) e Luiz Inácio Lula da Silva (Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli).
Para assumir, Luís Roberto Barroso precisará ser submetido a sabatina e ter o nome aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Depois, a indicação passará por votação no plenário do Senado.
Se tomar posse a tempo, Barroso poderá participar do julgamento dos recursos dos condenados no processo do mensalão. Os embargos de declaração apresentados pelos 25 condenados, que pedem penas menores e novo julgamento, pela primeira instância, devem começar a ser analisados em agosto.
Perfil
Um dos principais constitucionalistas que atuam no Supremo, Barroso advogou em causas recentes importantes no tribunal, como no julgamento que liberou a união estável homoafetiva em 2011.
Ele nasceu na cidade de Vassouras (RJ) em 11 de março de 1958. É professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB).
O STF
O Supremo é integrado por 11 ministros, que são responsáveis por analisar a constitucionalidade das leis e os recursos em diversas áreas que apontem decisões contraditórias em relação a normais constitucionais.
Também compete ao Supremo o julgamento criminal de autoridades com foro privilegiado, como presidente, ministros de Estado, senadores e deputados federais.

Supremo rejeita recurso de Roberto Jefferson

O Supremo Tribunal Federal rejeitou Embargos de Declaração interposto pelo ex-deputado federal e presidente do PTB, Roberto Jefferson, contra decisão do próprio STF que negou a quinta Questão de Ordem na ação, levantada pelo advogado do ex-deputado. O ministro-relator Joaquim Barbosa, afirmou que o caso é uma nítida manobra para retardar o andamento da ação.

Segundo o ministro, é a décima primeira vez que Roberto Jefferson recorre das mesmas decisões com as mesmas alegações. O Plenário decidiu que todos os recursos interpostos contra decisões do relator devem ser trazidos resumidamente ao Pleno, que as rejeitará se continuarem usando os mesmos argumentos e forem intempestivas ou apresentarem outros vícios.

Na Ação Penal, 39 pessoas são acusadas de envolvimento em esquema de compra de votos de parlamentares para votar a favor de projetos de interesse do governo no Congresso. No recurso, a defesa de Roberto Jefferson insistiu em 13 questões sobre o processo, alegando que há omissões e contradições da corte no caso.

Discordâncias
O ministro Joaquim Barbosa rebateu todos os argumentos da defesa, o que já havia feito em julgamento no Plenário de 8 de abril de 2010. Um dos pontos alegados pelo ex-deputado é a negativa de inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como réu da ação, embora o pedido tenha sido rejeitado pelo Plenário em 19 de junho de 2008.

A defesa também alegou a nulidade do processo desde a realização de interrogatório em Recife e em Brasília, no fim de 2007, sem a presença de Roberto Jefferson. Segundo Joaquim Barbosa, as audiências foram coordenadas por seu gabinete de maneira a dar aos advogados dos corréus a oportunidade de presenciá-las. Porém, mesmo informado com antecedência, Jefferson não compareceu.

Barbosa explicou que as datas das audiências não foram coincidentes e houve, inclusive, a instrução para que os agendamentos fossem comunicados ao gabinete para não haver interrogatórios marcados na mesma data.

Entre os pontos alegados pela defesa e rejeitados pelo relator está também a falta de atualização do processo na secretaria do STF, o que, segundo o advogado de Roberto Jefferson, estaria impedindo a defesa de conhecer os autos antes das audiências. Segundo o ministro, a digitalização é feita num prazo considerado bom e os autos físicos ficam disponíveis no tribunal para a consulta da defesa.

Outras questões reclamadas pela defesa de Jefferson dizem respeito à publicação do acórdão; impossibilidade de formular perguntas ao ex-presidente da República, arrolado como testemunha no processo; acareação de Jefferson com testemunha e fornecimento de endereço de testemunhas. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Reflexões de Luís Roberto Barroso sobre o caso Cesare Battisti



 

 

 

 

 

  

 

