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CONSOLIDA-SE NA 2ª. TURMA DO STF A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Autor: Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS.

 

A 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº. 138.697, realizado na sessão do último dia 16 de maio, reformou decisão do Superior Tribunal de Justiça e concedeu a ordem, determinando o trancamento do processo em que o réu era acusado de furto de um telefone celular, avaliado em R$ 90,00.

A 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça havia determinado a execução imediata da pena sob a alegação de que o celular tinha um valor superior a 10% do salário mínimo, além de ser reincidente o acusado. O Ministério Público Federal, naquela oportunidade, acolhia a mesma tese.

O voto do relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, foi em sentido contrário, tendo sido acompanhado pelos demais integrantes da Turma.

Agora, e mais uma vez, prevaleceu a tese de que a reincidência, por si só, não impede a aplicação do princípio da insignificância. Em seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou:

Destarte, ao perceber que não se reconheceu a aplicação do princípio da insignificância, tendo por fundamento uma única condenação anterior, na qual o ora paciente foi identificado como mero usuário, entendo que ao caso em espécie, ante inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido, a ausência de prejuízo ao ofendido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta.”

Aliás, este entendimento já havia sido exposto pela mesma Turma no Habeas Corpus nº. 137.290, julgado em fevereiro deste ano. Na ocasião, por maioria de votos, concedeu-se a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta da paciente que havia tentado subtrair de um supermercado dois frascos de desodorante e cinco frascos de goma de mascar, avaliados em R$ 42,00, mesmo o paciente possuindo registros criminais.

Pois bem.

Acertada foi a decisão da 2ª. Turma e oxalá este entendimento vingue, contaminando os demais integrantes da Corte.

Como se sabe, o princípio da insignificância foi pensado por Claus Roxin, na década de 60, a partir do princípio da adequação social, anteriormente criado por Welzel. Segundo Roxin, em linhas gerais, era necessário introduzir no sistema penal um outro princípio que permitisse, em alguns tipos penais, excluir os danos de pouca importância, pois, como diz, Ferrajoli, “la necesaria lesividad del resultado, cualquiera que sea la concepción que de ella tengamos, condiciona toda justificación utilitarista del derecho penal como instrumento de tutela y constituye su principal límite axiológico externo. Palabras como ‘lesión’, ‘daño’ y ‘bien jurídico’ son claramente valorativas.”[1]

Ora, se a conduta do agente não lesa (ofende) o bem jurídico tutelado, não causando nenhum dano, ou, no máximo, um dano absolutamente insignificante, não há fato a punir por absoluta inexistência de tipicidade, pois “la conducta que se incrimine ha de ser inequivocamente lesiva para aquellos valores e intereses expresivos de genuínos ‘bienes juridicos’.[2]

Como dissemos acima, “el origen del estudio de la insignificancia se remonta al año 1964, cuando Claus Roxin formuló una primigenia enunciación, la que fuera reforzada – desde que se contemplaba idéntico objeto – por Claus Tiedemann, con el apelativo de delitos de bagatela.”[3]

Assim, como ensina Cezar Roberto Bitencourt, “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico.”[4]

Na verdade, trata-se da aplicação no Direito Penal do velho adágio latino minima non curat praetor.

O saudoso penalista e Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco de Assis Toledo,  já ensinava que, nada obstante Welzel considerar que “o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes“, Claus Roxin “propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo. Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.”[5]

Por fim, observa-se, mais uma vez, que a 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça já havia determinado a execução imediata da pena, o que demonstra a absurda temeridade da admissibilidade da execução provisória da pena, possibilidade reconhecida, desgraçadamente, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº. 126282.

 

 

 

 

 

 

 

[1] Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 467.

[2] Antonio Garcia-Pablos, Derecho Penal – Introducción, Madrid: Servicio Publicaciones Facultad Derecho Universidad Complutense Madrid, 1995, 265.

[3] Enrique Ulises García Vitor, La Insignificancia en el Derecho Penal, Buenos Aires: Hammurabi, 2000, p. 20.

[4] Manual de Direito Penal – Parte Geral – São Paulo: Revistas dos Tribunais, 4ª. edição, p. 45.

[5] Princípios Básicos de Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 4ª. edição, 1991,  p. 132.

O PGR JÁ PODE DIRIMIR CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO ENTRE O MPF E O MPE:ASSIM DECIDIU O STF E, MAIS UMA VEZ, RASGOU A CF/88.

Autor: Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

 

O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu no último dia 19 não cabe à Corte julgar conflitos de atribuição entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos Estados.

Por maioria, os Ministros não conheceram das Ações Cíveis Originárias nºs. 924 e 1394 e das Petições nºs. 4706 e 4863, com o entendimento de que a questão não é jurisdicional, e sim administrativa, e deve ser remetida ao Procurador-geral da República.

O relator, Ministro Luiz Fux, levantou questão preliminar sugerindo que não havia conflito federativo e, portanto, o Supremo Tribunal Federal não devia conhecer do feito. Seguiram esse entendimento os Ministros Teori Zavascki, Joaquim Barbosa (aposentado), Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. O Ministro Marco Aurélio abriu divergência, no sentido de conhecer do conflito e estabelecer a atribuição do Ministério Público Federal.

Ao trazer (aliás, muito tardiamente) o voto-vista convergente com o relator, o Ministro Dias Toffoli observou que o encaminhamento dos conflitos de atribuição ao Supremo Tribunal Federal muitas vezes interrompe as investigações (por culpa, exatamente, da demora dos julgamentos dessas ações na própria Corte) “por anos a fio, às vezes décadas” (por que a demora mesmo?). Para ele, não compete ao Judiciário dirimir esses conflitos, e sim direcioná-los ao Procurador-geral da República, que, na condição de chefe do Ministério Público, decida-os como entender de direito. Para o Ministro Toffoli, os conflitos de atribuição são uma questão interna da instituição: “Em que pese a irradiação de suas atribuições em vários órgãos, o MP é uma instituição una e indivisível, e conta com um órgão central, o procurador-geral da República”, afirmou, fazendo um paralelo com a atribuição do Procurador-Geral da República, de caráter de nacional, para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, escolher o representante dos Ministérios Públicos estaduais no Conselho Nacional de Justiça e de apresentar ao Supremo Tribunal Federal pedidos de intervenção nos Estados.

O Presidente da Corte observou que, além de se tratar de matéria administrativa, e não jurisdicional, o Supremo “não tem condição de dar vazão à miríade de pedidos de solução de conflitos de competência (sic) em tempo hábil”, e muitos casos podem sofrer a prescrição diante da demora involuntária na sua solução. Eles destacou, porém, o princípio da inafastabilidade da jurisdição. “Caso o Procurador-Geral da República profira uma decisão considerada teratológica ou contrária ao direito das partes, sempre caberá recurso ao Supremo Tribunal Federal”, afirmou.

O Ministro Marco Aurélio, relator das Petições nºs, 4706 e 4863, reiterou o voto já proferido nas Ações Cíveis Originárias no sentido de que, quando a Constituição da República não designa o órgão competente para dirimir um conflito, cabe ao Supremo Tribunal Federal fazê-lo. Ele ressaltou que o Procurador-geral da República é chefe do Ministério Público Federal, mas não dos estaduais, que são chefiados pelo Procurador-Geral de Justiça.

Vejam: mais um erro flagrante da Corte Constitucional brasileira, e, também mais uma vez, seguindo entendimento do Procurador-Geral da República. Acertou apenas o Ministro Marco Aurélio.

Não que entendamos que se trate de um conflito federativo. Óbvio que não! A questão é que não cabe nem ao Superior Tribunal de Justiça dirimir tal conflito (por ausência de previsão constitucional), tampouco às chefias dos Ministérios Públicos da União e dos Estados, por se tratarem de Instituições absolutamente independentes entre si, razão pela qual desde 1995 o Supremo Tribunal Federal havia assumido esta competência.

Aliás, a Suprema Corte, ainda no final do ano passado, julgando uma Ação Cível Originária, cuja relator foi o  Ministro Celso de Mello, afirmou que “implicava ofensa à autonomia institucional do Ministério Público dos estados, exigir-se que a sua atuação processual se faça por intermédio do senhor procurador-geral da República, que não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do ‘parquet’ estadual, pois lhe incube, unicamente por expressa definição constitucional a chefia do Ministério Público da União”, acrescentando que “o Ministério Público estadual não é representado, muito menos chefiado, pelo senhor procurador-geral da República, eis que é plena a autonomia do ‘parquet’ local em face do eminente chefe do Ministério Público da União”.

O relator frisou ainda que o Ministério Público dos Estados não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, por isso tem direito de postular, autonomamente, em sede originária, perante o Supremo: “Tais são as razões pelas quais também não compete ao eminente senhor procurador-geral da República o poder para dirimir conflitos de atribuições entre membros de Ministérios Públicos estaduais entre si ou, ainda, entre integrantes do Ministério Público da União e agentes do Ministério Público dos estados-membros, eis que, em referidas situações de antagonismo, a atribuição originária para resolver eventuais conflitos (positivos ou negativos) pertence ao Supremo Tribunal Federal.”[1]

Quanto coerência! Quanto integridade nos julgamentos! Ora, o Procurador-Geral da República chefia o Ministério Público da União e não pode ter qualquer ingerência nas atribuições dos membros do Ministério Público estadual (é só conferir o art. 128, I e II da Constituição Federal e, obviamente, não ser um analfabeto funcional). Aquelas atribuições do Procurador-Geral da República referidas no voto-vista do Ministro Dias Toffoli estão expressamente previstas na Constituição Federal e, portanto, não servem como argumento para a conclusão.

Não há falar-se em hierarquia entre Ministério Público da União e Ministério Público do Estado. O Procurador-Geral da República não pode decidir acerca da atribuição de um Promotor ou de um Procurador de Justiça. Isso é inconstitucional. É desconhecer a Constituição Federal e, de certo modo, até o pacto federativo.

Restava mesmo apenas ao Supremo Tribunal Federal resolver este conflito. Esta é uma posição defendida há mais de duas décadas pelos Professores Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[2] e Afrânio Silva Jardim[3].

O Supremo Tribunal Federal já havia decidido neste sentido pela primeira vez no julgamento da Petição nº. 3.528-3 – BA (em 1995), tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio. A partir deste julgamento, várias outras decisões se sucederam.

É bem verdade que nem concordamos na judicialização desta questão, mesmo porque, repita-se, não é um caso de conflito federativo. Mas, tampouco, aceitamos caber ao Procurador-Geral da República dirimi-lo.

De lege ferenda, entendemos que seria mais adequado, seja do ponto de vista do acima analisado sistema acusatório (art. 129, I, da Constituição Federal), seja sob o prisma institucional (art. 127, §§ 1º. e 2º., da Carta Magna), seja sob o aspecto constitucional (art. 130-A, § 2º. da Constituição Federal), que tais conflitos de atribuição fossem decididos pelo Conselho Nacional do Ministério Público, órgão constitucionalmente legitimado para o controle do “cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”.

Para tanto, acrescentar-se-ia ao art. 130-A, § 2º. da Constituição Federal, o inciso VI, com a seguinte redação: “dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público de Estados diversos e entre estes e os membros do Ministério Público da União”.

Fica, portanto, a sugestão para um Projeto de Emenda à Constituição.

[1] http://www.conjur.com.br/2015-dez-24/nao-compete-pgr-decidir-conflito-atribuicao-entre-mps-decide-stf

 

[2] O Ministério Público no Processo Civil e Penal, Rio de Janeiro: Forense, 5ª. ed., 1995, pp. 211 e segs.

[3] Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 10ª. ed., 2001, p. 233.

A Repercussão Geral e o seu Cabimento à Luz da Jurisprudência do STF.

Artigo do Profº Rômulo Moreira.

Como se sabe, a Emenda Constitucional nº. 45/2004, a chamada “Reforma do Judiciário” (rs), acrescentou um parágrafo ao art. 102 da Constituição Federal, nestes termos:

“No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”.

Estava criado o instituto da repercussão geral.

Regulamentando este dispositivo, foram acrescentados ao Código de Processo Civil, pela Lei nº. 11.418/2006, dispositivos que regulamentam o instituto, a saber:

“Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

“§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

“§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

“§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

“§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

“§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

“§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

“§ 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”

“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

“§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

“§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

“§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

“§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

“§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”

A partir desta legislação ordinária, caberia ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento, estabelecer as normas necessárias à execução da Lei. Neste sentido, algumas emendas regimentais foram providenciadas pela Suprema Corte, a fim de que o novo instituto pudesse ter o seu alcance definitivamente definido.

Vejamo-las, cronologicamente:

Com efeito, a Emenda Regimental nº. 21/2007 dispõe: “Art. 1º Os dispositivos do Regimento Interno a seguir enumerados passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 13. … V – … c) como Relator (a), nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento e petições ineptos ou doutro modo manifestamente inadmissíveis, bem como os recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, ou cuja matéria seja destituída de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal. Art. 21. … § 1° Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou à Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil. Art. 322. O Tribunal recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral, nos termos deste capítulo. Parágrafo único. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes. Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral. § 1° Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral.§ 2° Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral. Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais Ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral.Parágrafo único. Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral. Art. 325. O (A) Relator(a) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência da repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formalizará e subscreverá decisão de recusa do recurso. Parágrafo único. O teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão, constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso. Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) Relator(a), à Presidência do Tribunal, para os fins do artigo subsequente e do artigo 329. Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. § 1° Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência. § 2° Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo. Art. 328. Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes informações, que deverão ser prestadas em 5 (cinco) dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica. Parágrafo único. Quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil. Art. 329. A Presidência do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito.”

Logo depois, providenciou-se a Emenda Regimental de nº. 22/2007, acrescentando o inciso XVI-A ao art. 13 e § 4º ao art. 21 do Regimento Interno, in verbis: “Art. 13… XVI-A – designar magistrados para atuação como Juiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal em auxílio à Presidência e aos Ministros, sem prejuízo dos direitos e vantagens de seu cargo, além das que são atribuídas aos Juízes Auxiliares do Conselho Nacional de Justiça; Art. 21… § 4º O Relator comunicará à Presidência, para os fins do art. 328 deste Regimento, as matérias sobre as quais proferir decisões de sobrestamento ou devolução de autos, nos termos do art. 543-B do CPC.”

Em seguida, mais uma mudança, desta vez por meio da Emenda Regimental nº. 23/2008, que acrescentou o art. 328-A e parágrafos ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:

“Art. 328-A. Nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal decida os que tenham sido selecionados nos termos do § 1º daquele artigo.§ 1º Nos casos anteriores, o Tribunal de origem sobrestará os agravos de instrumento contra decisões que não tenham admitido os recursos extraordinários, julgando-os prejudicados na hipótese do art. 543-B, § 2º.§ 2º Julgado o mérito do recurso extraordinário em sentido contrário ao dos acórdãos recorridos, o Tribunal de origem remeterá ao Supremo Tribunal Federal os agravos em que não se retratar.”, ressalvando que os agravos de instrumento então pendentes no Supremo Tribunal Federal continuariam a ser por este julgados.

Logo após, tivemos a Emenda nº. 24/2008 que, alterando dispositivos do Regimento Interno, passaram a vigorar com a seguinte redação: “Art. 13. … V – … c) como Relator, nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do Código de Processo Civil, até eventual distribuição, os agravos de instrumento, recursos extraordinários e petições ineptos ou de outro modo manifestamente inadmissíveis, inclusive por incompetência, intempestividade, deserção, prejuízo ou ausência de preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria seja destituída de repercussão geral, conforme jurisprudência do Tribunal.” “Art. 28. O Presidente designará os membros das Comissões, com mandatos coincidentes com o seu, assegurada a participação de Ministros das duas Turmas.”, revogando-se o § 3º. do art. 335 do Regimento Interno.

Já a de nº. 27/2008 alterou a redação do 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que ficou assim redigido: “§ 1º Nos casos anteriores, o Tribunal de origem sobrestará os agravos de instrumento contra decisões que não tenham admitido os recursos extraordinários, julgando-os prejudicados nas hipóteses do art. 543-B, § 2º, e, quando coincidente o teor dos julgamentos, § 3º.”

A Emenda Regimental nº. 31/2009 alterou o art. 324, nestes termos: “Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão de repercussão geral.§1º Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para a recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.§2º Não incide o disposto no parágrafo anterior quando o Relator declare que a matéria é infraconstitucional, caso em que a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art . 543-A, § 5º, do código de Processo Civil.”

Uma outra, a de nº. 41/2010, estabeleceu que alguns dispositivos do Regimento Interno passavam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 13…V – … d) como Relator, nos termos do art. 38 da Lei nº 8.038/90, até eventual distribuição, os habeas corpus que sejam inadmissíveis por incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente.VI – executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas resoluções, suas ordens e os acórdãos transitados em julgado e por ele relatados, bem como as deliberações do Tribunal tomadas em sessão administrativa e outras de interesse institucional, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais não decisórios;” “Art. 21. …II – executar e fazer cumprir os seus despachos, suas decisões monocráticas, suas ordens e seus acórdãos transitados em julgado, bem como determinar às autoridades judiciárias e administrativas providências relativas ao andamento e à instrução dos processos de sua competência, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais não decisórios a outros Tribunais e a juízos de primeiro grau de jurisdição;” “Art. 340. A execução e o cumprimento das decisões do Tribunal observarão o disposto nos artigos 13, VI, e 21, II, do Regimento Interno e, no que couber, à legislação processual. Art. 341. Os atos de execução e de cumprimento das decisões e acórdãos transitados em julgado serão requisitados diretamente ao Ministro que funcionou como relator do processo na fase de conhecimento, observado o disposto nos arts. 38, IV, e 75 do Regimento Interno.” Nesta modificação regimental, ficou acrescido ao art. 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal o § 3º com a seguinte redação: “§ 3º O recurso extraordinário será redistribuído por exclusão do(a) Relator(a) e dos ministros que expressamente o(a) acompanharam nos casos em que ficarem vencidos.”, revogando-se o seu art. 344.

E mais…

A Emenda nº. 42/2010 voltou a alterar dispositivos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “Art. 38… I – pelo Revisor, se houver, ou pelo Ministro imediato em antiguidade, dentre os do Tribunal ou da Turma, conforme a competência, na vacância, nas licenças ou ausências em razão de missão oficial, de até trinta dias, quando se tratar de deliberação sobre medida urgente; … III – mediante redistribuição, nos termos do art. 69 deste Regimento Interno;” “Art. 57. Salvo os casos de isenção, compete às partes antecipar o pagamento do respectivo preparo. Parágrafo único. O preparo compreende o recolhimento de custas e das despesas de todos os atos do processo, inclusive o porte de remessa e retorno, quando for o caso.” “Art. 59. O recolhimento do preparo: I – quando se tratar de recurso, será feito no tribunal de origem, perante as suas secretarias e no prazo previsto na lei processual; II – quando se tratar de feitos de competência originária, será comprovado no ato de seu protocolo… § 3º A não comprovação do pagamento do preparo no ato do protocolo da ação originária ou seu pagamento parcial serão certificados nos autos pela Secretaria Judiciária.” Art. 60. Com ou sem o preparo, os autos serão distribuídos ao Relator ou registrados à Presidência, de acordo com a respectiva competência, salvo os casos definidos neste Regimento.” “Art. 67… § 1º Não haverá distribuição a cargo vago e a Ministro licenciado ou em missão oficial por mais de trinta dias, impondo-se a compensação dos feitos livremente distribuídos ao Ministro que vier assumir o cargo ou retornar da licença ou missão oficial, salvo se o Tribunal dispensar a compensação. § 2º Será compensada a distribuição que deixar de ser feita ao Vice-Presidente quando substituir o Presidente… § 5º Ainda quando prevento, o Ministro que estiver ocupando a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral será excluído da distribuição de processos com medida liminar, com posterior compensação, durante os três meses anteriores e o mês posterior ao pleito eleitoral… § 11. O processo de acervo de cargo vago que determinar a prevenção de outro feito será redistribuído ao Relator sorteado para o processo prevento, com compensação. § 12. A prevenção do Ministro Vice-Presidente, ainda quando no exercício da Presidência, não o exclui da distribuição. Art. 68. Em habeas corpus, mandado de segurança, reclamação, extradição, conflitos de jurisdição e de atribuições, diante de risco grave de perecimento de direito ou na hipótese de a prescrição da pretensão punitiva ocorrer nos seis meses seguintes ao início da licença, ausência ou vacância, poderá o Presidente determinar a redistribuição, se o requerer o interessado ou o Ministério Público, quando o Relator estiver licenciado, ausente ou o cargo estiver vago por mais de trinta dias… § 2º REVOGADO. § 3º Far-se-á compensação, salvo dispensa do Tribunal, quando cessar a licença ou ausência ou preenchido o cargo vago.” “Art. 78…§ 2º Sem prejuízo do disposto no inciso VIII do art. 13 e inciso V-A do art. 21, suspendem-se os trabalhos do Tribunal durante o recesso e as férias, bem como nos sábados, domingos, feriados e nos dias em que o Tribunal o determinar.” “Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral. § 1º Nos processos em que o Presidente atuar como relator, sendo reconhecia a existência de repercussão geral, seguir-se-á livre distribuição para o julgamento de mérito. § 2º Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral. § 3º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.” Art. 21… V-A – decidir questões urgentes no plantão judicial realizado nos dias de sábado, domingo, feriados e naqueles em que o Tribunal o determinar, na forma regulamentada em Resolução;” “Art. 323-A. O julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também poderá ser realizado por meio eletrônico.” “Art. 325-A. Reconhecida a repercussão geral, serão distribuídos ou redistribuídos ao relator do recurso paradigma, por prevenção, os processos relacionados ao mesmo tema.”, revogando o § 2º. do art. 68.

Neste ínterim, foi publicada a Portaria nº. 138/2009, na qual o Presidente do Supremo Tribunal Federal, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto no art. 543-B, § 5º, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 11.418/06, e no art. 328, parágrafo único, do Regimento Interno, com redação da Emenda Regimental nº 21/07, determinou “à Secretaria Judiciária que devolva aos Tribunais, Turmas Recursais ou Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais os processos múltiplos ainda não distribuídos relativos a matérias submetidas a análise de repercussão geral pelo STF, os encaminhados em desacordo com o disposto no § 1º do art. 543-B, do Código de Processo Civil, bem como aqueles em que os Ministros tenham determinado sobrestamento ou devolução”, revogando a Portaria nº 177, de 26 de novembro de 2007.
Por fim (ufa!), temos hoje a Emenda Regimental nº. 47/2012, que alterou os arts. 324 e 335: “Art.324… § 2º Não incide o disposto no parágrafo anterior quando o Relator declare que a matéria é infraconstitucional, caso em que a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aplicação do art. 543-A, § 5º, do Código de Processo Civil, se alcançada a maioria de dois terços de seus membros.”
“Art. 335. Interpostos os embargos, o Relator abrirá vista ao recorrido, por quinze dias, para contrarrazões. § 1º Transcorrido o prazo do caput, o Relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso. § 2º Da decisão que não admitir os embargos, caberá agravo, em cinco dias, para o órgão competente para o julgamento do recurso.§ 3º Admitidos os embargos, proceder-se-á à distribuição nos termos do art. 76.” Pois bem. Vejamos agora como se posiciona a nossa dita Egrégia Corte acerca da matéria.
Agora, pergunta-se: a quantas andam as decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria, seja no Processo Civil, seja no Processo Penal? Veremos adiante algumas decisões esclarecedoras, por exemplo:
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal resolveram uma questão de ordem no Recurso Extraordinário com Agravo nº. 663637, interposto contra decisão do ex-Presidente da Corte, Ministro Cezar Peluso, que negou seguimento ao recurso por ausência de preliminar de repercussão geral. Ao concluir a análise dessa questão de ordem, o Plenário, na linha do voto proferido pelo ministro Ayres Britto, firmou entendimento no sentido de que é indispensável a apresentação de preliminar fundamentada sobre a existência de repercussão geral, mesmo que o STF, na análise de outro recurso, já tenha reconhecido a presença de repercussão geral da matéria. A questão de ordem foi suscitada no julgamento de um agravo regimental interposto contra decisão da presidência da Corte, de março deste ano, que negou seguimento ao ARE, por ausência de preliminar formal e fundamentada demonstrando a existência de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no recurso extraordinário. O autor do agravo regimental alega que a matéria contida no ARE já teve a sua repercussão geral reconhecida no julgamento de outro recurso. Assim, em seu entendimento, a preliminar de repercussão geral estaria contida implicitamente no recurso extraordinário interposto. Ao proferir o voto condutor do julgamento, o Ministro Ayres Britto lembrou que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o fato de o recurso tratar de matéria com repercussão geral já reconhecida apenas dispensa a submissão do tema a novo julgamento, quanto à presença do pressuposto, por meio do sistema eletrônico pertinente (Plenário Virtual). Porém, não exime os recorrentes do dever constitucional e processual de apresentar preliminar devidamente fundamentada sobre a presença da repercussão geral (parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição Republicana e parágrafo 2º do artigo 543-A do CPC). Ao apresentar seu voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes considerou “assistir razão à parte agravante quanto à inexigência de preliminar formal e fundamentada de repercussão geral nos casos em que o tema já foi apreciado por meio do regime da repercussão geral”. Para ele, “a prevalência do mérito dos recursos, em detrimento dos requisitos de admissibilidade nos casos já submetidos ao regime da repercussão geral, parece ser o que mais atende ao fim mediato da repercussão geral, de promover acesso à justiça em sentido material, por meio da prolação de decisões uniformes no Judiciário brasileiro”. No entanto, o ministro Gilmar Mendes negou provimento ao agravo regimental por questão processual relacionada à admissibilidade recursal no tribunal de origem.

Por meio do Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a existência de repercussão geral em quatro Recursos Extraordinários (REs) que tratam de matéria penal, processual e trabalhista. Os casos se referem à possibilidade de concessão de liberdade provisória nos casos de crimes hediondos, à ilegalidade da restituição de bens apreendidos em casos de transação penal, à competência da justiça trabalhista para tratar de ações sobre previdência complementar privada e ao direito dos trabalhadores contratados sem concurso público receberem FGTS. Outros dois recursos também foram analisados pelos ministros, mas não foram considerados de repercussão. O RE 601384, relatado pelo ministro Marco Aurélio, trata da legalidade – ou não – do indeferimento de liberdade provisória a acusados de tráfico de drogas, com base apenas na vedação contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006. A discussão gira em torno da possibilidade de se conceder liberdade provisória nos casos de crimes hediondos, uma vez que, nesses casos, a Constituição só proíbe a fiança (artigo 5º, XLIII). O artigo 44 da nova lei de tóxicos diz que “os crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 a 37 desta Lei [11.343/2006] são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”. O Plenário reconheceu a repercussão na matéria por maioria, vencido o ministro Joaquim Barbosa. Já o Agravo de Instrumento (AI) 762146, de relatoria do ministro Cezar Peluso, questiona a impossibilidade de, no caso de transação penal, o acusado ter restituídos seus bens apreendidos, quando constituem instrumento ou produto de crime, com base no entendimento de que a sentença homologatória da transação tem natureza condenatória. O apelante afirma, no recurso, que essa natureza condenatória na decisão homologatória ofende os princípios do devido processo legal, do contraditório e da presunção da inocência. Apenas o ministro Marco Aurélio não reconheceu a repercussão geral neste caso.