Reflexões sobre o caso Cesare Battisti

Nas últimas semanas, tenho acompanhado, com interesse profissional e acadêmico, os diversos artigos e comentários que têm sido veiculados em Migalhas sobre o processo envolvendo o pedido de extradição e a concessão de refúgio a Cesare Battisti. Fiz grande proveito pessoal de todas as manifestações, assim as favoráveis como as desfavoráveis. Naturalmente, como advogado da causa, não poderia me apresentar como alguém que tenha uma visão neutra e imparcial. Mas, de longa data, sou militante da crença de que quem pensa de maneira diferente da minha não é meu inimigo nem meu adversário, mas meu parceiro na construção de um mundo plural e tolerante. E acho, de maneira igualmente sincera, que em um tema levado ao debate público, todos têm direito à própria opinião. Mas, talvez, não aos próprios fatos. As anotações que se seguem têm por finalidade narrar objetivamente os fatos relevantes e expor as principais teses jurídicas que estão em discussão. Ao final, cada leitor, de maneira independente e esclarecida, formará a sua convicção.
1. Militância comunista e no PAC. Cesare Battisti ingressou na organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) em 1976, com pouco mais de 20 anos. Nascido em uma família comunista histórica, militou desde os dez anos na causa, tendo participado dos movimentos Lotta Continua e Autonomia Operária. O PAC praticou inúmeras ações subversivas no período entre 1976 e 1979, com o propósito de enfraquecer e, eventualmente, derrubar o regime político italiano. Tais ações incluíram furtos de carros, furtos em estabelecimentos de crédito, furtos de armas, propaganda subversiva e quatro mortes. Os mortos foram um agente penitenciário, um agente policial e dois “civis”: um joalheiro e um açougueiro. Os dois civis eram ligados à extrema direita, andavam armados e haviam matado militantes de esquerda, em reação a “operações subversivas de auto-financiamento”.
2. Fim do PAC, prisão e julgamento de seus membros. Em 1979, a organização Proletários Armados pelo Comunismo foi desbaratada e a maioria de seus membros foi presa. Levados a julgamento por todas as operações do grupo naquele período, houve diversas condenações. Quatro dos integrantes do PAC – mas não Cesare Battisti – foram condenados por um dos homicídios: o do joalheiro Torregiani. Cesare Battisti não era considerado sequer suspeito de qualquer dos homicídios e não foi acusado de nenhum deles. Foi condenado, no entanto, a uma pena de 12 anos por delitos tipicamente políticos: participação em organização subversiva e participação em ações subversivas. Esteve preso de 1979 a 1981, em uma prisão para presos políticos que não haviam cometido ações violentas. De lá evadiu-se em 1981, em operação conduzida por um dos líderes do grupo – Pietro Mutti –, que não havia sido preso ainda. Battisti refugiou-se inicialmente no México e depois na França, onde recebeu abrigo político.
3. A delação premiada. Em 1982, Pietro Mutti, que era acusado pelos homicídios e por participação na maioria das ações do grupo, foi preso. Abstraindo das muitas denúncias da Anistia Internacional sobre torturas no período, o fato é que Mutti torna-se “arrependido” e “delator premiado”. Nessa condição, acusa Cesare Battisti de ter sido o autor dos quatro homicídios atribuídos ao grupo. Como dois dos homicídios ocorreram no mesmo dia, em localidades diversas e distantes – o do joalheiro Torregiani e o do açougueiro Sabadin –, Mutti afirmou que Battisti seria responsável pelo primeiro como autor intelectual – teria participado de uma reunião em que se discutiu a ação – e do segundo como cúmplice, dando cobertura ao autor do disparo. Nos outros dois homicídios – dos agentes Santoro e Campagna –, Mutti acusou Battisti de ter desferido os tiros.
4. “Provas” totalmente frágeis. As únicas provas contra Battisti foram a delação premiada de Mutti e a “confirmação” feita por outros acusados dos homicídios e das ações do PAC. Mutti mudou diversas vezes de versão e de pessoas às quais acusava, protegendo e incriminando deliberadamente determinados militantes, conforme reconhecimento textual da sentença. As outras “provas” referidas na sentença italiana fariam corar um aluno de primeiro ano de direito penal. Coisas do tipo: o autor do disparo contra Santoro, segundo testemunhas, era louro e de barba. Battisti é moreno e sem barba. No entanto, segundo Mutti, ele estaria disfarçado. Outra “prova”: a pessoa que ligou para a agência de notícias reivindicando a autoria do fato tinha sotaque do sul da Itália. Battisti é do sul da Itália. Logo, Battisti é o autor do homicídio!? Mais ou menos como incriminar alguém no Brasil por ter sotaque nordestino.
5. Réu revel e indefeso. Procurações falsas. A trama era extremamente simples: a culpa de todos os homicídios foi transferida para Cesare Battisti, o militante que estava fora do alcance da Justiça italiana, abrigado na França. Sem surpresa, o processo de Battisti foi “reaberto”, tendo sido ele julgado à revelia e condenado à prisão perpétua. Sem ter indicado advogado e sem ter sido defendido eficazmente. Detalhe importante: as procurações pelas quais os advogados de defesa teriam sido constituídos foram consideradas falsas em perícia realizada na França. De fato, ao fugir, Battisti deixou folhas em branco assinadas. Tais folhas foram preenchidas anos depois – este o fato comprovado pela perícia –, com nomes de advogados que defendiam diversos dos acusados, indicados pela liderança do PAC (isto é, pelos delatores premiados). Não apenas o conflito de interesses era evidente, como o advogado que “defendeu” Battisti afirmou que jamais falou com ele, razão pela qual sequer poderia contestar as acusações sobre novos fatos imputados pelos delatores premiados.
6. Abrigo político na França. Battisti permaneceu na França, como abrigado político, por 14 anos. Trabalhou como zelador até tornar-se um escritor reconhecido, publicado pelas principais editoras francesas. Dentre outras coisas, denuncia as arbitrariedades da repressão italiana. Em 1991, a Itália requereu sua extradição, que foi negada pela Justiça francesa. Cesare Battisti casou-se e teve duas filhas, uma nascida no México, hoje com 25 anos, e outra na França, hoje com 14 anos. Jamais esteve envolvido ou foi acusado de qualquer ação anti-social desde 1979. Em 2003, mais de 12 anos depois do primeiro pedido de extradição, Sylvio Berlusconi chega ao poder na Itália e passa a perseguir os antigos militantes que haviam participado dos anos de chumbo. Diante da recusa da Inglaterra e do Japão de extraditarem antigos acusados, Cesare Battisti se transforma no último troféu político daquele período. A Itália requer uma vez mais à França, já agora sob o governo de Jacques Chirac, a extradição de Cesare Battisti. A França defere. Antes da execução da decisão, Cesare Battisti foge para o Brasil.
7. Prisão e refúgio no Brasil. Em 2007, já próximo das eleições francesas, Battisti é preso no Brasil com a ajuda da polícia francesa, à época comandada por Sarkozy, Ministro do Interior e candidato à presidência. Sua prisão é utilizada como tema de campanha eleitoral, fato amplamente noticiado pela mídia européia. A Itália requer sua extradição. Como a Constituição brasileira veda a extradição por crime político, o pedido italiano destaca do conjunto das condenações apenas os quatro homicídios e sustenta a tese de que foram crimes comuns. Cesare Battisti requer a concessão de refúgio político ao CONARE – Comitê Nacional de Refugiados. O pedido é indeferido por três votos a dois. Em janeiro de 2009, o Ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro, apreciando recurso contra aquela decisão, concede-lhe refúgio político.
8. Fundamentos do refúgio. A decisão do Ministro da Justiça se baseou em um conjunto de fatos que são notórios e foram adequadamente narrados na sua fundamentação. A Itália de fato viveu um período de convulsão política conhecido como “anos de chumbo”. Esse período foi marcado por violência, radicalização e pela aprovação de legislação de exceção. Inúmeros relatórios dos organismos internacionais de direitos humanos registraram fatos graves no período, associados à conduta do Estado italiano. Cesare Battisti foi condenado em julgamento coletivo por tribunal do júri, à revelia. Sua extradição só foi concedida pela França, depois de 14 anos, quando o ambiente político havia se modificado na Itália e na França. Era plausível o temor de perseguição política. Alguém pode até discordar da avaliação política do Ministro. Mas a decisão foi bem fundamentada, tendo sido manifestada em linguagem polida e diplomática.
9. Por qual razão aceitei a causa. Procurado pela escritora francesa Fred Vargas, em nome de um grupo de intelectuais franceses que apóia Cesare Battisti, dispus-me a estudar o caso. E, após fazê-lo, aceitei a causa, por considerá-la moralmente justa e juridicamente correta. E isso por duas linhas de razões. A primeira: sou convencido, pelo conjunto consistente de elementos objetivos descritos acima, que Battisti foi transformado em bode expiatório. Seus ex-companheiros e, depois, delatores premiados, estavam certos de que ele se encontrava protegido na França e transferiram-lhe crimes e culpas que jamais teve e pelas quais não havia jamais sido acusado. Ademais, é fora de dúvida que não teve devido processo legal. E de que é um perseguido político. Ainda que não estivesse convencido desses argumentos – como de fato estou –, haveria um segundo, muito consistente.
10. A derrota do socialismo e a vingança da história. Mais de trinta anos se passaram desde os fatos relevantes para o presente processo, ocorridos no auge da guerra fria, do embate entre socialismo e capitalismo. O sonho socialista e a tomada revolucionária do poder faziam parte do imaginário de um mundo melhor de toda uma geração. A minha geração. Eu vi e vivi, ninguém me contou. Condenar esses meninos e meninas – era isso o que eram quando entraram para o movimento – décadas depois, fora de seu tempo e do contexto político daquela época, após a queda do muro de Berlim e da derrota da esquerda, constitui uma expedição punitiva tardia, uma revanche fora de época, uma vingança da história. Gosto de lembrar de uma frase que está inscrita na capela do Castelo de Chenonceau, na França, na entrada, à direita: “A ira do homem não realiza a vontade de Deus”.