Fazemos uma pausa para ilustrar o trabalho, transcrevendo o trabalho “O STF e a repercussão geral no recurso extraordinário de natureza criminal”, feito por Alessandro Silvério e publicado no site http://www.paranaonline.com.br – 06/09/2009:

“O pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem levantada no Agravo de Instrumento n.º 664.567, firmou posicionamento no seguinte sentido: “1) que é de exigir-se a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer recurso extraordinário, incluído o criminal; 2) que a verificação da existência de demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário pode fazer-se tanto na origem quanto no Supremo Tribunal Federal, cabendo exclusivamente a este Tribunal, no entanto, a decisão sobre a efetiva existência da repercussão geral; 3) que a exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007 data da publicação da Emenda Regimental n.º 21, de 30 de abril de 2007. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente) e o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 18/6/2007”.Os itens 1 e 3 da ementa deste decisum merecem uma análise mais detida. No concernente ao item 1 deve-se aludir que a posição adotada pelo pleno do Supremo, na esteira do voto condutor proferido pelo Ministro Pertence, relator do acórdão, representa um retrocesso no posicionamento jurisprudencial que vinha sendo adotado pelo próprio Supremo no que diz respeito aos requisitos formais para o conhecimento dos recursos constitucionais de natureza criminal.Faz-se tal afirmação, uma vez que é sabido que a exigência da demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário nada mais é do que mais um requisito formal que antecede a análise meritória do recurso extraordinário, assim como o necessário pré-questionamento da matéria discutida. E foi justamente com relação ao requisito do pré-questionamento da matéria que o Supremo, avançando sua jurisprudência, passou a entender que a ausência deste requisito formal (pré-questionamento) não poderia afastar o conhecimento do extraordinário de índole criminal, justamente em face da possibilidade da concessão de ofício de habeas corpus(1). Este posicionamento da Suprema Corte, além de inovador, compatibilizou a jurisprudência da corte com o texto da magna carta (antropocêntrico), na medida em que passou a flexibilizar um requisito formal para o conhecimento do extraordinário em detrimento da possível correção de um julgado que afronte o texto constitucional. Ainda no tocante a flexibilização dos requisitos formais para o conhecimento dos recursos constitucionais de natureza criminal, o Supremo, através de sua 2.ª turma, no julgamento do HC n.º 87.008 relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, impôs ao Superior Tribunal de Justiça que conhecesse um agravo de instrumento mal instruído pelo agravante (não juntou as peças necessárias para a formação do agravo), ao argumento de que os vícios formais não podem obstaculizar o conhecimento do recurso de natureza criminal, mesmo em sede de agravo, sob pena de violação ao principio da ampla defesa e em virtude da possibilidade da concessão de ofício de habeas corpus(2).Por outro lado, o decidido na questão de ordem acima tratada representa um retrocesso na jurisprudência do Supremo, pois a corte passa a entender ser inviável o conhecimento do recurso extraordinário em todas as situações que não houver a demonstração formal e fundamentada da relevância da questão constitucional discutida na estreitíssima via extraordinária. É dizer, a repercussão geral da matéria até pode existir, porém, se não for demonstrada e fundamentada adequadamente, o extraordinário não comportará conhecimento.No alusivo ao item 3 da ementa do acórdão proferido pelo pleno do Supremo algumas dúvidas persistem. Em um primeiro momento deve-se ponderar que foi interessante a postura adotada pela corte ao procurar estabelecer objetivamente a partir de qual momento deveria ser exigida a demonstração formal e fundamentada da repercussão geral da questão constitucional argüida no extraordinário. Nesta perspectiva, determinou aquele julgado que a petição formal de repercussão geral passaria a ser exigida quando a intimação do acórdão recorrido ocorresse após o dia da publicação da Emenda Regimental n.º 21, o que ocorreu em data de 3/5/2007.Embora seja nítido que o Supremo tenha procurado tratar o tema de forma bastante objetiva, deve-se indagar qual é, na via extraordinária, o acórdão recorrido. Aquele proferido, por exemplo, em sede de apelação, ou aquele proferido em sede de embargos de declaração quando estes forem opostos. Imagine-se o caso em que o acórdão da apelação foi publicado em data anterior ao dia 3/5/2007, sendo que desta decisão foram opostos embargos de declaração, cujo acórdão foi publicado posteriormente àquela data limite. Pergunta-se: neste caso hipotético a demonstração formal e fundamentada da repercussão geral já era exigível?A resposta, salvo melhor juízo, tende a ser negativa. Ora, é sabido que o acórdão proferido em sede de embargos de declaração não possui autonomia, pelo contrário, apenas integra o conteúdo do acórdão principal, sendo considerado como tal aquele proferido em sede de apelação.Aliás, nesse sentido é o magistério dos professores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, que esclarecem que os embargos de declaração possuem o caráter de recurso, “porquanto se trata de meio voluntário de impugnar decisões, utilizando antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar o esclarecimento ou a integração da decisão”(3).Opinião compartilhada por Nery Júnior segundo o qual “os embargos de declaração têm a finalidade de complementar a decisão omissa, ou ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições. Não tem caráter substitutivo da decisão embargada, mas sim integrativo ou aclaratório”(4).Logo, pode-se concluir que o acórdão recorrido na via extraordinária, não é aquele oriundo dos embargos, na medida em que este apenas integra o acórdão principal, devendo ser interpretado como tal aquele proferido em sede de apelação, este sim recorrido extraordinariamente. A propósito, neste senso parece ser a interpretação do próprio Supremo que no julgamento do Agravo de Instrumento nº 662.476, no âmbito da 2.ª turma, em acórdão relatado pelo Ministro Cezar Peluso, firmou o seguinte entendimento: No caso específico, não é obrigatório o traslado da certidão de intimação do acórdão da apelação, uma vez que há, nos autos, certidão de publicação do acórdão dos embargos de declaração, integrativo do aresto recorrido, de modo a permitir aferição da tempestividade do apelo extremo e afastar o óbice da súmula 693(5).O trecho do acórdão acima transcrito é claro no sentido de que o acórdão recorrido na via extraordinária não é o acórdão oriundo dos embargos de declaração, mas sim aquele oriundo do recurso de apelação, razão pela qual o relator frisa que aquele é apenas integrativo deste, nominado no decisum como acórdão recorrido. Parece nítido, portanto, que o acórdão recorrido na via extraordinária não é aquele proferido em sede de embargos, mas sim aquele proferido em grau de apelação, tanto que o próprio Supremo trata o acórdão dos embargos como integrativo do acórdão recorrido, sendo este, nos casos de recurso extraordinário, aquele oriundo do recurso de apelação.Conclui-se que o Supremo deveria, em um primeiro momento, flexibilizar a exigência da petição formal e fundamentada da repercussão geral da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, nos moldes do que vinha decidindo com relação à exigência do pré-questionamento e de outros requisitos formais. De igual forma, pode-se concluir que este requisito formal somente pode ser exigido quando a publicação do acórdão recorrido (entendendo-se como tal o acórdão principal e não aquele proferido em sede de embargos de declaração) ocorrer após a data de 3/5/2007.

Mais três matérias tiveram repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. São os Recursos Extraordinários (REs) 593727, 596286 e 587108 que dizem respeito, respectivamente, às atribuições do Ministério Público em procedimento investigatório, incidência de Imposto de renda sobre resultados financeiros e aproveitamento de créditos em valores de bens e mercadorias em estoque. No primeiro deles (RE 593727), os ministros votaram pela repercussão geral por unanimidade. De relatoria do Ministro Cezar Peluso, o recurso foi interposto contra ato do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, sob alegação de que a realização de procedimento investigatório de natureza penal pelo MP ultrapassa suas atribuições funcionais previstas na Constituição Federal. Por isso, a violação aos artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, III, VIII, e 144, IV, parágrafo 4º, da CF.Em outro recurso (RE 596286), a maioria dos ministros considerou a existência de repercussão geral, vencidos os ministros Carlos Ayres Britto, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Eros Grau, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski. Autora do RE, a empresa White Martins Gases Industriais S/A alega que o artigo 5º, da Lei 9779/99 – que autoriza a cobrança do Imposto de Renda sobre resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge – é incompatível com o artigo 153, inciso III, da Constituição Federal. Isso porque, para a empresa, tais operações são realizadas com o objetivo de evitar perdas e não de gerar renda. Também foi reconhecida repercussão geral no RE 587108, vencidos os ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. O recurso foi interposto contra acórdão que entendeu pela legitimidade do parágrafo 1º do artigo 11 da Lei 10.637/02 e do parágrafo 1º do artigo 12 da Lei 10.833/03.Conforme o RE, ambos os dispositivos “disciplinaram o direito de aproveitamento de créditos calculados com base nos valores dos bens e mercadorias em estoque no momento da transição da sistemática cumulativa para a não cumulativa da contribuição para o PIS e da COFINS, respectivamente”. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, há repercussão porque a solução da questão em exame poderá resultar em relevante impacto tanto no orçamento da Seguridade Social bem como no das pessoas jurídicas que se enquadrem na situação.Contudo, a Corte entendeu ausente o requisito da repercussão geral em outros seis recursos – três recursos extraordinários e três agravos de instrumento – por não haver questão constitucional a ser apreciada pelo Supremo.O RE 588944 questionava ato que condenou o estado de Sergipe a restituir valores descontados da remuneração do funcionalismo público local a título de aplicação do redutor salarial previsto na Lei Complementar estadual nº 61/2001. Já o RE 598365 foi interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que entendeu comprovado que determinado empregado trabalhava em ambiente insalubre sem proteção individual suficiente para neutralizar o agente nocivo.No RE 599903 é discutida a redução do alcance do dispositivo legal questionado para as execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública, nos termos do artigo 730, do Código de Processo Civil.Os Agravos de Instrumento (AI) 742460, 747522 e 729263 também não tiveram repercussão geral reconhecida. O primeiro refere-se à adequada valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, para a fundamentação da fixação da pena-base na sentença condenatória.O segundo (AI 747522) sobre o reconhecimento da atipicidade da conduta de uma suposta usuária de cocaína, na forma de crack, em razão da incidência do princípio da insignificância. E o terceiro (AI 729263) trata de contrato de participação financeira e subscrição de ações de telefonia, com complementação dos títulos acionários.
Na primeira quinzena de junho, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de cinco recursos extraordinários (RE). Dois deles versam sobre temas criminais: no primeiro recurso extraordinário criminal (RE 596152), o tema que foi reconhecido como de relevância jurídica foi a possibilidade de aplicar benefício concedido pela nova Lei de Tóxicos (11.343/06) a condenados durante a vigência da norma anterior (Lei 6.368/76). Neste RE, o Ministério Público Federal questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu ser aplicável a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre pena aplicada com base na Lei 6.368/76. Já o segundo recurso na área penal (RE 597133) discute a legalidade de julgamento realizado por órgãos de tribunais compostos por maioria de juízes convocados, inclusive o relator. Alega-se no recurso que o julgamento realizado por juízes de primeira instância atuando em processos de segunda instância viola o princípio do juiz natural: “Direito Penal. Progressão de regime em crime hediondo cometido antes da Lei nº 11.464/07. Requisito temporal – 1/6 da pena. Existência de repercussão geral. A discussão em torno do requisito temporal para progressão de regime quanto aos crimes hediondos praticados antes da Lei nº 11.464/07 extrapola os interesses subjetivos presentes nestas causas, mostrando-se relevantes para um grande número de apenados no país”. (STF – RE 579.416 – Plenário – rel. Menezes Direito – j. 04.04.2009 – Dje 24.04.2009).

“Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição Federal), interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina de acórdão que não considerou condenações, cujas penas foram extintas há mais de 5 (cinco) anos, como maus antecedentes. Nas razões recursais, o recorrente sustenta que a decisão do Tribunal a quo contrariou o art. 5º, LVII, da Carta Magna. Ao expor a questão à luz do preceito constitucional invocado, argumenta que “resulta evidente que a consideração de outra sentença penal condenatória, ainda que com o trânsito em julgado operado há mais de 5 (cinco) anos, para fins de avaliação dos maus antecedentes do réu, não viola o postulado da ‘presunção de inocência’, posto que, nessas circunstâncias, evidentemente não há a consideração da culpa caracterizadora da condenação a ensejar o reconhecimento da reincidência, mas tão somente a avaliação de uma circunstância que efetivamente diz respeito à vida ante acta do agente e, por essa razão, não poderia passar despercebida na álgebra penal, aí sim em prejuízo ao princípio da igualdade” (fl. 537). O recorrente apresentou a preliminar formal de repercussão geral, conforme exigência do art. 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, acompanhada da devida fundamentação. Entendo que a matéria transcende os interesses subjetivos das partes e possui densidade constitucional, na medida em que a questão discutida no recurso extraordinário implica alteração no critério de fixação da pena-base à luz do princípio da presunção de não-culpabilidade. Ademais, convém destacar que esta Corte não só já se manifestou em algumas oportunidades sobre o tema, como também, recentemente, reconheceu a existência de repercussão geral em matéria semelhante. Refiro-me ao RE 591.054, rel. min. Marco Aurélio, que trata da possibilidade de se considerar processos em curso como maus antecedentes para a fixação da pena-base. Do exposto, entendo que, no caso dos autos, está presente o requisito da repercussão geral a que fazem alusão os arts. 102, § 3º, da Constituição, 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, e 323 do RISTF. Brasília, 05 de fevereiro de 2009. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator.”

Os ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceram a ocorrência de repercussão geral no Recurso Extraordinário 593443, referente à morte de Edison Tsung Chi Hsueh. Calouro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ele foi morto durante um trote universitário. A decisão de que o RE deverá ser julgado pela Corte se deu pela maioria dos votos, por meio do Plenário Virtual, sistema de votação eletrônica. Ficaram vencidos os ministros Eros Grau, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Cezar Peluso. O caso diz respeito a um habeas corpus impetrado em favor de F.C.J.N., A.A.M.N. e outros dois denunciados (G.N.G. e L.E.P.T.) por suposta prática de homicídio qualificado. Em votação majoritária, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal por entender que falta justa causa para o seu prosseguimento, decisão estendida aos corréus. O Ministério Público Federal argumenta que a conduta, supostamente delituosa, foi narrada com clareza, tendo sido descrita com as respectivas circunstâncias, o que afastaria a rejeição da denúncia. Ao admitirem a existência de repercussão geral, os ministros da Corte entenderam que o caso apresenta relevância do ponto de vista jurídico e social, indo além dos interesses das partes porque em jogo a soberania do Júri e as funções institucionais do Ministério Público. Para o MPF, a decisão do STJ de trancar a ação penal, violou a Constituição Federal que confere ao Ministério Público a função institucional de promover privativamente a ação penal pública. O Ministério Público ressalta que o Tribunal de origem substituiu-se ao juiz natural da causa, ou seja, o Tribunal do Júri (competente para julgar crimes dolosos contra a vida), pois examinou de modo profundo elementos de prova. Por fim, argumenta que só é possível o trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, por atipicidade da conduta, flagrante inocência do acusado ou extinção da punibilidade. Outros quatro Recursos Extraordinários (REs 568645, 590415, 593818, 594435) tiveram a repercussão geral reconhecida pelos ministros do STF. Eles tratam de execução de precatório e fracionamento; adesão a plano de demissão voluntária; critério de fixação da pena-base e maus antecedentes; complementação de proventos e de pensões disciplinada por lei estadual e a incidência da contribuição previdenciária.

Decidiu-se, outrossim, que o dispositivo da repercussão geral poderá ser aplicado pelo Plenário da Corte a recursos extraordinários que discutem matérias já pacificadas pelo STF, sem que esses processos tenham de ser distribuídos para um relator. A repercussão geral possibilita que o Supremo deixe de apreciar recursos extraordinários que não tenham maiores implicações para o conjunto da sociedade. É um filtro que permite ao STF julgar somente os recursos que possuam relevância social, econômica, política ou jurídica. Ao mesmo tempo, determina que as demais instâncias judiciárias sigam o entendimento da Suprema Corte nos casos em que foi reconhecida a repercussão geral. Pela decisão de hoje, os recursos extraordinários que versem sobre matérias já julgadas pelo STF serão enviados para a Presidência do STF, que levará a questão ao Plenário antes da distribuição do processo. Caberá aos ministros, no julgamento colegiado, aplicar a jurisprudência da Corte, rediscutir a matéria ou simplesmente determinar o seguimento normal do recurso, caso se identifique que a questão não foi ainda discutida pelo Plenário. Essa última hipótese ocorreu hoje (11) no caso de um Recurso Extraordinário (RE 579431) que discute a incidência de juros em precatório. Diante da controvérsia sobre se decisão anterior do STF se aplicava ou não ao caso em debate no Plenário, os ministros decidiram que o processo será distribuído e já tramitará com a chancela da repercussão geral. Nos casos em que for confirmada a jurisprudência dominante, o STF negará a distribuição ao recurso e a todos os demais que tratarem sobre a mesma matéria. Com isso, os tribunais poderão exercer o chamado juízo de retratação, ou seja, aplicar a decisão do STF, ou considerar prejudicados recursos sobre a matéria, quando o Supremo não reformar a decisão. O objetivo da decisão desta tarde é acelerar o trâmite dos recursos extraordinários e evitar a subida de um outro tipo de recurso ao STF – o agravo de instrumento. O recurso extraordinário é um instrumento jurídico em que se contesta decisão de outros tribunais que, em tese, feriram a Constituição. O agravo de instrumento serve para confrontar decisões de tribunais que impedem o envio de recursos extraordinários ao STF. Esses dois tipos de recurso representam mais de 90% do número de processos distribuídos aos ministros do Supremo. A proposta no sentido de simplificar o trâmite dos recursos extraordinários que versem sobre jurisprudência pacificada da Corte foi feita pela ministra Ellen Gracie ao Plenário do STF em março de 2008, quando ela estava na presidência da Corte. Na ocasião, um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia suspendeu a discussão da proposta. Por dez votos (somado o de Ellen Gracie) a um, os ministros decidiram que essa é a melhor estratégia a ser adotada para lidar com os recursos extraordinários que chegam à Corte contra decisões que não aplicaram entendimento do STF. Somente o ministro Marco Aurélio divergiu. Para ele, todos os recursos devem ser distribuídos normalmente. O ministro Cezar Peluso resumiu da seguinte forma a aplicação da proposta da ministra Ellen Gracie: “Nós temos uma decisão que é contrária à jurisprudência assentada do Tribunal. O recurso [extraordinário] contra essa decisão subiria, seria conhecido e provido. Ora, quando nós aplicamos a proposta, nós vamos ter o mesmo resultado, mais rápido e com menos custo. Não há, a meu ver, com o devido respeito, nenhum risco à segurança jurídica”. Pela decisão desta tarde, também ficou determinado que os tribunais poderão sobrestar os recursos extraordinários interpostos antes da exigência de se formular, no processo, a preliminar formal repercussão geral (3 de maio de 2007), mas que versem sobre tema que o STF já tenha reconhecido a existência de repercussão. Além da questão sobre a aplicação de juros em precatórios, o STF julgou outros dois Recursos Extraordinários (RE 580108 e 582650) em que a jurisprudência pacificada da Corte foi confirmada. Por meio da análise do Recurso Extraordinário 582650, foi inclusive aprovada a sétima súmula vinculante da Corte. Essa decisão foi por maioria. Somente o ministro Marco Aurélio ficou vencido. A Súmula Vinculante nº 7 tem a mesma redação da Súmula nº 648 do STF, que não tem eficácia vinculante. A nova súmula vinculante diz que o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, um dispositivo que já foi revogado e que limitava a taxa de juros reais a 12%, tem sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar. Ou seja, determina que esse dispositivo da Constituição não é auto-aplicável. A partir da data de sua publicação no Diário de Justiça, a nova súmula vinculante passará a ser aplicada a todos os processos que versem sobre essa questão. A edição, bem como o cancelamento e a revisão de súmulas vinculantes dependem da aprovação de, no mínimo, dois terços (8) dos ministros do STF, após pronunciamento do procurador-geral da República. As súmulas têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, garantindo a segurança jurídica e evitando a multiplicação de processos sobre questão idêntica. Os ministros também decidiram preparar uma súmula vinculante que verse sobre o dispositivo constitucional que dispõe sobre a reserva de plenário, matéria tratada no Recurso Extraordinário 580108. A reserva de plenário determina que somente pelo voto da maioria absoluta de seus integrantes os tribunais podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

Nos Recursos Extraordinários em que for reconhecida a existência de repercussão geral, o relator poderá determinar o sobrestamento dos processos que sejam idênticos a outro que esteja com o mérito em análise pela Corte. Essa foi a orientação fixada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de questão de ordem no Recurso Extraordinário 576155, levantada pelo ministro Ricardo Lewandowski. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que reconheceu a ilegitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em matéria tributária. Neste recurso extraordinário, o Supremo já admitiu a repercussão geral, ou seja, entendeu que a matéria tem interesse relevante para a sociedade. Os autos do RE encontram-se na Procuradoria Geral da República.
Por meio de petição, o MPF pleiteou o sobrestamento das causas que envolvam os Termos de Acordo de Regime Especial (Tares) celebrado entre o Distrito Federal e as empresas beneficiárias por redução de débitos fiscais até o julgamento final do recurso pelo STF, pois entende que configura uma questão prejudicial. O Ministro Ricardo Lewandowski, relator, citou doutrina que diz respeito à prejudicialidade das questões. Também trouxe um precedente da Corte (RE 556644) no qual, em questão de ordem, se admitiu o sobrestamento dos processos. Lewandowski justificou a apresentação da questão de ordem, tendo em vista que no julgamento deste precedente, o ministro Cezar Peluso considerou a possibilidade de que os próprios ministros pudessem determinar o sobrestamento, sem levar o processo a julgamento do Plenário.Para o relator, a interpretação do artigo 328 do Regimento Interno do STF confirma que isso seria possível. “A primeira leitura do artigo 328 do Regimento aparenta indicar que o relator, de ofício, poderia monocraticamente fazê-lo”, disse. “São 700 feitos que estão tramitando nas instâncias inferiores, em outros, tribunais e eu achei importante trazer essa questão ao Plenário”, afirmou.Dessa forma, em razão da relevância do tema, o ministro submeteu a questão de ordem ao Plenário a fim de que fosse resolvida no sentido de sobrestar as causas relativas ao termo de acordo de regime especial em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no TJDFT até a resolução da matéria pelo Supremo. Ricardo Lewandowski foi acompanhado pela maioria dos ministros. O ministro Menezes Direito frisou que o sobrestamento das ações subordinadas à repercussão geral já está sendo feito monocraticamente. “Alguns, quando são processos novos, manda-se devolver ao tribunal de origem, e aos antigos, manda-se sobrestar na secretaria monocraticamente”, ressaltou, ao acompanhar o relator. Abriu divergência, o ministro Marco Aurélio. “Eu creio que não temos o poder de simplesmente dizer que essas partes que estão litigando na origem sem serem ouvidas ficarão com os processos dos quais participam sobrestados, não dando o Estado a seqüência que é própria à garantia de acesso ao Judiciário”, afirmou. Segundo ele, o caso contraria a garantia constitucional do acesso ao Judiciário ao suspender a jurisdição na origem, “apanhando, sem exame caso a caso, inúmeros processos”.

Outro trabalho doutrinário interessante e esclarecedor (“Recurso Extraordinário: a repercussão geral na prática”), foi o de Sandra Cristina Denardi:

“A Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006 incluiu entre os pressupostos de admissibilidade do Recurso Extraordinário, o requisito obrigatório da repercussão geral, conforme teor do art. 543-A, do Código de Processo Civil. A nova regra, segundo o artigo 4º da Lei, aplica-se aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência – os quais passam a ser julgados tendo como prioridade sua relevância pública, e não a ordem de chegada no Supremo. Entretanto, surge o direito de interposição do recurso de acordo com as regras processuais vigentes naquele momento. O artigo 4º, portanto, fere a garantia constitucional da irretroatividade. Assim, as partes cujos prazos iniciaram anteriormente à vigência da Lei, e os Recursos Extraordinários posteriores àquela data, podem pleitear a aplicação da regra anterior. Para ser admitido, o Recurso Extraordinário deve atender, além dos pressupostos de admissibilidade anteriormente exigidos, 1) cabimento, 2) legitimidade recursal, 3) interesse recursal, 4) regularidade formal, 5) tempestividade, 6) preparo, 7) inexistência de fato que anule o direito de recorrer e 8) enfrentamento da questão constitucional na decisão recorrida. A arguição de repercussão geral deverá constar, expressa e preliminarmente, em tópico próprio. Torna-se necessária, portanto, a demonstração de que a questão posta nos autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e que esta discussão ultrapassa os limites dos interesses das partes, atingindo o interesse público. Em contrapartida, aquelas causas em que estiver em jogo exclusivamente o interesse das partes não mais serão decididas pelo STF, devendo ser acatado o resultado determinado pelos Tribunais Estaduais ou pelo Superior Tribunal de Justiça. Será reconhecida a existência da repercussão geral quando o recurso atacar acórdão ou decisão que não tenha observado a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal. Ou cujo teor seja contrário à Súmula da Corte Suprema, de modo a adequar a decisão ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. Distribuído o recurso, o relator realiza o exame de sua admissibilidade e verifica a presença da totalidade dos requisitos, podendo não admiti-lo pela ausência de qualquer outro pressuposto distinto da repercussão geral. Ultrapassada esta fase, o Ministro relator elabora manifestação sobre a existência ou não da repercussão geral e a submeterá aos demais Ministros da Turma. Mas algumas advertências merecem ser destacadas. O artigo 543-A, § 6º, do Código de Processo Civil, por exemplo, abre a possibilidade de admissão de manifestação de terceiros na análise da repercussão geral, desde que subscrita por procurador habilitado. Esta possibilidade é válida nas situações em que existem vários recursos com a mesma controvérsia e alguns deles são preteridos por amostragem. Outro ponto controverso diz respeito à troca de manifestações sobre a existência ou não da repercussão geral, entre os Ministros, por meio eletrônico. Está posto na Constituição Federal (clique aqui), art. 102, § 3º, que o STF somente poderá recusar o recurso extraordinário mediante manifestação de 2/3 de seus membros. Mas a Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, abriu a possibilidade de a Turma decidir sobre a existência de repercussão geral, desde que haja no mínimo 4 (quatro) votos favoráveis, situação em que os autos não serão remetidos ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. Pronunciada a ausência da repercussão geral pelo Plenário, o recurso não será conhecido, a súmula da decisão constará de ata, será
publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. O efeito do não reconhecimento se aplicará a todos os demais recursos com a mesma controvérsia e que ficaram no Tribunal de origem. Com a publicação no Diário Oficial do acórdão relativo à inexistência de repercussão geral, caberá ao Tribunal de origem: 1) noticiar nos autos de todos osprocessos que ficaram sobrestados o resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal via juntada do acórdão, e 2) julgar cada um dos processos automaticamente não admitidos. Por outro lado, reconhecida a existência da repercussão geral, os recursos que ficaram sobrestados serão apreciados pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, de acordo com a orientação do STF. Esta sistemática certamente irá propiciar a contenção do fluxo de processos de escassa ou nenhuma relevância social, jurídica ou econômica, funcionando como sistema seletivo das causas, dinamizando a atuação e preservando a missão institucional dos órgãos superiores.”