O DIREITO

11. Natureza do ato de refúgio. O Ministro da Justiça concedeu refúgio a Cesare Battisti por fundado temor de perseguição política, com base no art. 1º, I da Lei nº 9.474/97. Trata-se, inequivocamente, de um ato político, com ampla margem de valoração discricionária. Havia orientação jurisprudencial expressa do Supremo Tribunal Federal a respeito. Com efeito, a crença de que o conceito jurídico indeterminado “perseguição política” possa ser tratado como algo rigorosamente objetivo, sem margem a valoração discricionária, é singularíssima. Além do precedente já referido – caso Medina –, a doutrina é pacífica. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, referência nacional e internacional do direito administrativo brasileiro, e citado em favor da tese de que se trataria de ato vinculado, veio a público para dizer, textualmente, que discordava veementemente desse ponto de vista. Além disso, afirmou que a Lei nº 9.474/97 impõe que seja extinta a extradição após a concessão de refúgio. Nesse ponto, aliás, a lei brasileira apenas reproduz as Convenções internacionais sobre refúgio e asilo. Não desconheço que muitas pessoas divergem da decisão política do Ministro. Mas a verdade é que ele era a autoridade competente para tomá-la.
12. Subversão da jurisprudência. Ora bem: assentado tratar-se de ato político, a jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o Judiciário não deve sobrepor a sua própria valoração política sobre a da autoridade competente. O mérito do ato político não dever ser revisto. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, também de longa data, já havia assentado que atos referentes às relações internacionais do país – como o refúgio – são de competência privativa do Poder Executivo. Vale dizer: para extraditar Cesare Battisti, o STF precisa modificar, de maneira profunda, três linhas jurisprudenciais antigas, consolidadas e corretas, passando a afirmar: a) refúgio não extingue automaticamente a extradição; b) não constitui ato de natureza política; e c) atos relativos às relações internacionais do país não constituem competência privativa do Executivo. Até a jurisprudência antiga e reiterada de que o STF apenas autoriza a extradição, mas que a decisão final é do Presidente da República, está sob ataque.
13. Impossibilidade da extradição: crime político. Mesmo que o refúgio fosse anulado, a extradição não poderia ser concedida. Cesare Battisti participou de um conjunto de ações na luta política italiana no final da década de 70. Em um primeiro julgamento foi condenado por participar de organização subversiva e de ações subversivas. O segundo julgamento, considerado “continuação” do primeiro, incluiu quatro homicídios. A sentença condenou-o a uma pena única – prisão perpétua – pelo conjunto das ações. Referiu-se a elas como “um único desenho criminoso” e fez mais de trinta referências a “subversão” da ordem política, econômica ou social. Como é possível destacar quatro fatos e tratá-los como crimes comuns quando a sentença é una, a pena é única e a decisão se refere ao conjunto da obra? O próprio STF já negou extradição de italianos por ações análogas praticadas no mesmo período – incluindo homicídio –, sendo que a decisão de uma delas é do mesmo tribunal que condenou Battisti.
14. Impossibilidade de extradição: anistia. A extradição, como se sabe, exige dupla imputação: é preciso que o fato seja crime no país requerente e no país requerido. Os fatos imputados a Cesare Battisti – ainda que se quisesse, arbitrariamente, ignorar sua natureza política –, são conexos com sua atuação política. No Brasil, a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) e a Emenda Constitucional nº 26, de 1985, anistiaram os “crimes de qualquer natureza” relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, praticados entre 2 de setembro e 15 de agosto de 1979. Pois bem: a sentença italiana afirma, textualmente, que as mortes foram praticadas como justiçamento de “inimigos do proletariado” e de “agentes contra-revolucionários”. Battisti foi até condenado pela reivindicação política dos atentados, tipificada como propaganda subversiva. Como seria possível afirmar que não são crimes que tiveram motivação política? A Itália, passadas mais de três décadas, não conseguiu aprovar uma lei de anistia. Mas nós, sim. Felizmente. Se houve anistia aqui pelos mesmos fatos, não cabe extradição.
15. Impossibilidade da extradição: prescrição. A sentença proferida no segundo julgamento contra Cesare Battisti é de 13.12.1988 – por ironia, data de aniversário do Ato Institucional nº 5. A condenação foi à pena de prisão perpétua. O Ministério Público não recorreu, até porque não tinha interesse. Para ele, portanto, deu-se aí o trânsito em julgado. Em 13.12.2008, consumou-se a prescrição. O entendimento pacífico do STF é que a prisão preventiva – Battisti foi preso em 2007, para fins de extradição – não suspende o curso da prescrição. Para deixar de reconhecer a prescrição, o STF teria que alterar também essa linha jurisprudencial consolidada. Note-se que em relação a um dos homicídios – o de Torregiani – a condenação de Battisti envolve “reformatio in pejus”, já que, no primeiro julgamento coletivo, outras pessoas – e não ele – foram condenadas. Note-se, também, que em relação a esta condenação, a sentença de 1988 foi inicialmente anulada com remessa para confirmação. E foi efetivamente “confirmada”, nos termos da própria decisão italiana. Não se reabriu prazo recursal para o Ministério Público e, portanto, o termo a quo da prescrição não foi alterado.
16. Impossibilidade da extradição: violação do devido processo legal. A extradição é inviável, pois a sentença condenatória violou elementos essenciais do devido processo legal (Constituição, art. 5º, LIV e Lei nº 6.815/80, art. 77, VIII): cuidou-se de revisão criminal in pejus, na qual o peticionário restou revel perante Tribunal do Júri. Além disso, foi condenado a prisão perpétua – sem que a Itália tenha se comprometido a comutar a pena –, representado por advogado que era também patrono de outros réus implicados nos mesmos fatos, em conflito de interesses, sendo certo que o fundamento determinante da nova condenação foi depoimento obtido em programa de delação premiada.

CONCLUSÃO

17. Como qualquer pessoa do ramo poderá constatar, não são teses retóricas, sentimentais ou políticas. Pelo contrário, trata-se de argumentação jurídica, fundada no conhecimento convencional e na jurisprudência dominante. A anulação do ato de refúgio, sem procedimento próprio, do qual tivessem participado a autoridade competente e o próprio refugiado, é que não corresponde ao entendimento tradicional, tanto no direito internacional como no interno. Ainda assim, reitera-se aqui o respeito devido e merecido por quem professa crença diversa.
18. Como assinalado, a defesa não seguiu o caminho do argumento humanitário, que poderia ser assim enunciado: Cesare Battisti vive há mais de trinta anos uma vida pacata e produtiva; constituiu família e contribui decisivamente para a criação de duas filhas ainda jovens (14 e 25 anos); é uma pessoa querida e respeitada na comunidade intelectual francesa, da qual participou ativamente nos 14 anos em que esteve abrigado na França. A pergunta é natural e óbvia: em que serve à causa da humanidade mandar esse homem para cumprir prisão perpétua na Itália? Outra pergunta: que sentimentos ainda movem aquele admirável país para fazer com que, décadas depois, não tenha conseguido aprovar uma lei de anistia dos velhos adversários? Mais do que isso, como bem destacou o professor Celso Antônio Bandeira de Mello: observando a inacreditável mobilização política italiana, trinta anos depois dos fatos, é possível imaginar que eles estejam mesmo à caça de um criminoso comum? E alguém acha, verdadeiramente, que há ambiente político na Itália para que esse homem cumpra pena sem grave risco de violações à sua dignidade? Uma última pergunta: por que o Brasil deveria fazer uma ponta nesse filme, desempenhando um atípico papel de carrasco?
19. A defesa não explorou, tampouco, uma linha de argumentação política. Battisti foi militante do sonho socialista, que empolgou corações e mentes em outra fase da história da humanidade. É vítima de uma expedição punitiva fora de época. Cesare Battisti, tragicamente, não consegue se desvencilhar de sua sina de troféu simbólico de disputas políticas por onde passa. Em meio a palavras de ordem e juízos sumários, poucos são os que leram a decisão concessiva de refúgio. E menos ainda os que estão verdadeiramente interessados em sua vida, seus direitos e no terror que o espera em um cárcere político italiano.
20. Não tem sido fácil enfrentar a pretensão da Itália. Por muitas razões. Trata-se de um país fascinante, poderoso e querido pelos brasileiros. Um encantamento que não se abala pelas notícias estarrecedoras que vêm de lá, em domínios que vão da perseguição a imigrantes a usos atípicos de palácios governamentais. Nem por certas práticas políticas que espantariam os mais atentos observadores da cena política latino-americana. Como, por exemplo, a que levou à “convocação” do representante no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Sob ameaças e intimidações, foi obrigado a cancelar as audiências que pedira aos Ministros do STF e teve de fazer as malas e partir. Basta consultar alguém que tenha ouvido seu relato, sofrido e indignado, acerca da pressão feita pela Itália junto ao órgão (ACNUR), em Genebra.