Voltando ao Supremo Tribunal Federal, a Corte, por votação unânime, acompanhando o entendimento do então Ministro Sepúlveda Pertence, referendou questão de ordem trazida ao Plenário pela aplicação da exigência da repercussão geral de questões constitucionais às causas em geral, inclusive às criminais, somente a partir do dia 3 maio de 2007, data em que entrou em vigor a Emenda Regimental nº 21.O Ministro era o relator do Agravo de Instrumento (AI) 664567, interposto pela defesa de Orlando Duarte Alves, contra decisão que não admitiu Recurso Extraordinário em matéria criminal, sob o fundamento de que não foi atendido o artigo 543-A do Código de Processo Civil (CPC), pois o agravante deixou de trazer preliminar formal e fundamentada, na petição do recurso extraordinário, sobre a relevância da tese discutida no recurso. Este é um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário), que tem por objetivo permitir que o STF julgue somente os recursos cuja análise ultrapasse os interesses individuais das partes, priorizando assim, as causas de maior relevância, que tenham repercussão geral na sociedade. No AI, o agravante ponderou que a decisão que negou seguimento ao RE deveria ser anulada, pois não poderia “se admitir que o julgador de primeiro grau, relator do acórdão do recurso de apelação, seja competente para fazer o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário interposto contra o acórdão que o mesmo julgador havia relatado”. Assim, a defesa de Orlando Duarte pediu o conhecimento e provimento do RE, para cassar o acórdão que teria violado os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e proporcionalidade.O ministro submeteu questão de ordem ao Plenário do STF quanto à aplicação da exigência do requisito constitucional da “repercussão geral” em Recurso Extraordinário, em matéria criminal, pois a Lei 11.418/06 teria se limitado a alterar o texto do Código de Processo Civil (CPC). Outro questionamento do ministro é se a decisão agravada poderia ter exigido que na petição do RE houvesse demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais suscitadas.Para Sepúlveda Pertence, a alegação de incompetência da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não procede, pois é requisito formal do RE o ônus do recorrente, que se não atendido, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, cuja apreciação é exclusiva do STF, conforme o artigo 543-A, parágrafo 2º , do Código de Processo Civil. Para o relator o equívoco da decisão está, isto sim, “em exigir, antes das normas regimentais serem implementadas pelo STF, que o recorrente buscasse demonstrar na petição do RE a exigência da repercussão geral”. A determinação de aplicação da lei aos RE interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência, não significa sua plena execução, ficando a cargo da Corte a incumbência de estabelecer em seu Regimento Interno as normas necessárias à execução da referida lei (artigo 3º, da Lei 11.418/06).A regulamentação da lei, no Regimento Interno do STF (Emenda Regimental 21), somente entrou em vigor no dia 3 de maio de 2007, data posterior à interposição do RE, no dia 12 de abril de 2007, a que se refere o agravo. Assim, de acordo com o ministro, o STF somente irá analisar a existência de repercussão geral das questões constitucionais suscitadas nos REs a partir da vigência das normas regimentais necessárias à execução da Lei 11.418. Portanto, “seria ilógico exigir que os RE interpostos antes da vigência dessas normas regimentais contenham a preliminar em que o recorrente deverá demonstrar a existência da repercussão geral”.Desta forma, o ministro Sepúlveda Pertence declarou seu voto para resolver a questão de ordem, “pela aplicação em tese da exigência da repercussão geral das questões constitucionais às causas em geral, aí incluídas as criminais, a partir do dia 3 maio de 2007, data em que entrou em vigor a Emenda Regimental nº 21”. No entanto, a princípio, o ministro disse não admitir o RE pela inexistência de ofensa direta à Constituição, mas devido à natureza recente de casos como esse, admitia o RE. Essa decisão do ministro também foi acompanhada por unanimidade.Por sugestão do ministro Cezar Peluso, o Plenário indicou a necessidade da presidência do STF baixar um ato formal regulamentando a subida dos Recursos Extraordinários à Corte e permitir a exigibilidade de indicação de repercussão geral, a partir da data de 3 de maio do corrente ano. Peluso reputou a questão como fundamental e de especial relevância para o mundo jurídico, motivo pelo qual a Corte deve deixar muito clara esse posicionamento.A decisão final acrescentou que a exigência da preliminar forma e fundamentada sobre a repercussão geral vale para os Recursos Extraordinários contra decisões cuja intimação tenha ocorrido a partir da data de publicação da Emenda Regimental nº 21, qual seja, 3 de maio de 2007. Fonte: STF.
Criticando duramente a exigência da repercussão geral, Sérgio Corazza, escreveu o seguinte artigo: “Contribuição ao Retrocesso”:

“Vejo que a solução do problema da desobstrução das pautas do judiciário não está na criação de óbices aos recursos, o que seria, em outras palavras, um agravamento do formalismo já existente. Não aprendemos nada com a história? Estaremos, em pleno século XXI, retrocedendo no tempo e semeando a chaga na ciência processual civil? Interessante tecer os ensinamentos do Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em uma perfunctória abreviação de parte de seu estudo, onde elenca o desenvolvimento histórico do formalismo, composto por:a) formalismo de caráter simbólico e religioso; b) informalismo decorrente de insuficiência técnica e de falta de consciência da sociedade civil em face do poder; c) formalismo exagerado baseado em fatores objetivos, tal como a corrupção dos juízes, e nos valores culturais repressivos da Idade Média; d) progressiva humanização do processo, lenta aproximação do juiz à realização da prova e ao contato direto com as partes, com gradual aumento de seus poderes; e) derrocada do formalismo excessivo, aumento dos poderes do juiz, sem esquecer os das partes, em busca de permanente diálogo e colaboração, eliminação do primado da forma, maior atenção aos fins sociais e políticos do processo.Ao nos distanciarmos da finalidade precípua do processo, qual seja, a consecução da paz social através da realização do direito objeto, inserindo cada vez mais formas em sentido estrito para obstar o acesso do cidadão à justiça e a conseqüente prestação jurisdicional, estaremos retroagindo ao tempo em que o direito era uma ciência inacessível e permeada de formalidades desnecessárias e perniciosas.Ao pensar em reformas inerentes ao processo civil, devemos repensar o instituto como um todo. Tecer considerações, considerando estar o processo civil ligado estritamente à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Pensá-lo como um instituto permeado de valores constitucionais, correlacionando-o com a realidade política, social e econômica da época, sob pena de acabarmos retroagindo essa ciência jurídica tão presente e importante para a consecução do direito. Tal posição é filiada à visão do processo civil que possui o jurista Horácio Wanderley Rodrigues, que argumenta:É preciso que o sistema processual seja visto não somente como um instrumento de solução de conflitos intersubjetivos (aspecto inegavelmente importante) ou mesmo difusos, coletivos ou individuais homogêneos, mas também e fundamentalmente como instrumento político de realização da justiça social, escopo maior do estado contemporâneo.Acredito, assim, que a reforma pretendida não é válida. A exacerbação do formalismo pernicioso no sentido de afastar o processo do seu fim absoluto parece-me um retrocesso. Barrar o acesso do cidadão aos tribunais da cúpula, caso a questão posta não possua uma “repercussão geral”, apresenta-se mais como uma reforma política, do que como uma reforma jurídica. Quanto às afirmações dos defensores da inclusão do requisito da “repercussão geral” na admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, no sentido de ser esta uma contribuição à reforma do judiciário, pondero que não. Ainda, ao afirmarem que não existe solução ótima para os problemas do judiciário, ou seja, de que, ao melhorarmos um aspecto do judiciário, estaremos, necessariamente, piorando outro aspecto, tampouco procede. Entendo ser esta uma afirmação, bem como, uma atitude política preguiçosa e antijurídica que originará uma estagnação na ciência jurídica ou, até mesmo, um temido retrocesso.Estamos vivendo uma época em que se faz presente o fenômeno da jurisdicionalização; na qual, todos os problemas, que, antes, sequer cogitava-se serem apreciados pelo judiciário, hoje deságuam de forma desenfreada no mesmo. O judiciário tornou-se uma espécie de salvaguarda dos demais poderes. Este, sim, parece um problema a ser combatido, por ser ele a origem do grande número de processos que aportam em nossos tribunais. Como bem asseverado pelo renomado processualista argentino, Professor Raul Rojo:La justicia se define cotidianamente como la instancia moral by default de nuestros días, en tanto el derecho aparece como la última moral compartida. La larga historia de la justicia es la de su intromisión em relaciones cada vez más íntimas, algunas de las cuales – como las relaciones familiares (cuando no amorosas), políticas, comerciales o terapéuticas – ya no escapan a su jurisdicción.O problema do contingente processual, que abarba o judiciário, nos dias de hoje, é algo mais profundo e grave. Deve-se considerar a realidade social e política em que nos encontramos, não sendo, assim, a inclusão de mais uma técnica de filtragem dos recursos excepcionais uma solução, mas sim, uma contribuição ao retrocesso a tempos em que imperava um formalismo nefasto na ciência jurídica.Prefiro ver esta problemática sob um outro prisma. Entendo que o problema da elevada quantidade de processos, que assoberba o judiciário e ocasiona uma queda na qualidade da prestação jurisdicional, não seja algo tão simples de solucionar. O contingente processual é um problema decorrente de conflitos sociais que são originados diariamente, os quais são reflexos da crise política e social moderna. Deve-se atacar o problema na sua axiológica, não visando dirimir seus reflexos. Seria o mesmo que tentar acobertar a crise moderna evitando que seus reflexos desaguassem nos tribunais da cúpula.Sobre essa problemática, bem identificou Rui Portanova:As pedras no caminho da celeridade são o acúmulo de serviço (originário dos muitos conflitos sociais que aportam ao Judiciário) e o pequeno número de juízes. O Estado é tímido em promover a melhor distribuição da riqueza nacional com vistas a diminuir os conflitos sociais. Já o Judiciário é tímido em promover a criação de cargos de juízes em proporcionalidade razoável ao número de feitos que acorrem à Justiça. Enquanto não diminuírem os conflitos sociais ou aumentarem os juízes, sempre haverá sobrecarga de trabalho e justificativas para a morosidade do Poder Judiciário.A questão tormentosa que ora se discute, não pode ser analisada abstraindo-se a realidade. O Estado tem o dever de repensar suas atitudes, no sentido de realizar investimentos com a finalidade de combater os conflitos sociais. O problema deve ser combatido em seu nascedouro através de uma ação conjunta dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais, por mais que sejam independentes entre si, são, também, harmônicos. O problema da elevada quantidade de processos não é exclusivo do Poder Judiciário. O problema é de todos.Obviamente, as reformas processuais são válidas na medida em que visem reforçar as garantias dos cidadãos. Ao contrário, as reformas processuais que possuem o caráter de semear formalidades no ordenamento jurídico devem ser execradas, na medida em que seu fundo de plano seja, tão-somente, uma questão institucional e política.Impende sinalar a importante visão de Alvaro de Oliveira sobre a exacerbação do formalismo no ordenamento jurídico brasileiro:Como se verifica, o excesso de formalismo no contexto do direito brasileiro decorre, em princípio, mais da cegueira do aplicador da lei ou dos demais operadores coadjuvantes – desatentos aos valores do processo, pouco afeitos ao manejo das possibilidades reparadoras contidas no ordenamento ou ansiosos para facilitar o seu trabalho – do que do próprio sistema normativo. Nesse aspecto, influi também a excessiva valorização do rito, com afastamento completo ou parcial da substância, conduzindo à ruptura com o sentimento de justiça.Desse modo, a simples majoração das formalidades no sentido de criar óbices à admissibilidade dos recursos excepcionais parece mais uma contribuição ao retrocesso do que à evolução do Poder Judiciário como um todo. Permear o sistema de requisitos e pressupostos, no sentido de afastar o processo de sua teleologia, qual seja, a pacificação social com o alcance da visada justiça, não parece uma solução razoável. Muito menos, uma breve contribuição às tantas reformas pretendidas para solucionar esse grande problema; o qual, certamente, não pode ser ignorado, nem pode, tampouco, ser repensado de maneira canhestra.”

Carlos Eduardo Sanchez (em artigo extraído do site http://www.migalhas.com.br do dia 02 de maio de 2005: “Repercussão Geral (ou Argüição de Relevância) – Novo Requisito para Cabimento dos Recursos Extraordinários”, afirmou:

“A emenda constitucional nº 45 de 2004, a qual tratou da reforma do Poder Judiciário, dentre outras inovações, foi responsável pela introdução no ordenamento jurídico pátrio de mais um requisito de admissibilidade para o conhecimento do Recurso Extraordinário. Com efeito, referido diploma constitucional acrescentou ao artigo 102 da Constituição Federal o parágrafo 3º, cujo teor é o seguinte: “3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.” Assim, além dos demais requisitos de admissibilidade que já permeiam o processamento do Recurso Extremo, mais este deverá ser observado pela parte recorrente, a fim de que tenha o seu recurso admitido e efetivamente julgado em seu mérito. Embora o texto legal não mencione este termo, alguns doutrinadores já têm emprestado a este novo requisito o nome de “argüição de relevância”, pois à parte caberá argüir à Excelsa Corte a existência de motivos que ensejem a repercussão geral do tema debatido no determinado recurso interposto. A princípio não nos parece ser um tema de difícil compreensão ou análise, mas após uma leitura mais atenta do texto legal em questão, passamos a encontrar alguns elementos que poderão ensejar grande divergência. O primeiro deles diz respeito ao tipo de norma que fora introduzida no ordenamento por este parágrafo, mais precisamente à modalidade de eficácia que deverá lhe ser emprestada, haja vista a existência da expressão “nos termos da lei”. Extrai-se, portanto, daí a dúvida se estaríamos diante de uma norma de eficácia plena ou limitada. À primeira vista parece se tratar de norma de eficácia limitada, pois a expressão acima transcrita nos remete ao entendimento de que tal dispositivo dependerá de uma lei infraconstitucional para regulamentá-lo, ficando, assim, sem aplicação, até que esta seja editada. Por outro lado, esta compreensão não se afigura tão clara assim, na medida em que podemos entender que tal expressão diz respeito, na verdade, à maneira em que o recurso extraordinário deverá ser proposto e de que forma este requisito deverá ser apresentado (por exemplo, na forma escrita no próprio corpo das razões do recurso). Neste caso, poderíamos concluir que a pretensão do legislador constituinte foi apenas a de ratificar a assertiva de que o recurso extraordinário (incluindo aí a demonstração deste novo requisito) deverá continuar a ser proposto nos termos da lei processual vigente, no caso, o próprio Código de Processo Civil. Para este segundo entendimento, portanto, a norma constitucional em debate teria eficácia plena, surtindo efeitos desde sua publicação. Outra questão que ensejará, sem dúvida alguma, bastante discussão diz respeito à exata compreensão e significação do termo “repercussão geral”. Trata-se aqui de cláusula geral, cuja compreensão dependerá, necessariamente, da interpretação a ser realizada pelos julgadores ao longo do tempo, mais precisamente pelos Ministros do STF. Entretanto, enquanto aguardamos uma definição da jurisprudência atual acerca da questão, podemos nos emprestar de conceitos e interpretações surgidas outrora em nossa seara jurídica, mais precisamente ao tempo em que vigia em nosso ordenamento instituto semelhante ao ora analisado. A Constituição Federal de 1967, objeto de reforma em 1969, atribuía ao Supremo Tribunal Federal a competência para estabelecer regras complementares atinentes à admissão do Recurso Extraordinário, para certos casos. Destarte, para as hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário mencionadas nas alíneas “a” (“contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal”) e “d” (“der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro tribunal o próprio STF”), constantes do artigo 119 da Carta Magna acima mencionada, o STF introduziu em seu regimento interno a exigência de que a questão fosse relevante em relação ao ordenamento jurídico vigente. Ou seja, a cabimento do Recurso Extraordinário fundado nas alíneas “a” e “d” daquele permissivo constitucional, passou a depender, portanto, do preenchimento de mais um requisito, qual seja, o da relevância jurídica da questão enfrentada. A partir daí, a doutrina deu início a uma análise acurada acerca do conceito de relevância em suas bases jurídicas, pois passou a depender do atendimento de tal exigência o conhecimento de uma grande parte dos Recursos Extraordinários interpostos à época. E é, fundamentalmente, deste material doutrinário, que poderão ser extraídas as bases para a definição da relevância re-introduzida no ordenamento positivo pela emenda constitucional de nº 45. O próprio Regimento Interno do STF vigente à época foi o primeiro a conceituar a relevância jurídica em debate, assim descrito em seu artigo 327, § 1º: “Entende-se relevante a questão federal que, pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigirá a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal”. Doreste Baptista, aperfeiçoando o conceito, assim obtemperou acerca do tema: “será relevante a questão federal quando o interesse no seu desate seja maior fora da causa do que, propriamente, dentro dela.” 1 Para arrematar a questão, cumpre trazer à baila a definição esposada por Barbosa Moreira, para o qual: “Afere-se a relevância da questão à luz de sua significação para o público em geral, não apenas para as partes: daí a importância do número de processos pendentes em cuja decisão ela haja de influir, ou de processos futuros em que tenha probabilidade de reproduzir-se.” 2 Portanto, embora outras noções de relevância devam surgir no decorrer do amadurecimento desta inovação trazida pela reforma constitucional, as bases deixadas pela doutrina anterior, com toda a certeza, servirão de lastro para a interpretação do texto normativo pelo STF. A Justiça do Trabalho já utiliza um sistema de filtro parecido com a repercussão geral para os seus Recursos de Revista, que tratam da “transcendência” contida, como requisito de admissibilidade, no art. 896-A da CLT, o que denota que o instituto não é tão inovador quanto possa parecer. Este artigo, que pode ser utilizado para o preenchimento do conceito vago “repercussão geral” traz em si algumas linhas que podem ser manejadas para sua compreensão, em especial ao se referir aos “reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica”. Por fim, cumpre abordar a questão relativa ao quorum mínimo necessário para a inadmissão do Recurso Extraordinário, com base na ausência do requisito da relevância jurídica. Com efeito, o texto Constitucional afirma que o Recurso Extraordinário só poderá ser recusado, em razão do não atendimento deste requisito, mediante a manifestação de dois terços dos membros do STF. Ocorre que, a exigência de um quorum qualificado para este mister, poderá implicar na inviabilidade de tal exigência, já que os Recursos Extraordinários, em regra, são julgados por, no máximo, cinco Ministros, quando não o são unicamente pelo Relator, que tem o condão de julgar o recurso por decisão monocrática, quando for o caso. A necessidade de aferição de mais este requisito trazido pela novel legislação, e a exigência de um quorum mínimo de dois terços para sua apreciação, poderá trazer ainda mais trabalho para os ministros do STF, que passarão a remeter as questões à apreciação do Pleno, sempre que for o caso de recusa do recurso por este motivo. Neste momento, se entender a Turma Julgadora ou o Ministro Relator que seja o caso de apreciação do mérito, ou seja, que a matéria suscitada enquadra-se no conceito de relevância exigido pela Constituição, passará à apreciação do mérito da causa, já que o texto constitucional exige o quorum mínimo de dois terços apenas nos casos de recusa por este motivo e não nas hipóteses admissão, a qual poderá ser feita pela própria turma ou mesmo por decisão monocrática. Todavia, se entender a Turma ou o Ministro relator que seja o caso de recusar o Recurso em razão da ausência deste novo requisito, então, deverá, necessariamente, encaminhar, ex oficio, o recurso à apreciação do Plenário da Excelsa Corte, a fim de que, pelo menos dois terços dos Ministros acompanhem o entendimento anterior. A repercussão geral parece possuir mais contornos políticos do que jurídicos, uma vez que a sua verificação deverá ser permeada por questões que transcendam a própria questão discutida no processo, possuindo interesse geral e institucional, o que reavivará a função primeira do Supremo Tribunal Federal de mantenedor da eficácia e uniformidade de interpretação do direito objetivo. Inobstante as questões levantadas aqui, que provavelmente gerarão muita polêmica no âmbito do Judiciário, a inovação constitucional em questão afigura-se como mais um instrumento para a recusa dos recursos por parte do Supremo Tribunal Federal. E o que é pior: deixará exclusivamente à cargo da subjetividade de onze julgadores que compõe o STF a atribuição e o poder de aceitar ou não um recurso, com base numa interpretação pessoal que farão do vago conceito de relevância jurídica.”

Mas, vejamos alguns julgados a respeito da matéria. O Supremo Tribunal Federal negou recurso interposto pelo Estado da Paraíba sobre a tramitação de recurso extraordinário no caso de tema sem repercussão geral. Os ministros, por maioria, negaram provimento ao agravo regimental contra decisão do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que não conheceu (julgou inviável) do Recurso Extraordinário (ARE) com Agravo 761661.Na origem, a Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) entendeu incabível recurso extraordinário, por tratar de matéria sem repercussão geral. O tema de fundo é o direito de servidores a diferença de remuneração em virtude de desvio de função. Visando reverter tal situação, o estado interpôs agravo ao STF com base no artigo 544 do Código de Processo Civil, mas o recurso foi julgado incabível pela Presidência do Supremo.Ao levar o agravo regimental para apreciação do Plenário, ministro Joaquim Barbosa explicou que, no caso, o tribunal de origem não examinou a admissibilidade do recurso, mas apenas o considerou prejudicado, com base nas regras previstas pelo regime da repercussão geral. “O tribunal procede à simples aplicação do entendimento firmado por essa Corte aos recursos lá sobrestados. Não havendo juízo de admissibilidade, não se abre a via do agravo”, afirmou.A via recursal adequada para questionar o juízo proferido pela presidência do TJ-PB seria o agravo interno ao órgão colegiado do próprio tribunal de origem. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, esse entendimento foi firmado pelo STF no julgamento na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento (AI) 760358, em 2009. Por isso, indeferiu também o pedido do Estado da Paraíba para converter o ARE em agravo interno na origem, uma vez já decorrido longo tempo desde a fixação do entendimento do STF sobre o tema.Em votação por meio do sistema de Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concluíram, por unanimidade, pela existência de repercussão geral em duas matérias penais. As questões constitucionais estão relacionadas a temas sobre constitucionalidade da extensão do indulto à medida de segurança e incompatibilidade da suspensão dos direitos políticos nos casos em que ocorra a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.Um dos assuntos está em discussão no Recurso Extraordinário (RE) 601182 interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e diz respeito à impossibilidade de suspensão dos direitos políticos quando ocorre a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Em análise de uma apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) entendeu não ser aplicável a suspensão de direitos políticos, prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, tendo em vista a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Considerou que não há qualquer incompatibilidade em relação ao pleno exercício dos seus direitos políticos, “cuja relevante importância só permite o tolhimento em situações que materialmente os inviabilizem”. Por isso, com base nos princípios da isonomia, da dignidade da pessoa e da individualização da pena, concluiu pela manutenção dos direitos políticos do apenado.Relator do processo, o ministro Marco Aurélio admitiu a existência de repercussão geral e teve seu voto seguido por unanimidade. Segundo ele, o STF deve definir, de forma linear em todo o território nacional, o alcance do inciso III, do artigo 15, da Constituição, que estabelece a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os respectivos efeitos. “A conclusão extrapolaria os limites subjetivos do processo, irradiando-se para um incontável número de casos”, afirma o ministro.

O Ministro Marco Aurélio também relatou recurso (RE 628658) no qual foi debatida a legitimidade da extensão do indulto aos internados em cumprimento de medida de segurança, nos termos do artigo 1º, inciso VIII, do Decreto nº 6706/98. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) assentou não haver restrição constitucional à concessão de indulto pelo presidente da República aos submetidos a tal medida, “já que esta é espécie de sanção penal e, por conseguinte, fica sujeita ao limite temporal de cumprimento do artigo 75, do Código Penal”.De acordo com o MP-RS, o indulto – ato administrativo discricionário – é incompatível com a medida, “porquanto esta se ampara na existência de patologia que torna o agente perigoso ao convívio social, cuja aferição somente se viabiliza por meio de análise técnica, descabendo, no caso, mera deliberação administrativa”.Para o ministro Marco Aurélio, a questão merece o crivo do Supremo quanto à competência privativa do presidente da República prevista no artigo 84, inciso XII, da Constituição, tendo em vista que a situação jurídica é passível de ser repetida no território nacional. Assim, o relator admitiu a existência de repercussão geral, tendo sido acompanhado por unanimidade dos votos.

Igualmente o cometimento de falta grave por um apenado obriga a alteração da data-base para a concessão de benefícios na execução da pena e leva à perda dos dias remidos? Este é mais um tema que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) e deve ter a última palavra dada pela Corte máxima da Justiça brasileira.O Recurso Extraordinário (RE) 638239 foi proposto à Corte pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que, ao analisar um processo, assentou que o simples cometimento de falta grave não enseja a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios na execução da pena.A corte estadual disse ainda que a falta grave não afeta o reconhecimento dos dias efetivamente trabalhados pelo apenado como dias de pena privativa de liberdade cumpridos, “pouco importando se já foram declarados remidos pelo Juízo da execução ou se existentes apenas de fato”.Para o MP, essa decisão afrontaria o disposto na Súmula Vinculante nº 9, do STF, que reconhece a recepção do artigo 127 da Lei de Execuções Penais (LEP – Lei 7210/84) pela Constituição de 1988, e contraria a pacífica orientação da Corte no sentido de que não existe direito adquirido à remição de pena ou coisa julgada na decisão que reconhece o benefício.Ao reconhecer a existência de repercussão geral na matéria, o relator do caso, ministro Luiz Fux, lembrou que a recente lei 12.433/2011, posterior à Súmula Vinculante nº 9, modificou o artigo 127 da LEP, para declarar que “em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até um terço do tempo remido, observando o disposto no artigo 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”.Com esse argumento, o ministro disse entender que a Corte precisa deliberar a respeito da retroatividade da nova lei e, se for o caso, sobre a revisão ou cancelamento da Súmula Vinculante nº 9.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu, por meio do Plenário Virtual, a existência de repercussão geral na questão em debate no recurso sobre a constitucionalidade de dispositivo da Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006), o qual tipifica como crime o uso de drogas para consumo próprio. A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 635659, à luz do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada.No recurso de relatoria do ministro Gilmar Mendes, a Defensoria Pública de São Paulo questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo pessoal. Para a requerente, o dispositivo contraria o princípio da intimidade e vida privada, pois a conduta de portar drogas para uso próprio não implica lesividade, princípio básico do direito penal, uma vez que não causa lesão a bens jurídicos alheios.A Defensoria Pública argumenta que “o porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’ (objeto jurídico do delito de tráfico de drogas), mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”. No RE, a requerente questiona acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que, com base nessa legislação, manteve a condenação de um usuário à pena de dois meses de prestação de serviços à comunidade.Ao manifestar-se pela repercussão geral da matéria discutida no recurso, o ministro Gilmar Mendes destacou a relevância social e jurídica do tema. “Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria”, frisou. A decisão do STF proveniente da análise desse recurso deverá ser aplicada posteriormente, após o julgamento de mérito, pelas outras instâncias do Poder Judiciário, em casos idênticos.