21. Tampouco é fácil enfrentar um certo senso comum, que se colhe na opinião pública em geral – e na mídia, em particular – de que, pelas dúvidas, não devemos nos incomodar e nos indispor com a Itália por um indivíduo que nada tem a nos oferecer. Uma visão pragmática e utilitária da vida, que não leva em conta miudezas como dignidade humana e direitos fundamentais das pessoas. É nesse ambiente de indiferença que o público deixa de saber de alguns fatos que talvez fizessem diferença, como por exemplo:
a) que o Procurador-Geral da República até alguns meses atrás – o Dr. Antônio Fernando de Souza –, cujas manifestações sempre atraíram grande interesse da imprensa, pronunciou-se de maneira taxativa pela validade do refúgio e pela extinção da extradição;
b) que na data do julgamento, seu sucessor, Dr. Roberto Gurgel, fez um veemente pronunciamento em favor do respeito ao refúgio, fim da extradição e libertação de Cesare Battisti;
c) que alguns dos mais proeminentes juristas brasileiros, pro bono e desinteressadamente, se pronunciaram em favor do refúgio e da extinção da extradição, dentre os quais os Professores José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Dalmo Dallari e Celso Antônio Bandeira de Mello;
d) que a Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados do Brasil se manifestaram favoravelmente à validade do ato de refúgio e à extinção do processo de extradição;
e) que o Ministro Joaquim Barbosa não apenas proferiu voto a favor do refúgio e contra a extradição (acompanhado pelos eminentes Ministros Eros Grau e Cármen Lúcia), como se queixou de maneira veemente contra a “arrogância” do governo italiano nesse caso e contra a “insistência inapropriada” da Itália em suas gestões junto ao Supremo Tribunal Federal.
22. A perspectiva é que na retomada do julgamento, com o voto-vista do Ministro Marco Aurélio, ocorra um empate. Sinal inequívoco de que, no mínimo, há dúvida razoável. Note-se bem: com todo o peso político da Itália e com todo o peso de uma opinião pública predominantemente contrária, talvez haja empate. Só quem estava do lado da defesa pode saber o que isso significa. Pois bem: depois de se excepcionarem tantos precedentes – refúgio não é ato político, relações internacionais não são competência privativa do Executivo, prisão preventiva interrompe a prescrição –, seria o caso de se excepcionar só mais um e decidir: in dubio, pró condenação? Condenar um homem por voto de Minerva? Só para registro, a origem da expressão refere-se à decisão da deusa Atenas (Minerva), que diante do empate, absolveu Orestes, que vingara a morte de seu pai, Agamenon.
23. Estes os fatos e as teses jurídicas. A história real, documentada, que não se consegue contar. De um lado, o poder, as razões de Estado, a perseguição sem fim. De outro, um indivíduo, seus direitos fundamentais, a página virada da história. A partir daqui, cada um formará seu próprio juízo, de acordo com seus valores, suas crenças, seus desejos. Não tenho, nem poderia ter, a pretensão de controlar o pensamento e o sentimento alheios.

Luís Roberto Barroso