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no tema tratado no Recurso Extraordinário (RE 706103) que discute a possibilidade ou não de promulgação, pelo chefe do Poder Executivo, de parte de projeto de lei que não foi vetada antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto. A matéria teve repercussão geral reconhecida por meio de votação no Plenário Virtual da Corte.O recurso extraordinário foi interposto pelo prefeito de Lagoa Santa, em Minas Gerais, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiç a do Estado (TJ-MG) que julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Mesa Diretora da Câmara Municipal contra a Lei municipal 2.691/2007. No processo, a Mesa Diretora alegou que a norma conteria vício “por violação do processo legislativo previsto na Constituição Estadual”.O TJ-MG afirmou que o chefe do Poder Executivo municipal não poderia promulgar e publicar somente a parte do texto legal que não sofrera veto, pois este acabou sendo derrubado pela Câmara Municipal, restaurando-se os dispositivos negados pelo prefeito. A corte estadual entendeu que houve “inovação do processo legislativo”, pois, após a rejeição do veto, a lei municipal contestada deveria ter sido publicada na íntegra.Nas razões do recurso extraordinário, o prefeito alega a violação do artigo 66, parágrafos 2º, 5º e 7º, e do artigo 125, parágrafo 2º, da Constituição Federal (CF), e defende a possibilidade de a lei “viger somente com a parte incontroversa, consoante a permissão constitucional do veto parcial”. Sustenta ainda que, conforme previsão da CF, poderia a própria Câmara Municipal, pelo seu presidente ou vice-presidente, promulgar a parte controversa, após a derrubada do veto. Por fim, ressalta que “não há prazo para essa promulgação e que, por esse motivo, está inacabado o processo legislativo”.O relator do caso no STF, ministro Luiz Fux, manifestou-se pela existência de repercussão geral da questão por acreditar que esta “é relevante do ponto de vista político e jurídico, pois alcança todo o ordenamento jurídico, uma vez que os estados e municípios devem obedecer às mesmas regras dos processos legislativos do âmbito federal”.Ele chegou a se manifestar no sentido de confirmar jurisprudência do Supremo que, ao analisar matéria idêntica, entendeu pela possibilidade de o texto não vetado do projeto de lei ser sancionado e promulgado imediatamente pelo chefe do Poder Exec utivo. Em relação à parte do projeto de lei que tenha o veto recusado, a Corte determinou que ela deve ser promulgada e publicada para fins de conclusão do processo legislativo. Por essa jurisprudência, a entrada em vigor do texto do projeto de lei que teve o veto afastado ocorre no dia em que passa a integrar a norma.A votação no Plenário Virtual, no entanto, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento de mérito no colegiado do STF, uma vez que o RE teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF.

Com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, matéria que será analisada no Recurso Extraordinário (RE) 641320 discute possibilidade de autorização do cumprimento de pena em regime carcerário menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal. O RE foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho. O relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, manifestou-se pelo reconhecimento de repercussão geral da questão constitucional. “No caso, a controvérsia cinge-se a determinar se os preceitos constitucionais invocados autorizam o cumprimento de pena em regime carcerário menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal”, lembrou. Para ele, a discussão a lcança grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Mendes verificou que na jurisprudência do STF há posicionamentos divergentes sobre o assunto, como é o caso do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 82329, Reclamação (Rcl) 1950 e dos Habeas Corpus 94810 e 94526. “Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria constitucional”, ressaltou o Ministro Gilmar Mendes.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em dois novos temas. O primeiro deles, discutido no Recurso Extraordinário (RE) 607886, analisará o alcance do artigo 157, inciso I, da Constituição Federal, que trata da repartição de receitas tributárias, e teve origem em processo iniciado por um aposentado do Rio de Janeiro contra a cobrança de imposto de renda sobre resgate de parcelas de plano de previdência privada (Rioprevidência).O recurso foi interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que afastou a configuração de litisconsórcio passivo pela ausência de relação jurídica entre o Estado e o contribuinte, e assentou ainda que o artigo 157 da Constituição não tem por objetivo estabelecer que a titularidade dos valores ali referidos, inclusive quanto à possibilidade de cobrança e isenção, seria dos estados.Nas razões recursais, o Rio de Janeiro alega que pertence aos estados e ao Distrito Federal o produto da arrecadação de imposto de renda incidente sobre os rendimentos pagos por estes entes e pelas respectivas autarquias e fundações (como a Rioprevidência). Nesse sentido, entende que, ao determinar a conversão em renda dos depósitos judiciais realizados em favor da União, o TRF-2 teria violado o artigo 157 da Constituição.O relator, ministro Marco Aurélio, afirma que “o pronunciamento extravasará os limites do processo subjetivo e refletirá em muitos outros a envolver as unidades da Federação”.Já o RE 580252 avaliará a necessidade de reparação por dano moral a detento que teria sido submetido a tratamento desumano e degradante por conta de superlotação carcerária. O relator, ministro Ayres Britto, observa que a questão constitucional debatida “ultrapassa os interesses das partes e é relevante sob os pontos de vista econômico, político, social e jurídico”.

Também por meio de deliberação via “Plenário Virtual”, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário (RE) 607107, apresentado pelo Ministério Público de Minas Gerais, em que se discute a aplicação da pena de suspensão da habilitação imposta a um motorista profissional, em razão de homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veículo automotor. O relator do recurso é o ministro Joaquim Barbosa.O MP mineiro recorreu ao STF depois que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), julgando apelação criminal do motorista, retirou da condenação a suspensão do direito de dirigir por entender que a penalidade inviabiliza o direito ao trabalho, constitucionalmente assegurado (artigo 5º, inciso XIII, da Constituição). Para o TJ-MG, como se trata de motorista profissional, é desta atividade que o trabalhador obtém a remuneração essencial para o seu sustento e de sua família.Ao se manifestar pela repercussão geral da questão constitucional tratada neste recurso, o ministro Joaquim Barbosa sustentou a sua amplitude. “Trata-se de discussão que transcende os interesses subjetivos das partes e possui densidade constitucional, na medida em que se questiona se a imposição da penalidade de suspensão da habilitação para dirigir, prevista no artigo 302 da Lei 9.503/1997, quando o apenado for motorista profissional, violaria o direito constitucional ao trabalho”, afirmou o relator.No STF, o Ministério Público de Minas Gerais sustenta que a interpretação dada pelo TJ-MG ao artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, acabou por contrariar o próprio dispositivo, “pois a real intenção do constituinte era a de tutelar a liberdade de ação profissional e não propriamente o direito ao exercício do trabalho”. Para o MP, a suspensão do direito de dirigir decorre do princípio da individualização das penas. “Se a Constituição Federal permite ao legislador privar o indivíduo de sua liberdade e, consequentemente, de sua atividade laboral, em razão do cometimento de crime, poderia também permitir a suspensão da habilitação para dirigir como medida educativa”, sustenta.

Decidiu-se não caber ao Magistrado de primeira instância julgar prejudicado um recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, uma vez que tal atribuição cabe ao Supremo Tribunal Federal. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma do STF, em processo relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 122592, a fim de anular decisão da 13ª Vara Federal de Curitiba, que adotou entendimento contrário. “A decisão proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, que julgou prejudicado o recurso extraordinário admitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), reveste-se de flagrante nulidade, uma vez que usurpou a competência deste Tribunal”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski. “Com o juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, concretizado na decisão proferida pelo vice-presidente da Corte regional, instaurou-se a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de modo que não competia ao magistrado de piso a análise da prejudicialidade do recurso”, destacou o relator.No caso em questão, o juiz titular Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, entendeu que o recurso extraordinário, direcionado ao STF, não possuía repercussão geral, não devendo ser admitido. Desta forma, o magistrado entendeu que não existiam outros recursos pendentes e determinou a execução da pena de prisão imposta ao réu.Ao acompanhar o voto do relator no julgamento da Segunda Turma, o ministro Celso de Mello, também reprovou a decisão proferida pela Vara Federal. “Há um ato absolutamente destituído de qualquer ortodoxia processual, na medida em que o magistrado federal de primeira instância procedeu a uma conduta de usurpação de competência deste Supremo Tribunal Federal”, afirmou.O voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado por unanimidade, também determinou a anulação de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STF). A decisão da Quinta Turma do STJ declarou o trânsito em julgado da ação e a imediata execução da sentença condenatória, a despeito da existência de recurso extraordinário admitido pelo TRF-4, e pendente de julgamento pelo STF.

Igualmente, por meio do Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a existência de repercussão geral em quatro Recursos Extraordinários (REs) que tratam de matéria penal, processual e trabalhista. Os casos se referem à possibilidade de concessão de liberdade provisória nos casos de crimes hediondos, à ilegalidade da restituição de bens apreendidos em casos de transação penal, à competência da justiça trabalhista para tratar de ações sobre previdência complementar privada e ao direito dos trabalhadores contratados sem concurso público receberem FGTS. Outros dois recursos também foram analisados pelos ministros, mas não foram considerados de repercussão. O RE 601384, relatado pelo ministro Marco Aurélio, trata da legalidade – ou não – do indeferimento de liberdade provisória a acusados de tráfico de drogas, com base apenas na vedação contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006. A discussão gira em torno da possibilidade de se conceder liberdade provisória nos casos de crimes hediondos, uma vez que, nesses casos, a Constituição só proíbe a fiança (artigo 5º, XLIII). O artigo 44 da nova lei de tóxicos diz que “os crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 a 37 desta Lei [11.343/2006] são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”. O Plenário reconheceu a repercussão na matéria por maioria, vencido o ministro Joaquim Barbosa. Já o Agravo de Instrumento (AI) 762146, de relatoria do ministro Cezar Peluso, questiona a impossibilidade de, no caso de transação penal, o acusado ter restituídos seus bens apreendidos, quando constituem instrumento ou produto de crime, com base no entendimento de que a sentença homologatória da transação tem natureza condenatória. O apelante afirma, no recurso, que essa natureza condenatória na decisão homologatória ofende os princípios do devido processo legal, do contraditório e da presunção da inocência.

Mais três matérias tiveram repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). São os Recursos Extraordinários (REs) 593727, 596286 e 587108 que dizem respeito, respectivamente, às atribuições do Ministério Público em procedimento investigatório, incidência de Imposto de renda sobre resultados financeiros e aproveitamento de créditos em valores de bens e mercadorias em estoque. No primeiro deles (RE 593727), os ministros votaram pela repercussão geral por unanimidade. De relatoria do ministro Cezar Peluso, o recurso foi interposto contra ato do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, sob alegação de que a realização de procedimento investigatório de natureza penal pelo MP ultrapassa suas atribuições funcionais previstas na Constituição Federal. Por isso, a violação aos artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, III, VIII, e 144, IV, parágrafo 4º, da CF.Em outro recurso (RE 596286), a maioria dos ministros considerou a existência de repercussão geral, vencidos os ministros Carlos Ayres Britto, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Eros Grau, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski. Autora do RE, a empresa White Martins Gases Industriais S/A alega que o artigo 5º, da Lei 9779/99 – que autoriza a cobrança do Imposto de Renda sobre resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge – é incompatível com o artigo 153, inciso III, da Constituição Federal. Isso porque, para a empresa, tais operações são realizadas com o objetivo de evitar perdas e não de gerar renda. Também foi reconhecida repercussão geral no RE 587108, vencidos os ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. O recurso foi interposto contra acórdão que entendeu pela legitimidade do parágrafo 1º do artigo 11 da Lei 10.637/02 e do parágrafo 1º do artigo 12 da Lei 10.833/03.Conforme o RE, ambos os dispositivos “disciplinaram o direito de aproveitamento de créditos calculados com base nos valores dos bens e mercadorias em estoque no momento da transição da sistemática cumulativa para a não cumulativa da contribuição para o PIS e da COFINS, respectivamente”. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, há repercussão porque a solução da questão em exame poderá resultar em relevante impacto tanto no orçamento da Seguridade Social bem como no das pessoas jurídicas que se enquadrem na situação.Contudo, a Corte entendeu ausente o requisito da repercussão geral em outros seis recursos – três recursos extraordinários e três agravos de instrumento – por não haver questão constitucional a ser apreciada pelo Supremo.O RE 588944 questionava ato que condenou o estado de Sergipe a restituir valores descontados da remuneração do funcionalismo público local a título de aplicação do redutor salarial previsto na Lei Complementar estadual nº 61/2001. Já o RE 598365 foi interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que entendeu comprovado que determinado empregado trabalhava em ambiente insalubre sem proteção individual suficiente para neutralizar o agente nocivo.No RE 599903 é discutida a redução do alcance do dispositivo legal questionado para as execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública, nos termos do artigo 730, do Código de Processo Civil.Os Agravos de Instrumento (AI) 742460, 747522 e 729263 também não tiveram repercussão geral reconhecida. O primeiro refere-se à adequada valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, para a fundamentação da fixação da pena-base na sentença condenatória.O segundo (AI 747522) sobre o reconhecimento da atipicidade da conduta de uma suposta usuária de cocaína, na forma de crack, em razão da incidência do princípio da insignificância. E o terceiro (AI 729263) trata de contrato de participação financeira e subscrição de ações de telefonia, com complementação dos títulos acionários.

Na primeira quinzena de junho, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de cinco recursos extraordinários (RE). Dois deles versam sobre temas criminais: no primeiro recurso extraordinário criminal (RE 596152), o tema que foi reconhecido como de relevância jurídica foi a possibilidade de aplicar benefício concedido pela nova Lei de Tóxicos (11.343/06) a condenados durante a vigência da norma anterior (Lei 6.368/76). Neste RE, o Ministério Público Federal questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu ser aplicável a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre pena aplicada com base na Lei 6.368/76. Já o segundo recurso na área penal (RE 597133) discute a legalidade de julgamento realizado por órgãos de tribunais compostos por maioria de juízes convocados, inclusive o relator. Alega-se no recurso que o julgamento realizado por juízes de primeira instância atuando em processos de segunda instância viola o princípio do juiz natural.

“Direito Penal. Progressão de regime em crime hediondo cometido antes da Lei nº 11.464/07. Requisito temporal – 1/6 da pena. Existência de repercussão geral. A discussão em torno do requisito temporal para progressão de regime quanto aos crimes hediondos praticados antes da Lei nº 11.464/07 extrapola os interesses subjetivos presentes nestas causas, mostrando-se relevantes para um grande número de apenados no país”. (STF – RE 579.416 – Plenário – rel. Menezes Direito – j. 04.04.2009 – Dje 24.04.2009).

“MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição Federal), interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina de acórdão que não considerou condenações, cujas penas foram extintas há mais de 5 (cinco) anos, como maus antecedentes. Nas razões recursais, o recorrente sustenta que a decisão do Tribunal a quo contrariou o art. 5º, LVII, da Carta Magna. Ao expor a questão à luz do preceito constitucional invocado, argumenta que “resulta evidente que a consideração de outra sentença penal condenatória, ainda que com o trânsito em julgado operado há mais de 5 (cinco) anos, para fins de avaliação dos maus antecedentes do réu, não viola o postulado da ‘presunção de inocência’, posto que, nessas circunstâncias, evidentemente não há a consideração da culpa caracterizadora da condenação a ensejar o reconhecimento da reincidência, mas tão somente a avaliação de uma circunstância que efetivamente diz respeito à vida ante acta do agente e, por essa razão, não poderia passar despercebida na álgebra penal, aí sim em prejuízo ao princípio da igualdade” (fl. 537).

O recorrente apresentou a preliminar formal de repercussão geral, conforme exigência do art. 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil, acompanhada da devida fundamentação. Entendo que a matéria transcende os interesses subjetivos das partes e possui densidade constitucional, na medida em que a questão discutida no recurso extraordinário implica alteração no critério de fixação da pena-base à luz do princípio da presunção de não-culpabilidade. Ademais, convém destacar que esta Corte não só já se manifestou em algumas oportunidades sobre o tema, como também, recentemente, reconheceu a existência de repercussão geral em matéria semelhante. Refiro-me ao RE 591.054, rel. min. Marco Aurélio, que trata da possibilidade de se considerar processos em curso como maus antecedentes para a fixação da pena-base. Do exposto, entendo que, no caso dos autos, está presente o requisito da repercussão geral a que fazem alusão os arts. 102, § 3º, da Constituição, 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, e 323 do RISTF. Brasília, 05 de fevereiro de 2009. Ministro JOAQUIM BARBOSA

Relator.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a ocorrência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 593443, referente à morte de Edison Tsung Chi Hsueh. Calouro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ele foi morto durante um trote universitário. A decisão de que o RE deverá ser julgado pela Corte se deu pela maioria dos votos, por meio do Plenário Virtual, sistema de votação eletrônica. Ficaram vencidos os ministros Eros Grau, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Cezar Peluso. O caso diz respeito a um habeas corpus impetrado em favor de F.C.J.N., A.A.M.N. e outros dois denunciados (G.N.G. e L.E.P.T.) por suposta prática de homicídio qualificado. Em votação majoritária, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal por entender que falta justa causa para o seu prosseguimento, decisão estendida aos corréus. O Ministério Público Federal argumenta que a conduta, supostamente delituosa, foi narrada com clareza, tendo sido descrita com as respectivas circunstâncias, o que afastaria a rejeição da denúncia. Ao admitirem a existência de repercussão geral, os ministros da Corte entenderam que o caso apresenta relevância do ponto de vista jurídico e social, indo além dos interesses das partes porque em jogo a soberania do Júri e as funções institucionais do Ministério Público. Para o MPF, a decisão do STJ de trancar a ação penal, violou a Constituição Federal que confere ao Ministério Público a função institucional de promover privativamente a ação penal pública. O Ministério Público ressalta que o Tribunal de origem substituiu-se ao juiz natural da causa, ou seja, o Tribunal do Júri (competente para julgar crimes dolosos contra a vida), pois examinou de modo profundo elementos de prova. Por fim, argumenta que só é possível o trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, por atipicidade da conduta, flagrante inocência do acusado ou extinção da punibilidade. Outros quatro Recursos Extraordinários (REs 568645, 590415, 593818, 594435) tiveram a repercussão geral reconhecida pelos ministros do STF. Eles tratam de execução de precatório e fracionamento; adesão a plano de demissão voluntária; critério de fixação da pena-base e maus antecedentes; complementação de proventos e de pensões disciplinada por lei estadual e a incidência da contribuição previdenciária.

A Corte Suprema decidiu que o dispositivo da repercussão geral poderia ser aplicado pelo Plenário da Corte a recursos extraordinários que discutem matérias já pacificadas pelo STF, sem que esses processos tenham de ser distribuídos para um relator. Por esta decisão, os recursos extraordinários que versem sobre matérias já julgadas pelo STF serão enviados para a Presidência do STF, que levará a questão ao Plenário antes da distribuição do processo. Caberá aos ministros, no julgamento colegiado, aplicar a jurisprudência da Corte, rediscutir a matéria ou simplesmente determinar o seguimento normal do recurso, caso se identifique que a questão não foi ainda discutida pelo Plenário. Essa última hipótese ocorreu hoje (11) no caso de um Recurso Extraordinário (RE 579431) que discute a incidência de juros em precatório. Diante da controvérsia sobre se decisão anterior do STF se aplicava ou não ao caso em debate no Plenário, os ministros decidiram que o processo será distribuído e já tramitará com a chancela da repercussão geral. Nos casos em que for confirmada a jurisprudência dominante, o STF negará a distribuição ao recurso e a todos os demais que tratarem sobre a mesma matéria. Com isso, os tribunais poderão exercer o chamado juízo de retratação, ou seja, aplicar a decisão do STF, ou considerar prejudicados recursos sobre a matéria, quando o Supremo não reformar a decisão. O objetivo da decisão desta tarde é acelerar o trâmite dos recursos extraordinários e evitar a subida de um outro tipo de recurso ao STF – o agravo de instrumento. O recurso extraordinário é um instrumento jurídico em que se contesta decisão de outros tribunais que, em tese, feriram a Constituição. O agravo de instrumento serve para confrontar decisões de tribunais que impedem o envio de recursos extraordinários ao STF. Esses dois tipos de recurso representam mais de 90% do número de processos distribuídos aos ministros do Supremo. A proposta no sentido de simplificar o trâmite dos recursos extraordinários que versem sobre jurisprudência pacificada da Corte foi feita pela ministra Ellen Gracie ao Plenário do STF em março de 2008, quando ela estava na presidência da Corte. Na ocasião, um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia suspendeu a discussão da proposta.

Por dez votos (somado o de Ellen Gracie) a um, os ministros decidiram que essa é a melhor estratégia a ser adotada para lidar com os recursos extraordinários que chegam à Corte contra decisões que não aplicaram entendimento do STF. Somente o ministro Marco Aurélio divergiu. Para ele, todos os recursos devem ser distribuídos normalmente. O ministro Cezar Peluso resumiu da seguinte forma a aplicação da proposta da ministra Ellen Gracie: “Nós temos uma decisão que é contrária à jurisprudência assentada do Tribunal. O recurso [extraordinário] contra essa decisão subiria, seria conhecido e provido. Ora, quando nós aplicamos a proposta, nós vamos ter o mesmo resultado, mais rápido e com menos custo. Não há, a meu ver, com o devido respeito, nenhum risco à segurança jurídica”. Pela decisão desta tarde, também ficou determinado que os tribunais poderão sobrestar os recursos extraordinários interpostos antes da exigência de se formular, no processo, a preliminar formal repercussão geral (3 de maio de 2007), mas que versem sobre tema que o STF já tenha reconhecido a existência de repercussão.

Também nos Recursos Extraordinários em que for reconhecida a existência de repercussão geral, o relator poderá determinar o sobrestamento dos processos que sejam idênticos a outro que esteja com o mérito em análise pela Corte. Essa foi a orientação fixada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de questão de ordem no Recurso Extraordinário (RE) 576155, levantada pelo ministro Ricardo Lewandowski.O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que reconheceu a ilegitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em matéria tributária. Neste recurso extraordinário, o Supremo já admitiu a repercussão geral, ou seja, entendeu que a matéria tem interesse relevante para a sociedade. Os autos do RE encontram-se na Procuradoria Geral da República.Por meio de petição, o MPF pleiteou o sobrestamento das causas que envolvam os Termos de Acordo de Regime Especial (Tares) celebrado entre o Distrito Federal e as empresas beneficiárias por redução de débitos fiscais até o julgamento final do recurso pelo STF, pois entende que configura uma questão prejudicial.O ministro Ricardo Lewandowski, relator, citou doutrina que diz respeito à prejudicialidade das questões. Também trouxe um precedente da Corte (RE 556644) no qual, em questão de ordem, se admitiu o sobrestamento dos processos. Lewandowski justificou a apresentação da questão de ordem, tendo em vista que no julgamento deste precedente, o ministro Cezar Peluso considerou a possibilidade de que os próprios ministros pudessem determinar o sobrestamento, sem levar o processo a julgamento do Plenário.Para o relator, a interpretação do artigo 328 do Regimento Interno do STF confirma que isso seria possível. “A primeira leitura do artigo 328 do Regimento aparenta indicar que o relator, de ofício, poderia monocraticamente fazê-lo”, disse. “São 700 feitos que estão tramitando nas instâncias inferiores, em outros, tribunais e eu achei importante trazer essa questão ao Plenário”, afirmou.Dessa forma, em razão da relevância do tema, o ministro submeteu a questão de ordem ao Plenário a fim de que fosse resolvida no sentido de sobrestar as causas relativas ao termo de acordo de regime especial em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no TJDFT até a resolução da matéria pelo Supremo. Ricardo Lewandowski foi acompanhado pela maioria dos ministros.O ministro Menezes Direito frisou que o sobrestamento das ações subordinadas à repercussão geral já está sendo feito monocraticamente. “Alguns, quando são processos novos, manda-se devolver ao tribunal de origem, e aos antigos, manda-se sobrestar na secretaria monocraticamente”, ressaltou, ao acompanhar o relator.Abriu divergência, o ministro Marco Aurélio. “Eu creio que não temos o poder de simplesmente dizer que essas partes que estão litigando na origem sem serem ouvidas ficarão com os processos dos quais participam sobrestados, não dando o Estado a seqüência que é própria à garantia de acesso ao Judiciário”, afirmou. Segundo ele, o caso contraria a garantia constitucional do acesso ao Judiciário ao suspender a jurisdição na origem, “apanhando, sem exame caso a caso, inúmeros processos”.

Negou-se recurso interposto pelo Estado da Paraíba sobre a tramitação de recurso extraordinário no caso de tema sem repercussão geral. Os Ministros, por maioria, negaram provimento ao agravo regimental contra decisão do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que não conheceu (julgou inviável) do Recurso Extraordinário (ARE) com Agravo 761661. Na origem, a Presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) entendeu incabível recurso extraordinário, por tratar de matéria sem repercussão geral. O tema de fundo é o direito de servidores a diferença de remuneração em virtude de desvio de função. Visando reverter tal situação, o estado interpôs agravo ao STF com base no artigo 544 do Código de Processo Civil, mas o recurso foi julgado incabível pela Presidência do Supremo.Ao levar o agravo regimental para apreciação do Plenário, ministro Joaquim Barbosa explicou que, no caso, o tribunal de origem não examinou a admissibilidade do recurso, mas apenas o considerou prejudicado, com base nas regras previstas pelo regime da repercussão geral. “O tribunal procede à simples aplicação do entendimento firmado por essa Corte aos recursos lá sobrestados. Não havendo juízo de admissibilidade, não se abre a via do agravo”, afirmou.A via recursal adequada para questionar o juízo proferido pela presidência do TJ-PB seria o agravo interno ao órgão colegiado do próprio tribunal de origem. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, esse entendimento foi firmado pelo STF no julgamento na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento (AI) 760358, em 2009. Por isso, indeferiu também o pedido do Estado da Paraíba para converter o ARE em agravo interno na origem, uma vez já decorrido longo tempo desde a fixação do entendimento do STF sobre o tema.Em votação por meio do sistema de Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal concluíram, por unanimidade, pela existência de repercussão geral em duas matérias penais. As questões constitucionais estão relacionadas a temas sobre constitucionalidade da extensão do indulto à medida de segurança e incompatibilidade da suspensão dos direitos políticos nos casos em que ocorra a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.Um dos assuntos está em discussão no Recurso Extraordinário (RE) 601182 interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e diz respeito à impossibilidade de suspensão dos direitos políticos quando ocorre a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.Em análise de uma apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG) entendeu não ser aplicável a suspensão de direitos políticos, prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, tendo em vista a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Considerou que não há qualquer incompatibilidade em relação ao pleno exercício dos seus direitos políticos, “cuja relevante importância só permite o tolhimento em situações que materialmente os inviabilizem”. Por isso, com base nos princípios da isonomia, da dignidade da pessoa e da individualização da pena, concluiu pela manutenção dos direitos políticos do apenado.Relator do processo, o ministro Marco Aurélio admitiu a existência de repercussão geral e teve seu voto seguido por unanimidade. Segundo ele, o STF deve definir, de forma linear em todo o território nacional, o alcance do inciso III, do artigo 15, da Constituição, que estabelece a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os respectivos efeitos. “A conclusão extrapolaria os limites subjetivos do processo, irradiando-se para um incontável número de casos”, afirma o ministro.

O Ministro Marco Aurélio também relata recurso (RE 628658) no qual é debatida a legitimidade da extensão do indulto aos internados em cumprimento de medida de segurança, nos termos do artigo 1º, inciso VIII, do Decreto nº 6706/98. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) assentou não haver restrição constitucional à concessão de indulto pelo presidente da República aos submetidos a tal medida, “já que esta é espécie de sanção penal e, por conseguinte, fica sujeita ao limite temporal de cumprimento do artigo 75, do Código Penal”.De acordo com o MP-RS, o indulto – ato administrativo discricionário – é incompatível com a medida, “porquanto esta se ampara na existência de patologia que torna o agente perigoso ao convívio social, cuja aferição somente se viabiliza por meio de análise técnica, descabendo, no caso, mera deliberação administrativa”.Para o ministro Marco Aurélio, a questão merece o crivo do Supremo quanto à competência privativa do presidente da República prevista no artigo 84, inciso XII, da Constituição, tendo em vista que a situação jurídica é passível de ser repetida no território nacional. Assim, o relator admitiu a existência de repercussão geral, tendo sido acompanhado por unanimidade dos votos.

Também o cometimento de falta grave por um apenado obriga a alteração da data-base para a concessão de benefícios na execução da pena e leva à perda dos dias remidos? Este é mais um tema que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal e deve ter a última palavra dada pela Corte máxima da Justiça brasileira.O Recurso Extraordinário (RE) 638239 foi proposto à Corte pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que, ao analisar um processo, assentou que o simples cometimento de falta grave não enseja a alteração da data-base para a concessão de novos benefícios na execução da pena.A corte estadual disse ainda que a falta grave não afeta o reconhecimento dos dias efetivamente trabalhados pelo apenado como dias de pena privativa de liberdade cumpridos, “pouco importando se já foram declarados remidos pelo Juízo da execução ou se existentes apenas de fato”.Para o MP, essa decisão afrontaria o disposto na Súmula Vinculante nº 9, do STF, que reconhece a recepção do artigo 127 da Lei de Execuções Penais (LEP – Lei 7210/84) pela Constituição de 1988, e contraria a pacífica orientação da Corte no sentido de que não existe direito adquirido à remição de pena ou coisa julgada na decisão que reconhece o benefício.Ao reconhecer a existência de repercussão geral na matéria, o relator do caso, ministro Luiz Fux, lembrou que a recente lei 12.433/2011, posterior à Súmula Vinculante nº 9, modificou o artigo 127 da LEP, para declarar que “em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até um terço do tempo remido, observando o disposto no artigo 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”.Com esse argumento, o ministro disse entender que a Corte precisa deliberar a respeito da retroatividade da nova lei e, se for o caso, sobre a revisão ou cancelamento da Súmula Vinculante nº 9.

Reconheceu-se, por meio do Plenário Virtual, a existência de repercussão geral na questão em debate no recurso sobre a constitucionalidade de dispositivo da Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006), o qual tipifica como crime o uso de drogas para consumo próprio. A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 635659, à luz do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada.No recurso de relatoria do ministro Gilmar Mendes, a Defensoria Pública de São Paulo questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo pessoal. Para a requerente, o dispositivo contraria o princípio da intimidade e vida privada, pois a conduta de portar drogas para uso próprio não implica lesividade, princípio básico do direito penal, uma vez que não causa lesão a bens jurídicos alheios.A Defensoria Pública argumenta que “o porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’ (objeto jurídico do delito de tráfico de drogas), mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”. No RE, a requerente questiona acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que, com base nessa legislação, manteve a condenação de um usuário à pena de dois meses de prestação de serviços à comunidade.Ao manifestar-se pela repercussão geral da matéria discutida no recurso, o ministro Gilmar Mendes destacou a relevância social e jurídica do tema. “Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria”, frisou. A decisão do STF proveniente da análise desse recurso deverá ser aplicada posteriormente, após o julgamento de mérito, pelas outras instâncias do Poder Judiciário, em casos idênticos.

Igualmente, quando o tema tratado no Recurso Extraordinário (RE 706103) que discute a possibilidade ou não de promulgação, pelo chefe do Poder Executivo, de parte de projeto de lei que não foi vetada antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto. A matéria teve repercussão geral reconhecida por meio de votação no Plenário Virtual da Corte.O recurso extraordinário foi interposto pelo prefeito de Lagoa Santa, em Minas Gerais, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-MG) que julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Mesa Diretora da Câmara Municipal contra a Lei municipal 2.691/2007. No processo, a Mesa Diretora alegou que a norma conteria vício “por violação do processo legislativo previsto na Constituição Estadual”.O TJ-MG afirmou que o chefe do Poder Executivo municipal não poderia promulgar e publicar somente a parte do texto legal que não sofrera veto, pois este acabou sendo derrubado pela Câmara Municipal, restaurando-se os dispositivos negados pelo prefeito. A corte estadual entendeu que houve “inovação do processo legislativo”, pois, após a rejeição do veto, a lei municipal contestada deveria ter sido publicada na íntegra.Nas razões do recurso extraordinário, o prefeito alega a violação do artigo 66, parágrafos 2º, 5º e 7º, e do artigo 125, parágrafo 2º, da Constituição Federal (CF), e defende a possibilidade de a lei “viger somente com a parte incontroversa, consoante a permissão constitucional do veto parcial”. Sustenta ainda que, conforme previsão da CF, poderia a própria Câmara Municipal, pelo seu presidente ou vice-presidente, promulgar a parte controversa, após a derrubada do veto. Por fim, ressalta que “não há prazo para essa promulgação e que, por esse motivo, está inacabado o processo legislativo”.O relator do caso no STF, ministro Luiz Fux, manifestou-se pela existência de repercussão geral da questão por acreditar que esta “é relevante do ponto de vista político e jurídico, pois alcança todo o ordenamento jurídico, uma vez que os estados e municípios devem obedecer às mesmas regras dos processos legislativos do âmbito federal”.Ele chegou a se manifestar no sentido de confirmar jurisprudência do Supremo que, ao analisar matéria idêntica, entendeu pela possibilidade de o texto não vetado do projeto de lei ser sancionado e promulgado imediatamente pelo chefe do Poder Executivo. Em relação à parte do projeto de lei que tenha o veto recusado, a Corte determinou que ela deve ser promulgada e publicada para fins de conclusão do processo legislativo. Por essa jurisprudência, a entrada em vigor do texto do projeto de lei que teve o veto afastado ocorre no dia em que passa a integrar a norma.A votação no Plenário Virtual, no entanto, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento de mérito no colegiado do STF, uma vez que o RE teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF.
Com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, matéria que será analisada no Recurso Extraordinário (RE) 641320 discute possibilidade de autorização do cumprimento de pena em regime carcerário menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal. O RE foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho. O relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, manifestou-se pelo reconhecimento de repercussão geral da questão constitucional. “No caso, a controvérsia cinge-se a determinar se os preceitos constitucionais invocados autorizam o cumprimento de pena em regime carcerário menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal”, lembrou. Para ele, a discussão a lcança grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Mendes verificou que na jurisprudência do STF há posicionamentos divergentes sobre o assunto, como é o caso do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 82329, Reclamação (Rcl) 1950 e dos Habeas Corpus 94810 e 94526. “Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria constitucional”, ressaltou o Ministro Gilmar Mendes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral em dois novos temas. O primeiro deles, discutido no Recurso Extraordinário (RE) 607886, analisará o alcance do artigo 157, inciso I, da Constituição Federal, que trata da repartição de receitas tributárias, e teve origem em processo iniciado por um aposentado do Rio de Janeiro contra a cobrança de imposto de renda sobre resgate de parcelas de plano de previdência privada (Rioprevidência).O recurso foi interposto pelo Estado do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que afastou a configuração de litisconsórcio passivo pela ausência de relação jurídica entre o Estado e o contribuinte, e assentou ainda que o artigo 157 da Constituição não tem por objetivo estabelecer que a titularidade dos valores ali referidos, inclusive quanto à possibilidade de cobrança e isenção, seria dos estados.Nas razões recursais, o Rio de Janeiro alega que pertence aos estados e ao Distrito Federal o produto da arrecadação de imposto de renda incidente sobre os rendimentos pagos por estes entes e pelas respectivas autarquias e fundações (como a Rioprevidência). Nesse sentido, entende que, ao determinar a conversão em renda dos depósitos judiciais realizados em favor da União, o TRF-2 teria violado o artigo 157 da Constituição.O relator, ministro Marco Aurélio, afirma que “o pronunciamento extravasará os limites do processo subjetivo e refletirá em muitos outros a envolver as unidades da Federação”.Já o RE 580252 avaliará a necessidade de reparação por dano moral a detento que teria sido submetido a tratamento desumano e degradante por conta de superlotação carcerária. O relator, ministro Ayres Britto, observa que a questão constitucional debatida “ultrapassa os interesses das partes e é relevante sob os pontos de vista econômico, político, social e jurídico”.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de deliberação via “Plenário Virtual”, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário (RE) 607107, apresentado pelo Ministério Público de Minas Gerais, em que se discute a aplicação da pena de suspensão da habilitação imposta a um motorista profissional, em razão de homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veículo automotor. O relator do recurso é o ministro Joaquim Barbosa.O MP mineiro recorreu ao STF depois que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), julgando apelação criminal do motorista, retirou da condenação a suspensão do direito de dirigir por entender que a penalidade inviabiliza o direito ao trabalho, constitucionalmente assegurado (artigo 5º, inciso XIII, da Constituição). Para o TJ-MG, como se trata de motorista profissional, é desta atividade que o trabalhador obtém a remuneração essencial para o seu sustento e de sua família.Ao se manifestar pela repercussão geral da questão constitucional tratada neste recurso, o ministro Joaquim Barbosa sustentou a sua amplitude. “Trata-se de discussão que transcende os interesses subjetivos das partes e possui densidade constitucional, na medida em que se questiona se a imposição da penalidade de suspensão da habilitação para dirigir, prevista no artigo 302 da Lei 9.503/1997, quando o apenado for motorista profissional, violaria o direito constitucional ao trabalho”, afirmou o relator.No STF, o Ministério Público de Minas Gerais sustenta que a interpretação dada pelo TJ-MG ao artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, acabou por contrariar o próprio dispositivo, “pois a real intenção do constituinte era a de tutelar a liberdade de ação profissional e não propriamente o direito ao exercício do trabalho”. Para o MP, a suspensão do direito de dirigir decorre do princípio da individualização das penas. “Se a Constituição Federal permite ao legislador privar o indivíduo de sua liberdade e, consequentemente, de sua atividade laboral, em razão do cometimento de crime, poderia também permitir a suspensão da habilitação para dirigir como medida educativa”, sustenta.
Por fim, não cabe ao magistrado de primeira instância julgar prejudicado um recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, uma vez que tal atribuição cabe ao Supremo Tribunal Federal. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma do STF, em processo relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 122592, a fim de anular decisão da 13ª Vara Federal de Curitiba, que adotou entendimento contrário.“A decisão proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, que julgou prejudicado o recurso extraordinário admitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), reveste-se de flagrante nulidade, uma vez que usurpou a competência deste Tribunal”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.“Com o juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, concretizado na decisão proferida pelo vice-presidente da Corte regional, instaurou-se a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de modo que não competia ao magistrado de piso a análise da prejudicialidade do recurso”, destacou o relator.No caso em questão, o juiz titular Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, entendeu que o recurso extraordinário, direcionado ao STF, não possuía repercussão geral, não devendo ser admitido. Desta forma, o magistrado entendeu que não existiam outros recursos pendentes e determinou a execução da pena de prisão imposta ao réu.Ao acompanhar o voto do relator no julgamento da Segunda Turma, o ministro Celso de Mello, também reprovou a decisão proferida pela Vara Federal. “Há um ato absolutamente destituído de qualquer ortodoxia processual, na medida em que o magistrado federal de primeira instância procedeu a uma conduta de usurpação de competência deste Supremo Tribunal Federal”, afirmou.O voto proferido pelo ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado por unanimidade, também determinou a anulação de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STF). A decisão da Quinta Turma do STJ declarou o trânsito em julgado da ação e a imediata execução da sentença condenatória, a despeito da existência de recurso extraordinário admitido pelo TRF-4, e pendente de julgamento pelo STF.

Seria, obviamente, uma usurpação de competência inaceitável. Esta foi apenas uma pequena contribuição, meramente descritiva, acerca da repercussão geral, de suas normas regulamentadoras e dos julgados a ela relativos no Supremo Tribunal Federal. Espero que tenha alguma utilidade…

A volta da normalidade no STF.

Uma ausência percebida preencheu uma lacuna na última sessão do STF.

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O Supremo Tribunal Federal, finalmente, volta à sua normalidade institucional.

Sem mais arroubos autoritários; sem mais decisões monocráticas que, a despeito da interposição do respectivo recurso, não são levadas a plenário sem qualquer fundamento e subvertendo preferências legais (em outras palavras, restabelecendo o princípio da colegialidade); sem incidentes envolvendo a violação de prerrogativas de advogados nem acusações e ataques mútuos entre Ministros. Enfim, uma sessão normal de um órgão colegiado sério e respeitoso, tanto no trato entre seus membros, quanto na relação entre estes, os advogados e a sociedade em geral. A ausência percebida preencheu uma lacuna.

Assim foi a sessão da última quarta-feira (25), presidida pelo Ministro Ricardo Lewandovski, que está próximo de assumir definitivamente o cargo de Presidente da Corte. Nela, o Pleno do Supremo (e não a vontade isolada de um Ministro), decidiu dois recursos referentes à Ação Penal 470: um, referente ao direito ao trabalho externo de alguns réus, condenados ao regime semiaberto; o outro, referente ao pedido de prisão domiciliar de José Genoino, por razões de saúde.

Feitas essas observações gerais, vamos aos julgamentos em si.

Com relação ao trabalho externo, o Supremo apenas restaurou a aplicação da Jurisprudência amplamente majoritária sobre o tema – majoritária não apenas no próprio Supremo, mas em todo o Judiciário Nacional, no sentido de que o trabalho externo, no regime semiaberto, não depende do cumprimento de 1/6 da pena, caso em que não diferiria em nada do regime fechado e não levaria em consideração a realidade do sistema carcerário brasileiro.

Além disso, acertou o Supremo ao considerar insignificante, ao menos do ponto de vista jurídico, a suposta relação de amizade entre o representante da Pessoa Jurídica que ofereceu trabalho a José Dirceu e este, bem como a suposta dificuldade em fiscalizar um ente privado nessa hipótese. Com razão, o Tribunal, a partir do voto do Ministro Barroso, reconheceu que esses supostos obstáculos, além de carentes de qualquer fundamento racional, seriam sérios entraves à desejada ressocialização do preso por meio do trabalho, que muitas vezes só é possível a partir de iniciativas de determinadas empresas ou a partir de vínculos pessoais de confiança, por conta da natural desconfiança com relação a egressos do sistema carcerário.

Com isso, o Tribunal evitou ceder à sanha de parte da “opinião pública”, que cegamente clama por tratamento mais rígido aos réus da AP 470 do que às demais pessoas que cumprem penas no país, percebendo o enorme risco sistêmico e de retrocesso civilizatório que esse tratamento diferenciado poderia ocasionar.

Já com relação à prisão domiciliar de José Genoino, há que se discordar do entendimento majoritário do Supremo. Já disse, em artigo recente, que respeito profundamente o Ministro Barroso como pessoa, magistrado e acadêmico, assim como o admirava como advogado. Mas tal admiração não me impede de exercer o direito de crítica. Nesse caso o Ministro Barroso, a meu ver, parece ter feito pequena concessão à “opinião pública” (ou publicada), que acusaria (injustamente, é claro) o relator e quem votasse com ele de prestigiar a impunidade. Isso porque, no seu voto, o Ministro mencionou que a decisão seria excepcional, por se verificar a mesma situação no caso de diversos outros detentos do mesmo sistema prisional, e que não gozam do direito pleiteado.

Ora, com o devido respeito, a lógica me parece, nesse ponto, invertida. Até o senso comum indica que não se deve justificar um erro por outro. Se diversos presos estão indevidamente privados de cumprirem pena domiciliar, que se lhes garanta esse direito, e não se negue seu exercício a quem legitimamente o tem, apenas por uma suposta isonomia.

De todo modo, ainda que discordando da decisão, reitero minha satisfação do início de nova fase no Supremo Tribunal Federal, esperando que continue exercendo suas funções sem os arroubos e paixões individuais que tanto prejuízo podem causar à sociedade brasileira como um todo.
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Wadih Damous foi presidente por duas vezes da OAB do Rio de Janeiro e atualmente é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.

Créditos da foto: José Cruz/ Agência Brasil

OAB emite nota de repúdio a presidente do STF, que expulsou advogado .

quarta-feira, 11 de junho de 2014 às 16h49.

Brasília – Leia abaixo nota de repúdio do Conselho Federal da OAB contra o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, que nesta quarta-feira (11) expulsou do plenário da Suprema Corte, com uso de segurança, o advogado Luiz Fernando Pacheco. Defensor do apenado José Genoíno, Pacheco usou a tribuna para requerer que entrasse na pauta da Casa julgamento sobre pedido de prisão domiciliar de seu cliente.

NOTA DE REPÚDIO

A diretoria do Conselho Federal da OAB repudia de forma veemente a atitude do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que expulsou da tribuna do tribunal e pôs para fora da sessão mediante coação por segurança o advogado Luiz Fernando Pacheco, que apresentava uma questão de ordem, no limite da sua atuação profissional, nos termos da Lei 8.906. O advogado é inviolável no exercício da profissão. O presidente do STF, que jurou cumprir a Carta Federal, traiu seu compromisso ao desrespeitar o advogado na tribuna da Suprema Corte. Sequer a ditadura militar chegou tão longe no que se refere ao exercício da advocacia. A OAB Nacional estudará as diversas formas de obter a reparação por essa agressão ao Estado de Direito e ao livre exercício profissional. O presidente do STF não é intocável e deve dar as devidas explicações à advocacia brasileira.
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Brasília, 11 de junho de 2014

O STF e a Natureza Jurídica da Sentença de Transação Penal.

Artigo do Profº Rômulo Moreira.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a discutir, na sessão do dia 29 de maio se é possível impor à transação penal, prevista na Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), os efeitos próprios de sentença penal condenatória. A discussão se dá (sic) no Recurso Extraordinário (RE) 795567, com repercussão geral, em que se questiona acórdão da Turma Recursal Única do Estado do Paraná que, ao julgar apelação criminal, manteve a perda de bem apreendido (uma motocicleta) que teria sido utilizado para o cometimento da contravenção penal objeto da transação. Em voto pelo provimento do RE, o relator, Ministro Teori Zavascki, argumentou que a imposição de perda de bens sem que haja condenação penal ou a possibilidade de contraditório pelos acusados representa ofensa ao devido processo legal. Destacou, ainda, que as medidas acessórias previstas no artigo 91 do Código Penal, entre as quais a perda de bens em favor da União, exigem a formação de juízo prévio a respeito da culpa do acusado, sob pena de ofensa ao devido processo legal. “A imposição da medida confiscatória sem processo revela-se antagônica não apenas à acepção formal da garantia do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, como também de seu significado material destinado a vedar as iniciativas estatais que incorram, seja pelo excesso, seja pela insuficiência, em resultado arbitrário”. O Ministro lembrou que a Lei 9.099/1995, ao introduzir no sistema penal brasileiro o instituto da transação, permite que a persecução penal em crimes de menor potencial ofensivo possa se dar mediante pena restritiva de direitos ou multa, desde que o suspeito da prática de delito concorde, sem qualquer resistência, com proposta efetuada pelo Ministério Público.

No entendimento do Ministro, de um lado, a lei relativizou o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade e, por outro, autorizou o investigado a dispor das garantias processuais penais previstas no ordenamento jurídico. Logo, segundo ele as consequências geradas pela transação penal deverão ser unicamente as estipuladas no instrumento do acordo e que os demais efeitos penais e civis decorrentes da condenação penal não serão constituídos. Ressaltou que o único efeito acessório será o registro do acordo apenas com o fim de impedir que a pessoa possa obter o mesmo benefício no prazo de cinco anos. “A sanção imposta com o acolhimento da transação não decorre de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, já que é estabelecida antes mesmo do oferecimento de denúncia, da produção de qualquer prova ou da prolação de veredito. Trata-se de ato judicial homologatório expedido de modo sumário, em obséquio ao interesse público na célere resolução de conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto penal”, afirmou.

De acordo com o Ministro, como a homologação prescinde da instauração de processo, não é permitido ao juiz, nem em caso de descumprimento dos termos de acordo, substituir a pena restritiva de direitos, consensualmente fixada, por pena privativa de liberdade aplicada compulsoriamente. Observou também que as consequências jurídicas extra penais previstas no artigo 91 do Código Penal só podem ocorrer como efeito acessório de condenação penal. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do Ministro Luiz Fux. Os Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o relator pelo provimento do recurso.

Como se sabe, os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/95 , regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com a Emenda Constitucional nº. 22/99, acrescentou-se um parágrafo único ao referido art. 98, determinando que “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”, o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei nº. 10.259/2001 .
Observa-se que a Lei nº. 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor, prevê a criação dos Juizados do Torcedor, no âmbito da Justiça Comum Estadual e da Justiça do Distrito Federal, com competência para o processo, o julgamento e a execução das “causas” (cíveis e criminais) decorrentes das atividades reguladas na lei (art. 41-A).

Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.

A Lei nº. 9.099/95 possui normas de caráter processual e outras de Direito Material; estas últimas aplicam-se em qualquer Juízo, mesmo nos procedimentos da competência originária dos Tribunais. Neste sentido é a posição tranquila adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância, aliás, com a boa doutrina, senão vejamos:

“Inq 1055 QO / AM – AMAZONAS•QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO•Relator (a): Min. CELSO DE MELLO •Publicação: DJ DATA-24-05-96 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP-00028•Julgamento: 24/04/1996 – TRIBUNAL PLENO”. A Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Publico à delação postulatória da vitima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). – A lei nova, que transforma a ação pública incondicionada em ação penal condicionada à representação do ofendido, gera situação de inquestionável beneficio em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vitima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da ação penal anteriormente ajuizada. Doutrina. LEI N. 9.099/95 – CONSAGRACAO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS – NORMAS BENEFICAS – RETROATIVIDADE VIRTUAL. Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto àquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, têm por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação publica incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei nº. 9.099/95, arts. 88 e 91). – A Lei n. 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (artes. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe a lis meteoro uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata. PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS – APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91). – A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e tornam conseqüentemente extensíveis aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei nº. 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referencia – que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-juridicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n. 9.099/95 – ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado.” (decisão unânime).

“Penal. Processual penal. Habeas-corpus. Crime de lesões corporais. Denúncia. Promotor de Justiça processado perante o Tribunal de Justiça. Recusa do Tribunal em possibilitar a composição civil e a transação. Alegação de inaplicabilidade em procedimento especial. Lei nº. 9.099/95. I – Os preceitos de caráter penalmente benéficos da Lei nº. 9.099/95 aplicam-se a qualquer processo penal, inclusive nos Tribunais. Precedentes do STF: Inquérito nº. 1.055-AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC nº. 76.262-SP, O. Gallotti, DJ 29.05.98. II – HC deferido.” (Habeas Corpus nº. 77.303-8/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15.09.98, v.u., DJU 30.10.98).
Neste aspecto, ressalva-se apenas a Justiça Militar, por força da Lei nº. 9.839/99 que acrescentou à lei ora comentada o art. 90-A, aliás, dispositivo de duvidosa constitucionalidade à luz do princípio constitucional da isonomia. Mesmo nas Comarcas onde não haja Juizado Especial Criminal instalado deve o Juiz de Direito da Vara Criminal aplicar a lei especial porque, além de conter normas de caráter material, é mais benéfica para o réu (ao menos as suas medidas despenalizadoras).

São critérios orientadores dos Juizados Especiais Criminais a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Como seus objetivos primordiais temos a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade (arts. 2º. e 62).

A Lei nº. 11.313/06 modificou as leis dos Juizados Especiais Criminais, Estaduais e Federais, que passaram a ter a seguinte redação:

Lei nº. 9.099/95 (grifos nossos):

“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

“Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”

Lei nº. 10.259/2001 (idem):

“Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

“Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”

Andou bem o legislador da Lei nº. 11.313/2006, pois, unificando (na Lei nº. 9.099/95) o respectivo conceito, sepultou quaisquer dúvidas acaso existentes quanto àquela definição (e quase já não existiam).

Como se sabe, a redação anterior do art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse a um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

Por sua vez, a Lei nº. 10.259/01, que regulamentou os Juizados Especiais Federais Criminais, no parágrafo único do art. 2º., passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como se sabe, tais infrações estão excluídas da competência da Justiça Federal, por força do art. 109, IV da Constituição.

Assim, a Lei dos Juizados Especiais Federais conceituou de modo diferente crime de menor potencial ofensivo, derrogando, deste modo, o art. 61 da Lei nº. 9.099/95, que se aproveitava apenas quando tratava das contravenções penais.

Agora, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo está previsto apenas na Lei nº. 9.099/95, excluindo qualquer outro entendimento que adotasse duas definições a respeito daquela infração penal. A propósito, a expressão “para os efeitos desta lei” é de uma inutilidade ímpar, pois o conceito é para o sistema jurídico-penal brasileiro; se assim não o for, qual a competência dos Juizados Especiais Criminais Federais? O que seriam aquelas infrações penais de menor potencial ofensivo previstas no art. 2º., caput da Lei nº. 10.259/2001?

Aliás, por força do disposto no art. 5º., caput da Constituição Federal que consagra o princípio da igualdade/isonomia, já era um absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada um delito de menor potencial ofensivo (com todas as vantagens advindas) e, em outro momento (tendo em vista, por exemplo, o seu sujeito passivo ou o local onde foi cometida) não o fosse. Evidentemente que uma mesma ação e um resultado igual devem gerar uma mesma conseqüência jurídica. Se desacato um Delegado da Polícia Civil devo ter o mesmo tratamento jurídico-penal dado a quem desacata um Delegado de Polícia Federal; se furto uma televisão, devo ser tratado penal e processualmente da mesma forma de quem furta uma televisão a bordo de um navio ou de uma aeronave. Se um piloto de uma aeronave assedia sexualmente um(a) tripulante, o tratamento penal a ser dado a ele deve ser o mesmo, quer o faça a bordo ou no saguão do aeroporto. É óbvio! Por outro lado, o art. 20 da Lei nº. 10.259/01, não somente se dirige às causas cíveis (tanto que faz referência expressa ao art. 4º. da Lei nº. 9.099/95, que diz respeito ao Juizado Especial Cível), como também tenciona impedir que se aplique o disposto no art. 109, §§ 3º. e 4º. da Constituição Federal.

Como lembra Cezar Roberto Bitencourt o que identifica a essência ou lesividade de um delito não é a condição das partes (autor do fato ou vítima), a espécie procedimental ou a natureza da jurisdição (federal ou estadual), mas exatamente a sua potencialidade lesiva. Afirma textualmente o autor citado que, “na verdade, critérios de competência que delimitam a jurisdição penal em federal e estadual não têm legitimidade – científica, jurídica ou política – para estabelecer distinções conceituais sobre a potencialidade lesiva de uma conduta. Com efeito, a ilicitude típica não ganha contornos distintos de acordo com a espécie de jurisdição a que esteja sujeita, de forma a alterar a ofensividade ao bem jurídico.”

Assim, já nos parecia tranquilo o entendimento que a definição de crime de menor potencial ofensivo havia sido elastecida e unificada.

Neste sentido, várias foram as decisões no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua 5a. Câmara Criminal, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº. 70003736428, tendo como relator o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho (v.u., j. 20/02/02). Aliás, neste Estado o assunto praticamente pacificou-se, como se vê nos seguintes julgados: 1- Conflito de Competência N.º 70004091211 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 25/04/02; 2- Conflito de Competência N.º 70004086971 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, julgado em 25/04/02; 3- Apelação Crime n.º 70003611621 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desª. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 18/04/02; 4- Conflito de Competência n.º 70004084935 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 5- Conflito de Competência n.º 70004091161 (4ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 6- Conflito de Competência N.º 70003975208 (1ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 7- Conflito de Competência N.º 70003976396 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Ranolfo Vieira, julgado em 03/04/02; 8- Conflito de Competência N.º 70003927092 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 9- Apelação Crime nº 70003321627 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 14/03/02.

O Superior Tribunal de Justiça voltou a julgar no mesmo sentido:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 36.545 – RS (2002/0119661-3) (DJU 02.06.03, SEÇÃO 1, P. 183, J. 26.03.03). RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP. A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. Em função do Princípio Constitucional da Isonomia, com a Lei nº. 10.259/01 – que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, o limite de pena máxima, previsto para a incidência do instituto da transação penal, foi alterado para 02 anos. Tramitando a ação perante a Vara Criminal da Justiça Comum Estadual, e entrando em vigor a nova lei nº. 10.259/01, a competência para apreciar a apelação criminal interposta é da Turma Recursal local, pois, tratando-se de disposição de natureza processual, a incidência é imediata, por força do Princípio do tempus regit actum. Hipótese em que a competência é absoluta e improrrogável, sob pena de nulidade. Conflito conhecido para declarar a competência da Turma Recursal Criminal de Porto Alegre/RS, a Suscitante.”

Hoje, evidentemente, que este assunto não comporta maiores indagações, pois a Lei nº. 10.259/01 não mais conceitua infração penal de menor potencial ofensivo, deixando esta matéria a cargo exclusivamente da Lei nº. 9.099/95. Portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais (independentemente da pena máxima cominada – veja-se, por exemplo, o art. 45 do Decreto-Lei nº. 6.259/44) e todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, independentemente da previsão de procedimento especial.

Quanto à cominação de pena de multa, também a inovação foi importante para dirimir outra controvérsia; a questão consistia em saber como interpretar a última parte do parágrafo único do art. 2º. da Lei nº. 10.259/01 (com a redação anterior). Para nós, a pena máxima de dois anos sempre foi o limite intransponível para o respectivo conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato fosse superior a dois anos estava fora do âmbito dos Juizados, tivesse ou não pena de multa alternativa ou cumulativamente cominada, pois o critério do legislador, ao conceituar tais delitos, foi sempre a pena máxima, não a mínima (multa). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo . A Lei nº. 11.313/06 resolveu definitivamente a questão: não interessa a cominação da pena de multa para a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, pouco importando seja a pena pecuniária cominada alternativa ou cumulativamente (se for cumulada não retira da infração a natureza de menor potencial ofensivo – como afirma a nova lei, com muito mais razão se a cominação for alternativamente).

Neste sentido, o Ministro Celso de Mello indeferiu o Habeas Corpus nº. 109353, impetrado pelo comerciante W.M.N., acusado de vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial. O crime é previsto no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.137/1990. O comerciante foi denunciado perante o juízo da 30ª Vara Criminal de São Paulo. Antes do recebimento da denúncia, a defesa pleiteou que o feito fosse redistribuído ao Juizado Especial Criminal, porque o delito imputado, por cominar pena alternativa de multa, caracterizaria infração de menor potencial ofensivo. O juízo indeferiu os pedido e recebeu a denúncia. Dessa decisão, a defesa recorreu, sucessivamente, ao Tribunal de Justiça de São Paulo que negou a ordem, e ao Superior Tribunal de Justiça. Nessa Corte, a ministra relatora concedeu liminar, suspendendo o curso do processo. Entretanto, no julgamento de mérito, a Sexta Turma do STJ concedeu a ordem apenas parcialmente, para que o Ministério Público de São Paulo se manifestasse acerca da proposta de suspensão condicional do processo. O ministro Celso de Mello acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF), que opinou pela denegação do HC 109353. O relator alegou que os fundamentos da manifestação do MPF ajustam-se à jurisprudência do STF no sentido de que a cominação da pena de multa, por si só, não é suficiente para caracterizar a infração como de menor potencial ofensivo, quando a punição não atender os parâmetros do artigo 61 da Lei 9.099/1995. O ministro Celso de Mello assinalou ainda que, tal como acentuado no acórdão do STJ, “apesar da previsão de pena alternativa de multa, o critério eleito pelo legislador para definir a competência dos Juizados Especiais Criminais é o quantum máximo de pena privativa de liberdade abstratamente cominada”. Na definição de infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas, pois estas, além de não haver um quantum de aumento ou de diminuição estabelecido, não podem aumentar a pena acima do máximo nem diminuí-la aquém do mínimo (Enunciado 231 da súmula do Superior Tribunal de Justiça).

Assim, podemos afirmar que são crimes de menor potencial ofensivo, dentre inúmeros outros, o abuso de autoridade (Lei nº. 4.898/65) , contra a honra (calúnia , difamação e injúria ) e, mesmo, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, quando na sua forma tentada (arts. 124 c/c 14, II do Código Penal). Sobre este último crime, observa-se que em caso de tentativa incidirá sobre a pena máxima cominada (três anos) a causa de diminuição de pena (1/3), restando a pena máxima de dois anos. O fato de ser crime doloso contra a vida não é óbice a esta afirmativa, pois é a própria Constituição Federal que no seu art. 98, I excepciona o disposto no seu art. 5º., XXXVIII, “d”. Lembremo-nos, ademais, que nos casos de competência determinada pela prerrogativa de função (em vista de dispositivo contido na Carta Magna), o julgamento também não será do Júri Popular, mas do respectivo Tribunal . Quanto ao porte de arma (que era de menor potencial ofensivo à luz da legislação revogada), a nova lei o excluiu deste rol. Assim, na Lei nº. 10.826/2003 apenas o crime do art. 13 (omissão de cautela) é de menor potencial ofensivo.

Tal conceito evidentemente não foi alterado pelo art. 94 da Lei nº. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que dispõe: “aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.” Para nós, esta nova lei apenas determina sejam aplicadas as normas procedimentais da Lei nº. 9.099/95 (normas processuais puras, no dizer de Taipa de Carvalho) aos processos referentes aos crimes (com pena máxima de quatro anos) tipificados no Estatuto, excluindo-se a aplicação de suas medidas despenalizadoras (composição civil dos danos e transação penal), pois não seria coerente um diploma legal que visa a proteger os interesses das vítimas idosas permitir benefícios aos autores dos respectivos crimes. Esta interpretação guarda coerência, pois tais crimes (graves, pois praticados contra idosos) serão julgados por meio de um procedimento mais célere, possibilitando mais rapidamente o desfecho do processo (sem olvidar-se da ampla defesa e do contraditório, evidentemente). Esta questão foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3096. Para a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o art. 94 deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal, no sentido de que sejam aplicados aos crimes previstos no estatuto do idoso apenas os “procedimentos” previstos na Lei nº. 9.099/95 – para dar celeridade aos processos -, e não os benefícios, como possibilidade de conciliação, transação penal ou a conversão da pena. Com isso, frisou a Ministra, os idosos teriam a possibilidade de ver os autores dos crimes processados de forma ágil, sem, contudo, vê-los beneficiados pela Lei nº. 9.099/95. O debate incluiu a participação de todos os Ministros presentes à sessão. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua dificuldade em acompanhar a relatora. Para ele, seria inócuo aplicar interpretação conforme ao dispositivo, uma vez que a Lei dos juizados especiais já abrange crimes com pena inferior a dois anos. O estatuto só teria feito ampliar a aplicação dessa lei para crimes com penas até quatro anos. Já a Ministra Ellen Gracie revelou seu entendimento no sentido de que o legislador teria embasado a redação deste dispositivo em estatísticas que demonstram que grande parte dos crimes contra idosos são praticados no seio familiar. Assim, para Ellen Gracie pode ser importante que se tenha um mecanismo legal possibilitando uma solução pacificadora. Celso de Mello, decano da Corte, disse que, em princípio, o art. 94 permite que o idoso que sofre algum crime veja a solução de seu caso, de forma ágil. O Ministro Cezar Peluso disse entender que o dispositivo pode acabar beneficiando, também, os autores dos crimes praticados contra idosos. Muitos crimes não são cometidos por familiares, e seus autores também se beneficiariam do dispositivo. Para ele, deve se analisar, no caso, o respeito ao princípio da isonomia. Ele citou como exemplo uma situação fictícia, em que duas pessoas cometem crime com penas inferiores a quatro anos, um contra um idoso e outro não. O primeiro será processado pela Lei nº. 9.099/95 e o outro pela justiça comum. Segundo Peluso, isso pode levar à perigosa conclusão de que é mais conveniente cometer crime contra idoso. Não se pode criar esse tipo de discriminação, concluiu Cezar Peluso. O Ministro Eros Grau disse entender que não compete à Corte analisar a razoabilidade da lei. Assim, o Ministro votou pela improcedência da ADI. O julgamento foi concluído com o retorno do voto-vista do Ministro Ayres Britto, no sentido que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso – e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso. Ao acompanhar a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o Ministro Ayres Britto procurou resumir numa frase o entendimento da ministra relatora em relação ao equívoco cometido pelos legisladores na confecção do Estatuto do Idoso. “Autores de crimes do mesmo potencial ofensivo serão submetidos a tratamentos diversos, sendo que o tratamento mais benéfico está sendo paradoxalmente conferido ao agente que desrespeitou o bem jurídico mais valioso: a incolumidade e a inviolabilidade do próprio idoso”, afirmou. Por maioria de votos, vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, o Plenário decidiu que os benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95 e também no Código Penal não podem beneficiar os autores de crimes cujas vítimas sejam pessoas idosas. Para a relatora do processo, a interpretação conforme à Constituição do artigo 94 do Estatuto implica apenas na celeridade do processo e não nos benefícios. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua tese contrária à relatora. “Creio que quanto ao procedimento da lei, partiu-se para uma opção político-normativa. Não podemos atuar como legisladores positivos e fazer surgir no cenário uma normatização que seja diversa daquela aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional”. Por isso, o Ministro Marco Aurélio considerou o dispositivo integralmente inconstitucional, tendo em vista que o Estatuto ampliou para pena não superior a quatro anos a aplicação de benefício que a Lei dos Juizados Especiais limita a pena não superior a dois anos. “Eu me pergunto: se não houvesse o Estatuto do Idoso, o que se teria? A aplicação pura e simples da Lei nº 9.099 e aí só seriam realmente beneficiados pela lei agentes que a lei beneficia, ou seja, aqueles cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. A meu ver, na contramão dos interesses sociais, se elasteceu a aplicação da Lei nº 9.099”, concluiu o Ministro.

Não tendo tido êxito a composição civil dos danos, ou, ainda que o tenha, tratando-se de ação penal pública incondicionada, será aberta ao Ministério Público oportunidade para a transação penal (art. 76), que é uma proposta de aplicação de pena alternativa à prisão . Este instituto tem sido acoimado por alguns de inconstitucional, entendimento com o qual não concordamos, basicamente, por três motivos:

a) A própria Constituição Federal prevê a transação penal no art. 98, I. Adverte Cezar Bittencourt, após afirmar que a Constituição Federal instituiu a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, que a Lei nº. 9.099/95, ao prever a transação penal, “está apenas cumprindo mandamento constitucional.” (ob. cit. p. 55). Rechaçando igualmente a tese da inconstitucionalidade, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho afirma que a transação penal é “uma exceção ditada pela própria Carta, permitindo a aceitação de determinada pena pelo suposto autor do fato, independentemente do processo tradicional.”

b) Não há ofensa ao devido processo legal nem ao princípio da presunção de inocência, pois na transação penal não se discute a culpabilidade do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais (art. 76, §§ 4º. e 6º.). Aqui diferencia-se claramente do plea bargaining (onde se transaciona de maneira ampla sobre a pena, tipo penal, conduta, etc.) e do guilty plea (onde há uma admissão formal da culpa ).

c) Não existe nenhuma possibilidade de se aplicar ao autor do fato pena privativa de liberdade, por força da transação penal, pois é absolutamente impossível, à luz do nosso direito positivo, converter-se a pena restritiva de direitos ou a multa transacionada e não cumprida em pena de privação da liberdade (não haveria parâmetro para a conversão no primeiro caso – art. 44, § 4º., CP; e, no segundo caso, porque o art. 182 da Lei de Execuções Penais foi expressamente revogado pela Lei nº. 9.268/96). Aprofundamos mais esta questão adiante quando tratamos da execução.

Ademais lembremos de Jesús-María Silva Sánchez, segundo o qual haveria um Direito Penal de duas velocidades :“Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal ´da prisão`, na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.”

Para este autor, “seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a conseqüente imparcialidade máxima), da mesma forma que a manutenção do significado ´penal` dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.”
Assim, continua o autor, “na medida em que a sanção não seja a de prisão, mas privativa de direitos ou pecuniária, parece que não teria que se exigir tão estrita afetação pessoal: e a imputação tampouco teria que ser tão abertamente pessoal. A ausência de penas ´corporais` permitiria flexibilizar o modelo de imputação. Contudo, para que atingisse tal nível de razoabilidade, realmente seria importante que a sanção fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal.”

O acordo feito na esfera penal (se for prestação pecuniária paga à vítima ou a seus dependentes – art. 45, § 1º., CP), terá efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na Lei dos Crimes Ambientais (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).

Neste aspecto, importante ressaltar, em tempos de Justiça Restaurativa, que “a institucionalização dos postulados da Justiça Restaurativa em consonância com os princípios dos Juizados Especiais Criminais tornam o art. 45, § 1.º, do CP a modalidade de pena principal a ser proposta a título de transação penal quando houver pessoa determinada como vítima. (…) Portanto, a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade ao suposto autor dos fatos quando não existir acordo extintivo da punibilidade na fase preliminar de conciliação merece ser uma pena pecuniária que atenda aos interesses da vítima e, somente no caso de ser inviável esse tipo de proposta, então cabe ao Ministério Público propor alguma outra modalidade de pena a título de transação penal, tendo em vista a concretização do direito fundamental de “acesso à ordem jurídica justa” e ao “tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses”, conforme os paradigmas internacionais da Justiça Restaurativa adotados e preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça.”

É perfeitamente possível, em que pese a literalidade do art. 76, a transação penal no caso de contravenção penal, pois seria um verdadeiro absurdo jurídico permitir-se a transação penal para um crime e não para uma contravenção, infração penal, inclusive ontologicamente, de menor potencial ofensivo.

Não admitimos a transação penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada (por exemplo: dano simples – art. 163, caput e exercício arbitrário das próprias razões – art. 345, parágrafo único, ambos do Código Penal), pois os arts. 76 e 77, caput e seu § 3º., referem-se apenas ao Ministério Público (o que seria um fundamento mais frágil, reconhecemos), além do que (e então está o mais robusto), em nossa sistemática a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato e sim na reparação civil dos danos . Como afirma José Antonio Paganella Boschi, “o que move o ofendido – a par do inegável sentimento pessoal de ´castigar` o réu pela ofensa – é também o interesse patrimonial na reparação do dano ex delicto, sendo a ele estranhas as finalidades da pena ou do processo.” (grifo nosso). Ademais, caso o ofendido não deseje oferecer queixa poderá não fazê-lo, deixando escoar o prazo decadencial ou renunciando àquele direito. Por este motivo, afastamos também a hipótese da vítima impugnar a decisão homologatória da transação penal, por lhe faltar interesse de agir, visto que a sentença homologatória não gera efeitos civis (art. 76, § 6o.).

A este respeito, interessante a posição de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, não admitindo a transação penal na ação penal de iniciativa privada:“Quando a lei confere ao particular a legitimidade para o exercício da ação penal, o faz na condição de substituto processual do Estado, que é o titular da pretensão punitiva. Como se sabe, na legitimação extraordinária o substituto não tem poderes para transacionar com os direitos do substituído. Portanto, o querelante só poderia oferecer transação penal quando houvesse autorização legal. A Lei nº. 9.099/95 não lhe dá tal autorização.”

É de Geraldo Prado a seguinte observação: “Pode-se dizer que mesmo o atual movimento de recuperação de um determinado status penal-processual da vítima, não tem o significado de atribuir a ela o poder de dizer de que forma (prestação de serviços à comunidade, multa?) e em que medida (por três meses, cem dias-multa?) deve o agente ser responsabilizado penalmente. (…) Portanto, a redefinição do espaço da vítima não deve ser confundida com a retomada do caráter privado do processo penal de outras épocas.”

Se a pena de multa for a única aplicável, poderá haver sua redução à metade (art. 76, § 1º.).A transação penal está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos objetivos previstos nos incisos I e II do § 2o. do art. 76, ressalvando-se, quanto ao primeiro inciso, o qüinqüídio referido no art. 64, I do Código Penal; não impede a proposta, outrossim, se a condenação anterior foi substituída por pena restritiva de direitos, multa ou se foi concedido o sursis.

Tendo em vista o princípio da presunção de inocência, o ônus de provar as causas impeditivas é do Ministério Público. Aliás, no Processo Penal o ônus é sempre da acusação, o que torna não recepcionado o art. 156 do Código de Processo Penal (porque fere o devido processo legal e a presunção de inocência). Segundo a lição de Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.“

Ao lado daqueles requisitos objetivos, exige o inciso III requisitos subjetivos que deverão ser observados antes do oferecimento da proposta.

Atente-se para o fato de que a transação penal só deve ser proposta se não for o caso de arquivamento (faltaria justa causa para a proposta); é o que indica expressamente o caput do art. 76. Aliás, pensamos inclusive que sequer a composição civil dos danos deve ser levada a efeito se o caso, em tese, não for passível, a posteriori, de ser alvo de uma peça acusatória; se o Termo Circunstanciado, por exemplo, narrar um fato atípico ou já atingido pela prescrição o caso é de arquivamento, não devendo sequer ser marcada a audiência preliminar, pois seria submeter o autor do fato a um constrangimento não autorizado por lei. Se, in casu, a vítima desejar a reparação civil que promova no Juízo cível a respectiva ação civil ex delicto. Neste aspecto, discordamos de Cezar Bittencourt que entende ser dispensável o exame da justa causa para a composição civil dos danos, sob o argumento de que “os danos, com ou sem responsabilidade penal, com ou sem responsabilidade objetiva, podem ser compostos, seja na esfera privada, seja, hoje, na esfera criminal” (ob. cit., p. 54). Para nós, caso o Termo Circunstanciado não tenha possibilidade potencial de respaldar uma peça acusatória futura, o pedido de arquivamento impõe-se, pois a máquina judiciária (penal) na pode ser, neste caso, movimentada, ainda mais para se resolver uma questão cível. Se é verdade que hoje os danos podem ser reparados na esfera criminal, não é menos certo que esta hipótese só deve ocorrer se houver crime a perseguir. Caso contrário, o fato deve ser levado ao Juiz Cível. Neste sentido:

“(…) A validade da proposta depende da precisa identificação da pessoa a quem o delito deve ser imputado segundo a possibilidade de agir de acordo com o comando normativo. No caso de apuração da prática, em tese, de desobediência a ordem judicial pelos sócios de empresa, deve ser apontada, ainda que sucintamente, a participação de cada um deles no fato delituoso, o que não afronta ao princípio da informalidade que rege a proposta de transação penal. Necessidade de diligências para melhor apurar os indícios de autoria e averiguar a quais sócios caberia, na estrutura da empresa, a responsabilidade pelo eventual descumprimento da ordem judicial. Anulação da proposta de transação penal apresentada. Ressalvada a possibilidade de apresentação de nova proposta. Ordem parcialmente concedida.” (TRF 2ª R. – 1ª T. – HC 2007.02.01.008105-9 – rel. Abel Gomes – j. 16.04.2008 – DJU 24.06.2008).
A natureza jurídica da sentença que acerta a transação penal é homologatória, não sendo sentença condenatória nem absolutória . Tal conclusão chega-se facilmente com a leitura dos parágrafos do art. 76, especialmente os §§ 4º. e 6º., que afirmam não importar reincidência, antecedentes criminais e efeitos civis a aplicação da pena acordada na transação penal.

Por outro lado, a transação penal não representa um direito público subjetivo do autor do fato, mas um ato transacional : o Ministério Público transige quando deixa de oferecer denúncia e o autor do fato quando cede à perspectiva de uma absolvição. Assim, afigura-se-nos equivocada a proposta de transação penal realizada de ofício pelo Juiz que, ao contrário, deve remeter o Termo Circunstanciado ao Procurador-Geral de Justiça se houver recusa injustificada do Ministério Público em fazer a proposta, utilizando-se do art. 28 do Código de Processo Penal, preservando-se, assim, os postulados do sistema acusatório.

Não concordamos com o entendimento segundo o qual a transação é o exercício de uma ação penal. Ora, ação penal sem relação jurídico-processual instaurada? Sem citação? Ação penal sem imputação formal de um crime? Também não poderíamos dizer que se trata de uma ação penal não condenatória (como a revisão criminal ou o habeas corpus), pois esbarraríamos na seguinte questão: como se aplicar uma pena se a ação penal não tinha natureza condenatória? Outra questão: se efetivamente a transação penal é exercício da ação penal, teríamos que admitir o oferecimento de queixa subsidiária caso o Ministério Público não fizesse a proposta.

Exatamente por isso, entendemos que a transação penal é uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, tendo em vista que permite ao Ministério Público, ainda que dispondo de indícios da autoria e prova de uma infração penal, abrir mão da peça acusatória, transacionando com o autor do fato.

Neste sentido, veja-se esta decisão do Supremo Tribunal Federal: “SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRIMEIRA TURMA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO 468.161-7 GOIÁS – RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE – EMENTA: Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição Federal. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal – que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 –, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.” VOTO: “(…) Bem de ver, assim, que não se reserva, aí, espaço a transação sem participação do MP ( …) Assim, ao contrário do que manifestado na decisão recorrida, o art. 76 (como também o art. 89) da lei nova não se constitui um direito público subjetivo do réu, porém apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. A proposta prevista na lei é de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força da norma constitucional, o dominus litis da ação penal pública, não podendo ser substituído pelo magistrado, em tal encaminhamento. Da mesma forma, dizer que o poder consagrado no artigo 129, inciso I, da norma constitucional, não é absoluto, a fim de justificar a possibilidade da transação ser proposta pelo juiz, ante a inércia do Parquet, com a devida vênia, é argumento que não retira ou enfraquece a atribuição privativa ministerial de propor a ação penal pública e consequentemente a transação penal do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Isto porque a hipótese de o Ministério Público não propor a transação penal (pois o titular exclusivo para tal ato) não pode, nem de perto, ser equiparada á eventual omissão ou inércia temporal de propor a ação penal pública, que legitimaria admissão da ação privada subsidiária”. De fato, na linha da jurisprudência do Tribunal, que a fundamentação do leading case da súmula 696 evidencia – HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 – a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.”

Se houver pluralidade de agentes, é evidente que poderá haver a transação com apenas um deles, restando a denúncia para os outros (neste caso ocorre, também, uma certa mitigação ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública incondicionada).

Como já foi dito, o cumprimento da pena acordada não gera reincidência, tampouco será indicada em registros criminais ou gerará efeitos civis (§§ 4o. e 6º. do art. 76), sendo registrada apenas para impedir nova transação nos cinco anos subseqüentes.Se houver dissenso entre o autor do fato e o seu defensor prevalecerá a vontade do agente, até por analogia ao disposto no art. 89, § 7º.

Em tese, é possível, à luz dos arts. 43, I e 45, §§ 1º. e 2º. do Código Penal a proposta de transação penal consistente na doação de cestas básicas (como prestação de outra natureza que não a pecuniária ). Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ratificou proposta de transação penal para que um Deputado Federal doasse pessoalmente cestas básicas para uma associação de deficientes visuais e deixasse de responder à denúncia por crime ambiental. A decisão foi unânime. Ele havia sido denunciado (Inq 2721) pelo Ministério Público Federal por, supostamente, ter construído uma barragem no loteamento São Silvestre, em Palmas (TO), sem a devida licença ambiental. Como o crime é de menor potencial ofensivo e ele não tem condenação criminal anterior, o MPF ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita pelo Deputado. Pela decisão do Supremo, que homologou a proposta do MPF, ele terá de comparecer pessoalmente uma vez por mês, durante seis meses, na Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais (ABDV), em Brasília (DF), para doar 20 cestas básicas e 10 resmas de papel braille. Terá ainda que justificar mensalmente, perante o STF, o cumprimento do acordo. O Deputado pediu para cumprir a pena restritiva de direitos em uma só visita à entidade, mas o MPF foi contra ao afirmar que essa solução não atenderia ao “objetivo da medida”. Ao analisar o pedido do deputado nesta tarde, o relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, avaliou que a alternativa não seria viável. “Considero que a proposta do indiciado, no sentido da doação integral das 120 cestas básicas e 60 resmas de papel braille, em uma única oportunidade, poderia conduzir ao perecimento dos alimentos e até mesmo a problemas para o armazenamento dessa quantidade de alimentos e de papéis. Não é, efetivamente, o ideal”, afirmou Barbosa.

Aqui, porém, faz-se uma ressalva: concordamos com parte da doutrina que proclama a inconstitucionalidade do § 2º. do art. 45 do Código Penal em razão da não observância do princípio da legalidade na expressão “prestação de outra natureza”.

Observa-se que nos crimes previstos no art. 41-B da Lei nº. 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor) a pena restritiva de direito objeto da transação penal será a “pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a três anos, de acordo com a gravidade da conduta”, nos termos dos §§ 2º. e 5º. do art. 41-B.
Admissível, outrossim, que a proposta seja feita por Carta Precatória; neste caso, porém, a homologação será no Juízo deprecante, podendo a execução e a fiscalização do cumprimento da sanção realizar-se no Juízo deprecado, obedecendo-se aos princípios do Promotor e do Juiz Natural.
Da decisão homologatória caberá recurso de apelação no prazo de 10 dias; se não homologar, em decisão interlocutória, caberá Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, não nos afigurando possível, nesta segunda hipótese, a utilização do recurso de apelação.

Não possui a vítima legitimidade para recorrer. Como se sabe, excepcionalmente, o Código de Processo Penal legitima a vítima (ainda quando não habilitada como assistente) a recorrer supletivamente ao Ministério Público, em caso de absolvição (art. 598, parágrafo único); nesta hipótese, permite-se-lhe o recurso especial e mesmo o extraordinário para atacar a decisão proferida naquele recurso interposto, pois não teria sentido dar-lhe legitimidade para a apelação e negar-lhe o direito de recorrer da decisão proferida no julgamento deste recurso (mutatis mutandis, veja-se a Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598 do CPP.”)

Porém, contra a decisão que homologa a transação penal não tem o ofendido legitimidade para apelar, mesmo porque sequer habilitado como assistente poderá estar, visto que a assistência pressupõe ação penal iniciada (art. 268, CPP). Ademais, remetemos o leitor ao que dissemos sobre a impossibilidade de transação penal quando se trata de crime de ação penal de iniciativa privada.

Como ensina Mirabete, “não pode a vítima apelar da decisão homologatória da transação, por falta de interesse de agir. É o que se decidiu no I Congresso Brasileiro de Direito Processual e Juizados Especiais (Tese 6).”

Neste sentido, a jurisprudência é remansosa:

“TACRSP: Recurso – Apelação – Decisão homologatória de transação penal – Irresignação apresentada pela ofendida – Inadmissibilidade – Ausência de interesse em recorrer – Vítima que não está autorizada a intervir neste procedimento ou a ele se opor – Recurso não conhecido. Mesmo que a tentativa de conciliação tenha ficado frustrada, o acordo sobre a aplicação imediata da pena não privativa de liberdade não poderá sofrer qualquer oposição por parte da vítima.” (RJTACRIM 36/270).
“TACRSP: Nos casos da Lei nº. 9.099/95, não tem recurso o ofendido contra a decisão homologatória da transação penal (art. 76), visto lhe falece a pertinência subjetiva da ação, isto é, o interesse de agir. O MP e o autor do fato são os que, unicamente, nesse ponto, têm voz no capítulo.” (RJDTACRIM 41/403).

“TRSC: Transação penal que não comporta a participação da vítima. Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal. Inexistente a ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para interpor recurso de apelação.” (RJTRTJSC 5/219).

Descumprido o acordo entendemos pela impossibilidade de oferecimento de denúncia, pois a sentença homologatória faz coisa julgada material, restando ao Ministério Público a alternativa de executar a sentença homologatória, seja nos termos da Lei de Execução Penal (arts. 147 e 164), seja em conformidade com o Código de Processo Civil, já que se está diante de um título executivo judicial (art. 584, III, CPC). O Supremo Tribunal Federal, no entanto, já decidiu contrariamente, entendendo que o não cumprimento da transação penal autoriza o oferecimento de denúncia, senão vejamos:

“HC 79572 / GO – GOIÁS. HABEAS CORPUS
Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Publicação: DJ DATA-22-02-02 PP-00034. EMENT VOL-02058-01 PP-00204. Julgamento: 29/02/2000 – Segunda Turma. Ementa: HABEAS CORPUS – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO – JUIZADOS ESPECIAIS – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – CONVERSÃO – PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE – DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.”

“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – 13/06/2006 SEGUNDA TURMA – HABEAS CORPUS 88.785-6 SÃO PAULO – RELATOR: MIN. EROS GRAU – Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.” VOTO: “A jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Corte é no sentido de que, descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante, possibilitada ao Ministério Público a persecução penal (HHCC 79.572, Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 22.2.2002; 80.802, Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ de 18.5.2001; 84.976, Carlos Britto, 2ª Turma, Informativo n. 402 e o RE 268.320, Octavio Gallotti, 10.11.2000). 2. No que tange à revogação da suspensão condicional do processo, há autorização legal para tanto (cf. art. 89, § 1º, IV, da Lei n. 9.099/95), sendo ela possível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (cf. os HHCC 80.747, Sepúlveda Pertence, DJ de 19.10.2001; 84.890, Sepúlveda Pertence, DJ de 3.12.2004; 84.660, Carlos Britto, DJ de 25.11.2005 e 84.746, Marco Aurélio, DJ de 31.3.2006). 3. É perfeita a observação, do Subprocurador-Geral da República, de que “[n]ão é demais lembrar que o paciente, por várias vezes beneficiado com os favores legais, quedou-se inerte ao seu cumprimento, sendo esclarecedora a afirmação constante do acórdão impugnado no sentido de que ‘Aliás, o que pretende o combativo defensor é um passaporte para a impunidade. O paciente fez acordo de transação penal e não honrou. Novamente beneficiado com a suspensão condicional do processo não o cumpriu’.” Denego a ordem.”
A homologação de transação penal não elimina a retomada ou a instauração de inquérito ou de ação penal pelo Ministério Público, em caso de descumprimento da transação. Ao reafirmar jurisprudência já estabelecida nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 602072 e determinou o prosseguimento de ação penal pelo MP do Estado do Rio Grande do Sul. O processo foi relatado pelo ministro Cezar Peluso, que se louvou em precedentes do próprio STF para negar provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio, acompanhando voto do relator, lembrou como precedentes para a decisão o julgamento dos Habeas Corpus (HCs) 80802 e 84876 e do RE 268320.
Tais decisões parece-nos equivocadas, pois se desconstitui uma decisão homologatória de uma forma absolutamente estranha ao nosso ordenamento. A respeito da transação no processo, veja o que ensina Maria Helena Diniz:

“A natureza declaratória da transação, dando certeza a um direito precedentemente litigioso ou duvidoso, decorre de sua equiparação aos efeitos da coisa julgada (art. 1.030, CC). Se a decisão de homologação é válida e se a transação judicial é vinculante e irrevogável, só pode haver distrato da transação antes da homologação. (Vide: Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. 25, p. 139). A sentença homologatória de transação válida é ato jurídico processual transparente; logo, não pode ficar à mercê de quaisquer ataques infundados por ter força de decisão irrevogável. Não há como desconstituir transação que não esteja eivada de vício de nulidade ou anulabilidade.”

Cezar Roberto Bittencourt, criticando duramente esta decisão, afirma que “títulos judiciais somente podem ser desconstituídos observadas as ações e os procedimentos próprios. A coisa julgada tem uma função político-institucional: assegurar a imutabilidade das decisões judiciais definitivas e garantir a não-eternização das contendas levadas ao Judiciário. (…) Afinal, desde quando um título judicial pode desconstituir-se pelo descumprimento da obrigação que incumbe a uma das partes? Não há nenhuma previsão legal excepcional autorizando esse efeito especial. (…) na verdade, títulos judiciais têm exatamente a função de permitir sua execução forçada, quando não forem cumpridos voluntariamente. E, conclui: “quando houver descumprimento de transação penal dever-se-á proceder à execução forçada, exatamente como se executam as obrigações de fazer.” (ob. cit., pp. 17, 19 e 25).

Na esteira do entendimento do Supremo, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.398 – SP (2001/0056971-3) (DJU 12.11.01, SEÇÃO 1, P. 159, J. 02.10.01). RELATOR: MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido.”

Nada impede, muito pelo contrário, que a transação penal seja realizada ainda que se trate de feito envolvendo suposto autor do fato com prerrogativa de foro. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, determinou a notificação de um Deputado Federal para que se manifeste sobre seu interesse em aceitar transação penal proposta pelo procurador-geral da República nos autos do Inquérito (INQ) 2793. O parlamentar foi indiciado perante o STF pelo delito de desacato, crime previsto no artigo 331 do Código Penal e cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção – infração de menor potencial ofensivo, conforme prevê o artigo 61 da Lei 9.099/1995. Ao estabelecer que o deputado se manifeste sobre a proposta, em até dez dias, o Ministro Celso de Mello lembrou que a aceitação do benefício deve ser pessoalmente assumida pelo próprio interessado, além de subscrita por seu advogado. Lembrou, ainda, que o Plenário da Corte já se pronunciou no sentido de ser cabível a transação penal nos processos penais originários instaurados no Supremo. O decano explicou que a transação penal é um processo técnico de despenalização, previsto na Lei 9.099/1995, resultante da expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, e tem como razão de ser a “deliberada intenção do Estado de evitar, não só a instauração de processo penal, mas, também, a própria imposição de pena privativa de liberdade, quando se tratar, como sucede na espécie, de infração penal revestida de menor potencial ofensivo”.
Por fim, ressaltamos que o art. 27 da Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) prescreve que a transação penal somente poderá ser formulada desde que tenha havido prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

MINISTRO DO STF APRESENTA AO MINISTRO DA JUSTIÇA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NO CPP SOBRE MEDIDAS CAUTELARES.

Artigo do Profº Rômulo Moreira.

 

Com o intuito de contribuir para a solução da superlotação dos presídios brasileiros, o Ministro Ricardo Lewandowski, apresentou ao Ministro da Justiça uma proposta de reforma do Código de Processo Penal. A mudança na lei obriga os juízes a se manifestarem sobre a possibilidade de aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do Código, antes de ser determinada a prisão em flagrante ou preventiva. A proposta foi consolidada a partir de uma reunião, que teve a participação do Ministro Lewandowski como presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, com o Ministro da Justiça e o Procurador-Geral da República, além da presença de membros do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça. O texto altera o artigo 310, prevendo que o juiz, ao se deparar com um auto de prisão em flagrante ou com um pedido de prisão preventiva, deverá primeiramente fundamentar o porquê de não aplicar ao caso as medidas cautelares previstas no artigo 319, como o uso de tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar, a suspensão de direitos ou a restrição de locomoção, dentre outras. Lewandowski disse que a proposta tem como objetivo mudar o que ele chamou de “cultura do encarceramento” que existe no País. Segundo ele, qualquer pessoa detida, nos dias de hoje, fica presa por meses ou anos, sem maiores indagações, e sem que haja um exame mais apurado da sua situação concreta, explicou. Cerca de 40% dos mais de 500 mil presos, no Brasil, são presos provisórios. “Isso, obviamente, contribui para a superlotação dos presídios”, disse o Ministro do STF, que lembrou que existem outras propostas, não só legislativas como também administrativas, que deverão ser encaminhadas por um grupo de trabalho criado “para, a médio prazo, podermos enfrentar com eficácia esse problema gritante que é o problema da superpopulação carcerária”, concluiu Lewandowski. O Ministro da Justiça disse que, inicialmente, concorda com o “espírito” do projeto apresentado pelo chefe em exercício do Poder Judiciário. Embora o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei dando alternativas ao magistrado (a alteração no artigo 319) de aplicar medidas cautelares, “deixando a prisão como uma medida mais extrema – que deve ser aplicada, quando se configura necessária –, a prática judicial tem feito com que o caminho da prisão seja feito sem uma análise da possiblidade da aplicação de outras medidas cautelares”, afirmou, lembrando que a criação de um grupo de trabalho para tratar da questão de superpopulação carcerária é algo que nunca se fez no Brasil, e que permitirá, pela primeira vez, enfrentar o tema como uma questão de Estado (Conferir: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=259198).

Inicialmente duas observações: o Ministro Joaquim Barbosa jamais teria tal iniciativa, pois, ideologicamente, é a favor do cárcere, desde quando Procurador da República. A segunda observação é que tal proposta parece-nos um tanto quanto despicienda, à luz da alteração do Código de Processo Penal com a promulgação da Lei nº. 12.403/201, que alterou substancialmente o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal que passou a ter a seguinte epígrafe: “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”. No Capítulo I – Das Disposições Gerais – foram modificados os artigos a seguir comentados:

Com efeito, o novo art. 282 estabelece que as medidas cautelares previstas em todo o Título IX deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).

Além destes requisitos (cuja presença não precisa ser cumulativa, mas alternativamente), a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar, a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.[1]

Procura-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões provisórias, incluindo-se a prisão temporária[2], “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.[3] Ademais, a prisão temporária encontra-se prevista neste Título IX do Código de Processo Penal (art. 283).

Assim, quaisquer das medidas cautelares estabelecidas neste Título (repetimos: inclusive as prisões provisórias codificadas ou não) só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.

Dispõe a lei que as medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente[4] e serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Observa-se que as medidas cautelares só poderão ser decretadas de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia. Ainda que tenha sido louvável esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é sempre inoportuno deferir ao Juiz a iniciativa de medidas persecutórias, mesmo durante a instrução criminal. É absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (restritiva de direitos, privativa de liberdade, etc.), pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo[5].

É evidente que o dispositivo é perigoso, pois não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar como “necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração de justiça. (…) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’”.[6]

Claro que há efetivamente certo distanciamento dos postulados do sistema acusatório, mitigando-se a imparcialidade[7] que deve nortear a atuação de um Juiz criminal, que não se coaduna com a determinação pessoal e direta de medidas cautelares. “Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la investigación como para preservar las garantías procesales”, como bem acentua Alberto Binder.[8]

Dentro desta perspectiva, o sistemaacusatório é o quemelhorencontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as trêsfunções precípuas em uma açãopenal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Taissujeitos processuais devem estarabsolutamente separados (no que diz respeito às respectivas atribuições e competência), de formaque o julgadornão acuse, nem defenda (preservando a suanecessáriaimparcialidade), o acusadornão julgue e o defensor cumpra a suamissãoconstitucional de exercer a chamadadefesatécnica[9].

Observa-se que no sistemaacusatório estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juizprocedercomoórgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório. Nele, segundo o professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer, “hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar[10], proibindo-se “al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora[11], “que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento[12].

Dos doutrinadores pátrios, talvez o quemelhor traduziu o conceito do sistemaacusatório tenha sido José Frederico Marques: “A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal, tão-somente, da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (…) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público.”[13]

Ainda comocorolário dos princípiosatinentes ao sistemaacusatório, aduzimos a necessidade de se afastar o Juiz, o maispossível, de atividades persecutórias[14]. Um dos argumentos mais utilizados para contrariar esta afirmação é a decantada busca da verdade real, verdadeiro dogma do processo penal[15]. Ocorre queestedogma está emfrancadecadência, poishoje se sabe que a verdade a ser buscada é aquela processualmente possível, dentro dos limitesimpostospelosistema e pelo ordenamento jurídico.

Comoensina Muñoz Conde, “el proceso penal de un Estado de Derecho no solamente debe lograr el equilibrio entre la búsqueda de la verdad y la dignidad de los acusados, sino que debe entender la verdad misma no como una verdad absoluta, sino como el deber de apoyar una condena sólo sobre aquello que indubitada e intersubjetivamente puede darse como probado. Lo demás es puro fascismo y la vuelta a los tiempos de la Inquisición, de los que se supone hemos ya felizmente salido.”[16]

Comefeito, não se pode, porconta de uma busca de algo muitas vezesinatingível (a verdade…)[17] permitir que o Juiz saia de sua posição de supra partes, a fim de auxiliar, por exemplo, o Ministério Público a provar a imputação posta na peça acusatória. Sobre a verdade material ou substancial, ensina Ferrajoli, ser aquela “carente de limites y de confines legales, alcanzable con cualquier medio más allá de rígidas reglas procedimentales. Es evidente que esta pretendida ´verdad sustancial´, al ser perseguida fuera de reglas y controles y, sobre todo, de una exacta predeterminación empírica de las hipótesis de indagación, degenera en juicio de valor, ampliamente arbitrario de hecho, así como que el cognoscitivismo ético sobre el que se basea el sustancialismo penal resulta inevitablemente solidario con una concepción autoritaria e irracionalista del proceso penal”. Para o mestre italiano, contrariamente, a verdade formal ou processual é alcançada “mediante el respeto a reglas precisas y relativa a los solos hechos y circunstancias perfilados como penalmente relevantes. Esta verdad no pretende ser la verdad; no es obtenible mediante indagaciones inquisitivas ajenas al objeto procesal; está condicionada en sí misma por el respeto a los procedimientos y las garantías de la defensa. Es, en suma, una verdad más controlada en cuanto al método de adquisición pero más reducida en cuanto al contenido informativo de cualquier hipotética ´verdad sustancial´[18]”.

Vê-se, portanto, que se permitiu um desaconselhável “agir de ofício” peloJuiz. Não é possíveltaldisposiçãoemumsistemajurídicoacusatório, poisque lembra o sistemainquisitivocaracterizado, como diz Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”, ou seja, este sistema “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[19]

Parece-nos claroque há, efetivamente, uma máculaséria aos postulados do sistemaacusatório, precipuamente à imprescindívelimparcialidadeque deve nortear a atuação de umJuiz criminal (e não neutralidade, que é impossível)[20]. Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos em um Juiz neutro (como em um Promotor de Justiça ou um Procurador da República neutro). Há sempre circunstâncias que, queiram ou não, influenciam em decisões e pareceres, sejam de natureza ideológica, política, social, etc., etc. Como notou Eros Roberto Grau, “ainda que os princípios os vinculem, a neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas.”[21] São inconfundíveis a neutralidade e a imparcialidade. É ingenuidade acreditar-se em um Juiz neutro, mas é absolutamente indispensável um Juiz imparcial.

Um Magistrado imparcial, como afirmam Alexandre Bizzotto, Augusto Jobim e Marcos Eberhardt, implica em um “formal afastamento fático do fato julgado, não podendo o Magistrado ter vínculos objetivos com o fato concreto colocado à discussão processual. Coloca-se daí na condição de terceiro estranho ao caso penal. (…) Já a neutralidade é a assunção da alienação judicial, negando-se ingenuamente o humano no juiz. Este agente político partícipe da vida social sente (a própria sentença é um ato de sentir), age, pensa e sofre todas as influências provocadas pela sociedade pós-moderna. Afirmar que o juiz é neutro é ocultar uma realidade.”[22]

Sobre o sistemaacusatório, afirmava Vitu: “Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, à l’époque franque et dans la procédure féodale. Ce système, qui ne distingue pás la procédure criminelle de la procédure, se caractérise par des traits qu’on retrouve dans les différents pays qui l’ont consacré.  Dans l’organisation de la justice, la procédure accusatoire suppose une complète égalité entre l’accusation et la défense.”[23]

A propósito, relembramos o art. 3º. da Lei nº. 9.296/96 (interceptações telefônicas) que permite ao Juiz, mesmo na primeirafase da persecutio criminis, determinar de ofício a quebra do sigilo telefônico, o que também representa uma quebra flagrante dos postulados do sistema acusatório, bem como o art. 311 do Código de Processo Penal, possibilitando ao Juiz Criminal a decretação, de ofício, da prisão preventiva (ver adiante), decisões que (pasmen!), ainda o tornam prevento (art. 75, parágrafo único e art. 83 do Código de Processo Penal).[24]

Com inteira razão Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (…) ”[25]

Continuando…

Atendendo à exigência constitucional do contraditório, dispõe o § 3º. do art. 282 que, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (quando, então, será tomada inaudita altera pars, como, por exemplo, uma interceptação telefônica), o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias; neste caso, os autos devem permanecer em juízo. Parece-nos que mesmo no caso da medida ser determinada de ofício pelo Juiz, deve assim também se proceder, ou seja, ouvir-se a parte a quem a medida possa trazer algum prejuízo, ressalvadas, evidentemente, as hipóteses de urgência ou de perigo para a eficácia da decisão. Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma “que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).[26]

Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”[27]

 

O contraditório será fundamental (ressalvada a urgência e a possibilidade de ineficácia da medida), até para que o investigado ou acusado tenha a oportunidade de, por exemplo, requerer “a decretação de medida menos gravosa do que aquela sugerida pela parte contrária.[28]

 

Aliás, ainda que a medida tenha sido tomada inaudita altera pars, “a observância do contraditório, nesses casos, é feita depois, dando-se oportunidade ao suspeito ou réu de contestar  a providência cautelar (…). Fala-se em contraditório diferido ou postergado.[29]

 

Esta exigência do contraditório (prévio ou postergado) aplica-se, inclusive, quando se tratar da prisão provisória (temporária ou preventiva), pois típica medida cautelar, ressalvando-se, obviamente, a urgência e a possibilidade de sua ineficácia (prisão preventiva para aplicação da lei penal, por exemplo).

                                                          

Caso haja descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. Observa-se que a lei é expressa ao considerar a prisão cautelar (incluindo-se a temporária) como ultima ratio. É imposição legal a excepcionalidade da prisão provisória, que somente deverá ser decretada quando não for absolutamente cabível a sua substituição por outra medida cautelar. E na respectiva decisão, esta imprescindibilidade deve restar claramente demonstrada, nos termos do art. 93, IX da Constituição.

Como dissemos acima, a medida cautelar decretada poderá ser revogada ou substituída quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a ser decretada, se sobrevierem razões que a justifiquem (é a conhecida cláusula rebus sic stantibus). Aqui também, deve-se atender à exigência constitucional do contraditório, na forma do § 3º. do art. 282.

Ainda neste Capítulo I, o art. 283 estabelece que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Evidentemente, ressalvam-se os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, em cumprimento ao disposto no art. 5º., LXI da Constituição.

Aliás, a propósito, a prisãotemporária, disciplinada na Lei nº. 7.960/89, nada mais é do que aquela famigerada prisão para averiguações, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (…) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.”[30]

Veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quaisnão se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal.

 

Dizem elesque “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.”[31]

 

Esta lei padece de vício de origem, poisela foi criadapelaMedidaProvisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, porleiemsentidoformal, votada peloCongressoNacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.”[32]

 

Tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4980 contra a Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/2010. O autor da ação, o Procurador-Geral da República afirma na inicial que, ainda que em caráter de excepcionalidade, o STF admite o controle de constitucionalidade dos requisitos para a edição de uma medida provisória – relevância e urgência. E “a conversão [da MP em lei] não tem o condão de convalidar a norma originalmente viciada”, sustenta. Reporta-se, neste contexto, a decisões da Suprema Corte no julgamento das ADIs 3330 e 3090, relatadas, respectivamente, pelos ministro Ayres Britto (aposentado) e Gilmar Mendes. A lei derivada da MP 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996. Tal artigo disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas. A MP – e a Lei 12.350/2010, que resultou da sua conversão –, incluiu no artigo os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Observa que a MP 497 “violou a limitação à edição de medida provisórias, contemplada no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo. A PGR lembra que a alteração do artigo 83 da Lei 9.430/1996 originou-se, segundo a exposição de motivos que acompanhou a MP, da necessidade de ajustar a legislação previdenciária ao tratamento normativo conferido aos demais tributos. Serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários. No entanto, segundo a Procuradoria, de 2007 a 2010 passaram-se três anos, o que não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária. “Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria”, afirma a autora. Presentes os pressupostos – fumaça do bom direito e perigo na demora de uma decisão –, a PGR pede a concessão de liminar para suspender a eficácia do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme a Constituição ao texto impugnado para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa. O relator da ação, Ministro Celso de Mello, adotou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs). Desse modo, o processo será apreciado pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar. O Ministro determinou também que a Presidência da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal prestem informações sobre a norma questionada, no prazo de dez dias.

Portanto, é direito do réu aguardar em liberdade o seu recurso interposto, inclusive os recursos constitucionais, nada obstante o disposto no art. 27 da Lei nº. 8.038/90, não aplicável nos processos criminais, não impedindo que, excepcionalmente, aguarde-se preso o julgamento, caso no acórdão condenatório mantenha-se ou se decrete fundamentadamente a prisão provisória; neste último caso, terá o acusado direito à fruição dos benefícios da Lei de Execução Penal, à vista do disposto no seu art. 2º., bem como no Enunciado 716 da súmula do Supremo Tribunal Federal e na Resolução nº. 19/2006 do Conselho Nacional de Justiça)[33].

Observa-se, outrossim, que todas as medidas cautelares estabelecidas no Título IX (incluídas as prisões, insista-se) não podem ser aplicadas à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Portanto, não será possível aplicá-las em relação às contravenções penais a que a lei comina, isoladamente, pena de multa, como, por exemplo, aquelas previstas nos arts. 292, 303, 304, do Código Eleitoral (dentre várias outras). Diga-se o mesmo em relação ao art. 28 da Lei nº. 11.343/06 (Lei de Drogas).

Com a nova redação do art. 310 estabelece-se que o Juiz de Direito deverá, fundamentadamente, ao receber o auto de prisão em flagrante, tomar uma das seguintes decisões: a) relaxar a prisão ilegal (aquela cujo auto de prisão em flagrante não observou os requisitos legais acima indicados); b) converter a prisão em flagrante (legalmente lavrado) em prisão preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão[34]; de se observar que a prisão preventiva não pode ser decretada de ofício pelo Juiz de Direito nesta fase pré-processual, logo para a conversão é necessário ter havido a representação da autoridade policial ou após requerimento do Ministério Público (art. 311 do Código de Processo Penal); c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (idem, ou seja, para a conversão da prisão em flagrante em liberdade provisória com alguma medida cautelar, impõe-se o requerimento neste sentido do Delegado de Polícia ou do Ministério Público. Caso contrário, deve ser concedida liberdade provisória sem imposição de qualquer outra medida cautelar, inclusive a fiança, à vista do art. 321 – “se for o caso”).

Neste momento, se o Juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal (causas excludentes de ilicitude), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória (sem fiança), mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. Nada obstante o silêncio da lei entendemos também ser obrigatória a concessão da liberdade provisória vinculada ao comparecimento a todos os atos processuais, quando o Juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato sob o pálio de uma excludente de culpabilidade, pois a similitude das circunstâncias (todas retiram o caráter criminoso da conduta) obriga a igualdade de tratamento. Trata-se, aqui, de liberdade provisória, sem fiança, vinculada, porém ao comparecimento aos atos processuais. Nada impede, igualmente, que a liberdade provisória aqui prevista seja cumulada com outra medida cautelar. Importante atentar que, nada obstante o não comparecimento do réu aos atos processuais (e mesmo diante do descumprimento da medida cautelar porventura imposta), a prisão preventiva será de toda maneira incabível, à luz do art. 314. Observa-se, outrossim, que o auto de prisão em flagrante só deverá ser lavrado caso efetivamente tenha ocorrido um crime (fato típico, antijurídico e culpável!).

No silêncio da lei, e considerando-se a omissão legal, deve a decisão judicial ser tomada em quarenta e oito horas, por analogia com o art. 322, parágrafo único.

No Capítulo III – Da Prisão Preventiva, foram modificados os arts. 311 a 315, restando incólume apenas o art. 316 que continua a estabelecer a cláusula rebus sic stantibus em relação à prisão preventiva.

O primeiro dos artigos deste Capítulo estabelece que em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Observa-se que a prisão preventiva só poderá ser decretada de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, ou seja, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia (como se sabe, na fase inquisitorial não há querelante nem assistente). Como já afirmamos acima a respeito das demais medidas cautelares, ainda que haja esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (veja-se o que foi acima escrito sobre o assunto).

 

Entendemos que caso a prisão preventiva tenha sido determinada ainda na fase investigatória, urge que a peça acusatória seja oferecida em até cinco dias (art. 46 do Código de Processo Penal), pois se há justa causa para a decretação da prisão preventiva (fumus commissi delicti), obviamente que também há para o exercício da ação penal (indícios suficientes da autoria e prova da existência do crime). Caso não haja tempestivamente o oferecimento da peça acusatória, a prisão deverá ser revogada, pois patente o constrangimento ilegal. Se não o for, cabível será a ordem de habeas corpus.

 

Relembre-se, por fim, “que a custódia cautelar constitui exceção, por afetar o direito de ir e vir, sendo impossível admitir a execução antecipada da pena. Com efeito, determinou que Tribunal Estadual apreciasse a possibilidade de aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, em substituição à prisão preventiva de acusado de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha. A decisão foi proferida em processo cujo acusado teve sua prisão temporária decretada pelo prazo de cinco dias, em razão do inciso I e III da Lei 7.960/89, mas como fugiu o TJ converteu a temporária em preventiva, nos termos do Art. 312 do CPP. Inconformado recorreu ao STJ fundamentando seu pedido na falta de justa causa para a custódia cautelar, obtendo êxito.” (Fonte: BRASIL. STJ, 5ª Turma, HC 229194/RN, rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), julgado em 15 de mai. 2012. Disponível em: http://migre.me/9bWak. Acesso em 23 de mai. 2012).

Bem a propósito, o Ministro Teori Zavascki concedeu liminar no Habeas Corpus nº. 120722, impetrado por G.D.C. e J.C.T.S., presos preventivamente sob a acusação da prática de crime de tráfico internacional de animais silvestres. Na avaliação do Ministro, embora os fundamentos do decreto de prisão preventiva estejam, genericamente, apoiados em elementos idôneos, pois a restrição da liberdade dos acusados busca evitar a reiteração criminosa e a destruição de provas, tal medida se mostra desnecessária e inadequada ao caso, consideradas as suas peculiaridades. “Com relação ao receio de reiteração delitiva, verifica-se que os fatos imputados na denúncia e no decreto de prisão preventiva teriam ocorrido em 2009. Não há, desse modo, a necessária atualidade a justificar uma medida constritiva desta natureza, ainda mais se considerado o fato de a restrição da liberdade constituir a última opção extrema em termos de medida cautelar”, observou. O Ministro lembrou ainda que o artigo 319 do CPP coloca à disposição do juiz outras medidas, diversas da prisão, visando aos mesmos objetivos. “Impõe-se ao julgador, assim, não perder de vista a proporcionalidade da medida cautelar a ser aplicada no caso”, afirmou. Citando decisão no Habeas Corpus nº. 95009, relatado pelo Ministro Eros Grau, o Ministro Teori Zavascki apontou que, “tendo o juiz da causa autorizado a quebra de sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instrução da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do paciente por conveniência da instrução penal”.

No mesmo sentido, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público em que alegava que a Corte teria extrapolado os limites das deliberações admitidas em sede de Habeas Corpus, além de ter suprido instância ao aplicar medidas cautelares sobre as quais o juiz singular não havia se manifestado. A relatora dos embargos, Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau, Lilian Romero, sustentou em sua decisão que: “O Código de Processo Penal, após as alterações promovidas pela Lei 12.403/2011, passou a prever, além da prisão preventiva, também outras medidas cautelares em meio aberto, diversas da prisão, elencadas no seu art. 319.” E acrescentou: “Frequentemente, a adoção de outras providências basta para restabelecer ou garantir a ordem pública, ou para assegurar a higidez da instrução criminal e evitar a não aplicação da lei penal.” A magistrada ressaltou ainda que: “Com a máxima vênia, se a Corte concluir que uma das medidas do art. 319 do CPP for necessária, adequada e suficiente para acautelar o direito tutelado, tornando despicienda a prisão provisória, deve ela reconhecer o constrangimento ilegal e, concomitantemente ao afastamento da custódia aplicar a medida diversa cautelar de meio aberto.” (Embargos de Declaração nº 963.939-4/01 – Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná).

Em relação à possibilidade do assistente da acusação requerer a decretação da prisão preventiva, entendemos como uma possibilidade limitada, apenas quando for por conveniência da instrução criminal ou quando for cabível como substituição de medida cautelar anteriormente decretada, especialmente aquelas indicadas no art. 319, IV e VIII. Este entendimento baseia-se no fato de que “a razão de se permitir a ingerência do ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério Público, repousa na influência decisiva que a sentença da sede penal exerce na sede civil”, como explica Tourinho Filho embasado nas lições de Florêncio de Abreu e Canuto Mendes de Almeida[35]. Para nós, acertada é esta posição, pois só entendemos legítima a atuação do ofendido como assistente quando configurado estiver o seu interesse em uma posterior indenização pelo dano sofrido. Logo, sempre que da infração penal advier prejuízo de qualquer ordem para o ofendido, este estaria legitimado a se habilitar como assistente para pleitear depois a ação civil ex delicto, executando a sentença penal condenatória[36]. Logo, não há interesse por parte do assistente em requerer a prisão preventiva invocando outros requisitos que não tenham relação com a sua intervenção no processo penal (para a aplicação da lei penal, por exemplo, ou garantia da ordem pública…).

Observa-se que de há muito a intervenção do ofendido no processopenal vem sendo questionada, muitos a contestando sob o argumento de que caberia ao Estadoexclusivamenteexercer as funções persecutórias emmatériapenal, pois se admitir a intervenção do particular seria aceitarque “su papel en el proceso parece estar teñido de una especie de sentimiento de venganza”.[37]

 

Analisando o Direitoportuguês, porexemplo, o mestrelusitanoGermano Marques da Silva esclarece que a “intervenção dos particulares no processo penal é por muitos contestada por poder constituir um factor de perturbação, pois não é de esperar deles a objectividade e a imparcialidade que devem dominar o processo penal, mas é também por muitos outros considerada como uma excelente e democrática instituição e assim o entendemos também”.[38]

 

Continuam sendo requisitos para a prisão preventiva: a) garantia da ordem pública (desgraçadamente); b) garantia da ordem econômica (idem, mas menos mal); c) por conveniência da instrução criminal; d) para assegurar a aplicação da lei penal.

Além destes, podem ser também indicados como requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, nos termos da nova lei, os seguintes: a) o descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (tal como já previsto no art. 282, § 4o.); b) a garantia para a execução de medidas protetivas de urgência estabelecidas em relação a determinadas vítimas (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência).

Aqui está consubstanciada a necessidade indispensável para a decretação da prisão preventiva, o chamado periculum libertatis.

Lamentavelmente continuamos a ter como um dos requisitospara a decretação da prisão preventiva a “garantia da ordem pública”, conceito por demais genérico e, exatamente por isso, impróprio para autorizar uma custódia provisória que, como se sabe, somente se justifica no processo penal como um provimento de natureza cautelar (presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis). Há mais de dois séculos Beccaria já preconizava que “o réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime[39], o que coincide com dois outros requisitos da prisão preventiva em nosso País (conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal).

Decreta-se a prisão preventiva no Brasil, muitas vezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordempública, quando, porexemplo, quer-se evitar a prática de novosdelitospelo imputado ouaplacar o clamorpúblico. Não raras vezes vê-se prisão preventiva decretada utilizando-se expressõescomo “alarmasocial causado pelocrime” oupara “aplacar a indignação da população”, e tantas outras frases (só) de efeito.

 

A respeito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez:

 

Tampoco puede atribuirse a la prisión provisional un fin de prevención especial: evitar la comisión de delitos por la persona a la que se priva de libertad. La propia terminología más frecuentemente empleada para expresar tal idea – probable comisión de ´otros´ o ´ulteriores´ delitos – deja entrever que esta concepción se asienta en una presunción de culpabilidad. (…) Por las mismas razones no es defendible que la prisión provisional deba cumplir la función de calmar la alarma social que haya podido producir el hecho delictivo, cuando aún no se ha determinado quién sea el responsable. Sólo razonando dentro del esquema lógico de la presunción de culpabilidad podría concebirse la privación en un establecimiento penitenciario, el encarcelamiento del imputado, como instrumento apaciguador de las ansias y temores suscitados por el delito. (…) La vía legítima para calmar la alarma social – esa especie de ´sed de venganza´ colectiva que algunos parecen alentar y por desgracia en ciertos casos aflora – no puede ser la prisión provisional, encarcelando sin más y al  mayor número posible de los que prima facie aparezcan como autores de hechos delictivos, sino una rápida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo, porque sólo la resolución judicial dictada en un proceso puede determinar la culpabilidad y la sanción penal.”[40]

Ressaltamos que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, deferiu emparte a liminarpedida no Habeas Corpus nº. 84548, pois considerou que o decreto de prisão preventiva do acusado teria se desviado dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, por lhe faltar as indicações do que consiste a periculosidade do paciente e a quais riscos a ordem pública estaria exposta se ele respondesse à ação penal em liberdade, salientando, outrossim, que o entendimento do STF não permite que clamor público sirva como fundamento para a prisão preventiva. Ele observou que o acusado sempre colaborou com a instrução criminal e as investigações. Assim, o Ministro deferiu a liminarpararevogar a prisão preventiva, se poroutromotivo o acusado não estiver preso.

Na Itália, o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Pádua, Palombarini, assim decidiu acerca da prisão preventiva:

Pena e prisão preventiva têm diversa natureza jurídica, diferentes objectivos, diversa função… Para decidir se uma certa garantia individual deve aplicar-se a um determinado instituto, é necessário atender, em primeiro lugar, à incidência do mesmo instituto sobre a esfera do indivíduo. Ora a prisão preventiva – embora diversa, como se disse, da pena – traduz-se para o indivíduo numa restrição total de sua liberdade. Diferentes os institutos, idênticos os valores em jogo e o perigo de lesão do fundamental direito da liberdade.”[41]

Em outra oportunidade, a 1ª. Turma do SupremoTribunalFederal concedeu habeas corpus (Processo nº. 84778) a um servidor público que responde a processo pela prática de três crimes de concussão (art. 316 do Código Penal). O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, concedeu a ordem para revogar o decreto de prisão preventiva e permitir que o réu aguarde o julgamento da apelação em liberdade. Consoante Pertence, não há como falar em conveniência da instrução criminal se esta já terminou, nem invocar a garantia da ordem pública para não comprometer a imagem do Poder Judiciário. “ repisei minha convicção acerca da ilegitimidade constitucional da prisão preventiva fundada na necessidade de satisfazer a ânsias populares de repressão imediata em nome da credibilidade das instituições públicas, dentre elas o Poder Judiciário“, afirmou. Para o Ministro, tais considerações “desvelam o abuso da prisão processual para fins não cautelares, seja o de antecipação da pena, que aborrece a presunção da não-culpabilidade, seja a instrumentalização do encarceramento do acusado para a popularização do Judiciário, que repugna o princípio fundamental da dignidade humana“. Por fim, sustentou o relatornãosermotivoidôneopara a prisão preventiva a invocação da gravidade do crimeou o prestígio e a credibilidade do Judiciário. O voto do ministro-relator foi acompanhadopelosdemaisintegrantes da PrimeiraTurma.

 

Em um outrocaso, umadvogado acusado de participar da organizaçãoque operava fraudesfiscais no ramo do comércio de combustíveis respondeu às acusaçõesemliberdade. A decisão foi tomadapela 1ª. Turma do SupremoTribunalFederal. Nesta oportunidade, todos os Ministros da Turma seguiram o voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, salientando “que o Supremo tem negado a manutenção de prisão preventiva quando o motivo é a invocação da gravidade do crime imputado.” O Ministro Marco Aurélio sustentou que “há de se aguardar a comprovação do fato criminoso a cargo do Ministério Público para posteriormente ter-se as conseqüências.” (HC nº. 85068).

 

Emoutradecisãorecente, o Ministro do SupremoTribunalFederal, Marco Aurélio, concedeu duas liminares, emhabeas corpus, a dois condenados por seqüestro, emasculação e assassinato de menores em Altamira, no Pará, entre 1989 e 1992. Nas decisões monocráticas, o Ministro Marco Aurélio destacou que os condenados são réus primários, têm bons antecedentes e estão presos há mais de um ano. Afirmou que a circunstância de os condenados viverem em unidades da Federação diversas daquela em que foram julgados não é motivo para ensejar, por si só, a custódia, “afigurando-se o recolhimento como execução precoce, açodada, temporã do título judicial, sujeito ainda a modificação, em face da recorribilidade ordinária”, observando, ainda, que “o barulho da turba, a repercussão dos acontecimentos na sociedade, na mídia, não podem servir à execução precoce da pena”. (HC-85223).

 

Também a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou liminar do Ministro Eros Grau que concedeu liberdade provisória para um policial acusado de assassinar um Delegado da Polícia Civil em Minas Gerais. O Ministro Eros Grau, ao deferir o pedido de habeas corpus e libertar o acusado, afirmou que os fundamentos no clamor público e na repercussão do caso não são “idôneos” para a manutenção da prisão preventiva. Na decisão, ele relacionou julgamentos do Supremo nesse sentido. (HC-85046).

Ainda sobre este requisito da “ordem pública”, anota Bruno César Gonçalves da Silva (no artigo intitulado: “Uma vez mais: da ´Garantia da ordem pública` como fundamento de decretação da prisão preventiva”):

 

Entre os juristas brasileiros que se insurgiram contra a prisão preventiva com fundamento na “garantia da ordem pública”, destaca-se Gomes Filho (1991), que demonstrou-nos não possuir a idéia de “ordem pública” caráter instrumental relacionado com os meios e fins do processo, veja-se:  À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em “exemplaridade”, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. (GOMES FILHO, 1991, p. 67-68). Delmanto Júnior (1998), comentando a decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, considera ser indisfarçável que nesses termos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental – de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado – ínsito a toda e qualquer medida cautelar, servindo de instrumento de justiça sumária, vingança social etc. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.156). sim, dúvida não resta que falta à prisão preventiva decretada com base na “garantia da ordem pública” caráter instrumental inerente a toda medida cautelar, pois, esta visa assegurar os meios e os fins do processo, ao passo que na “ordem pública” não se vislumbra este caráter, não possuindo tal expressão limites rígidos para a sua definição, dando azo ao arbítrio e a casuísmos na restrição da liberdade. O apelo à forma genérica e retórica da “garantia da ordem pública” representa a possibilidade de superação dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, propiciando um amplo poder discricionário ao juiz com “uma destinação bastante clara: a de fazer prevalecer o interesse da repressão em detrimento dos direitos e garantias individuais”. (GOMES FILHO, 1991, p. 66).

 

E conclui este autor: “A garantia da ordem pública não possui caráter cautelar propriamente dito, tendo na verdade finalidades que ora são meta-processuais, ora são exclusivas das penas. As interpretações dadas à expressão “garantia da ordem pública” são violadoras do princípio da presunção de inocência, pois, ou desconsideram a avaliação da necessidade da medida, ou se fundam em presunções e antecipações do juízo de culpabilidade. Devemos na interpretação e aplicação das medidas cautelares, nos libertarmos dos resquícios do autoritarismo e assimilarmos a nova orientação constitucional, lembrando-nos sempre que, dentro deste novo paradigma, os fins nunca podem justificar os meios.

 

Não esqueçamos, igualmente, que o art. 30 da Lei nº. 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, estabelece estupidamente mais uma possibilidade de se decretar a prisão preventiva: a “magnitude da lesão causada”, termo que, assim como “ordem pública”, é por demais genérico e, por conseguinte, desaconselhável em se tratando de norma privativa da liberdade.

 

Nada obstante esta observação, o certo é que a jurisprudência vem reiteradamente decretando a prisão preventiva com fulcro neste requisito; assim, por exemplo, o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, negou pedido de liberdade provisória solicitado por um acusado de participar de uma organização criminosa envolvida com crimes financeiros e lavagem de dinheiro em vários estados brasileiros. Em sua decisão, o relator lembrou que as investigações dão conta de que os presos participariam “de uma sofisticada organização criminosa, de aprimorado modo de atuação”. Essa quadrilha contaria inclusive, ressaltou o Desembargador, com o auxílio de servidores públicos, o que dificultaria a fiscalização por parte dos órgãos competentes. Assim, afirmou, a prisão apresenta-se como imprescindível para a garantia da ordem pública. “Em liberdade, tudo leva a concluir que o agente continuará na prática delituosa”, salientou o Magistrado. A necessidade de imposição da prisão também se justifica para garantir a coleta de provas “sem a interferência dos integrantes da organização” e a eventual aplicação da lei penal, uma vez que os membros da quadrilha possuem “enorme facilidade” para fugir. O Desembargador ainda lembrou que, de acordo com a decisão da 1ª. Vara Federal Criminal, parte dos valores arrecadados através dos delitos teriam sido enviados para o exterior, destacando, outrossim, o resguardo da ordem econômica e a magnitude dos danos econômicos decorrentes da atuação delituosa como justificativa para a manutenção da prisão. (Processos nºs. 2005.04.01.013110-1; 2005.04.01.015015-6 e 2005.04.01.015066-1).

Em outra decisão, a 7ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou habeas corpus a dois acusados de crime contra o sistema financeiro nacional. No julgamento do mérito do habeas corpus, a Turma, por maioria, negou o pedido de liberdade. Os Desembargadores Federais Tadaaqui Hirose e Maria de Fátima Freitas Labarrère argumentaram que a magnitude da lesão (os réus teriam movimentado cerca de 530 milhões de dólares nas contas no exterior) e o risco à ordem pública justificam a decretação da prisão. (HC 2005.04.01.015120-3/PR).

Em sentido contrário, veja-se:

TRF 4ª REGIÃO – HABEAS CORPUS Nº. 2004.04.01.017015-1/PR (DJU 09.06.2004, SEÇÃO 2, P. 634, J. 18.05.2004) – RELATOR: Des. Federal JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA – Não obstante o art. 30 da Lei nº 7492/86 determine que a prisão preventiva do acusado da prática de crime contra o sistema financeiro nacional poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada, sua legitimação depende da satisfação dos pressupostos insculpidos no art. 312 do CP.”.

A elevada monta da sonegação fiscal não justifica a decretação da prisão preventiva do agente, tratando-se, sim, de elemento a ser considerado por ocasião da dosimetria da pena, em eventual condenação.” (TRF 3ª R. 2ª T. – RSE 2008.61.05.008828-2 – rel. Nelton dos Santos – j. 21.07.2009 – DJU 06.08.2009).

Evidentemente que este requisito não pode ser levado em conta para se decretar uma prisão preventiva, mesmo porque, “nota-se que a magnitude da lesão é conseqüência do crime, fator que deve ser levado em consideração para a aplicação da pena (art. 59, CP).” Logo, “este dispositivo é flagrantemente inconstitucional, sua aplicação virá a macular todos os atos que se lhe seguirem”: eis a lição de Roberto Podval.[42] Manoel Pedro Pimentel já perguntava: “Como se há de aferir esse elemento normativo – magnitude da lesão causada – se não for através de critério subjetivo, que pode variar amplamente, já que a lei não define quantitativa ou qualitativamente tal magnitude?[43]

Neste sentido, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 99210). A decisão confirmou liminar concedida pelo relator do processo, Ministro Eros Grau. O juiz levou em conta o poderio econômico do acusado e a magnitude da lesão gerada aos cofres públicos, que alcançaria a cifra de R$ 241 milhões. “O decreto prisional funda-se na magnitude da lesão e na presunção de que os pacientes [os acusados] reiterariam nos crimes a eles imputados, o que, na linha de entendimento consolidado nesta Corte, não se presta à decretação da prisão preventiva”, disse o Ministro Eros Grau. O Ministro citou ainda precedentes do STF no sentido de que a magnitude da lesão causada por um suposto crime não justifica de maneira autônoma a prisão cautelar. Todos os ministros presentes à sessão seguiram o voto do relator.

A propósito, vejamos a lição de Ronald Dworkin:

 

O direito penal poderia ser mais eficiente se desconsiderasse essa distinção problemática e encarcerasse homens ou os forçasse a aceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no futuro. Mas isso, como sugere o princípio de Hart, significaria cruzar a linha que separa tratar alguém como ser humano e como nosso próximo e tratá-lo como um recurso para o benefício dos outros. Para as convenções e práticas de nossa comunidade, não pode haver insulto mais profundo que esse. O insulto é da mesma grandeza quando o processo recebe o nome de punição ou tratamento. É verdade que algumas vezes impomos restrições e submetemos a tratamento um homem apenas porque acreditamos que ele não tem controle sobre sua conduta. Fazemos  isso com base em leis que regem a custódia de civis e, de modo geral, após um homem ter sido absolvido de um crime sério com base numa alegação de insanidade. Mas devemos reconhecer o compromisso de princípio que essa política implica. Deveríamos tratar um homem contra a sua vontade apenas quando o perigo que ele representa é real e não sempre que calculamos que o tratamento poderá reduzir a ocorrência de crimes, se for adotado.”[44]

 

Também é importante salientar ser incabível a decretação da prisão preventiva quando a medida protetiva de urgência tiver um caráter eminentemente civil, como, por exemplo, as medidas previstas no art. 24 da Lei nº. 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Tal afirmação decorre do fato que a prisão preventiva, em tais casos, decorreria de um inadimplemento de natureza cível, não passível de prisão (como se sabe, a prisão civil só é legítima constitucionalmente quando se trata de alimentante faltoso).[45]

Como pressuposto da medida extrema temos o fumus commissi delicti, ou seja, a demonstração cabal e induvidosa de prova da existência de determinados crimes e indício suficiente de autoria (o que coincide com a justa causa para a ação penal, nos termos do art. 395, III do Código de Processo Penal).

 

Ainda em relação ao fumus commissi delicti, a prisão preventiva, em regra, só poderá ser decretada em relação aos supostos autores decrimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, a não ser se o indiciado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal), ou se o delito envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (aqui está um requisito específico para esta última hipótese). Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (neste aspecto, atente-se ao disposto nos arts. 2º. e 3º., da Lei nº. 12.037/2009[46]).

Observa-se, portanto, que, excepcionalmente (mesmo porque a prisão preventiva só será decretada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, nos termos do art. 282), permite-se a prisão preventiva mesmo em crime culposo e qualquer que seja a pena privativa de liberdade cominada. Não seria mais necessária a demonstração daqueles outros requisitos (garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal).

Obviamente, mais uma vez não se observou o princípio da proporcionalidade[47], perfeitamente exigível quando se trata de estabelecer requisitos e pressupostos para a prisão provisória; aqui, pode-se prender preventivamente quando, muito provavelmente, não haverá aplicação de uma pena privativa de liberdade quando da sentença condenatória.

 

Como ensina Alberto Bovino, não é possível “que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a coerção meramente processual resulte mais gravosa que a própria pena. Em conseqüência, não se autoriza o encarceramento processual, quando, no caso concreto, não se espera a imposição de uma pena privativa de liberdade de cumprimento efetivo. Ademais, nos casos que admitem a privação antecipada da liberdade, esta não pode resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicável. Se não fosse assim, o inocente se acharia, claramente, em pior situação do que o condenado. [48]

 

Entendemos, pois, incabível a decretação da prisão preventiva naqueles casos, pois, “não obstante o fato de ocorrer exclusivamente em sede parlamentar a atuação do princípio da proporcionalidade, isso não significa que as disposições normativas penais não possam ser submetidas a um eventual controle constitucional acerca da proporção nelas contidas. Não apenas isto é permitido, mas, acima de tudo, é recomendável quando alguma dúvida houver neste sentido.[49]

 

Com o mesmo entendimento, Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Domínguez, advertem que “las medidas cautelares son homogéneas, aunque no idénticas, con las medidas ejecutivas a las que tienden a preordenar.[50]

 

Segundo Humberto Ávila, “um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais. Para analisá-lo é preciso comparar o grau de intensidade da promoção do fim com o grau de intensidade da restrição dos direitos fundamentais. O meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais.[51]

 

Antonio Scarance Fernandes: “Se o réu apenas pode ser considerado culpado após sentença condenatória transitada em julgado, a prisão, antes disso, não pode configurar simples antecipação de pena, somente se justificando quando tiver natureza cautelar. Em suma, qualquer prisão durante o processo, para não haver ofensa ao princípio da presunção de inocência, deve ter natureza cautelar e não pode significar antecipação de pena, pois esta, necessariamente, deve ocorrer de sentença condenatória transitada em julgado.”[52]

 

O entendimento esposado decorre da incidência do princípio da homogeneidade, tratado com bastante propriedade por Paulo Rangel[53]: “A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. Exemplo: admite-se prisão preventiva em um crime de furto simples? A resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspensão condicional do processo. Segundo, se houver condenação, não haverá pena privativa de liberdade face à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria homogeneidade entre a prisão preventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando do seu término. Entendemos, em uma visão sistemática do sistema penal como um todo, que, nos crimes de médio potencial ofensivo, ou seja, aqueles que admitem a suspensão condicional do processo (cf. art. 89 da Lei 9.099/95,) não mais se admite prisão cautelar.

 

Em sentido convergente, é o escólio de Roberto Delmanto Júnior[54]: “Aliás, a garantia constitucional de que o acusado não pode ser considerado culpado antes de passada em julgado a condenação jamais poderia admitir interpretação que acabasse por impor-lhe encarceramento com intensidade mais grave daquele que lhe seria infligido caso ele fosse realmente considerado culpado”.

 

Vejamos a doutrina estrangeira, a começar por Julian Lopez Masle e Maria Inês Horvitz: “(…) el principio de inocência no excluye, de plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carácter personal durante el procedimiento. En este sentido, instituiciones como la detención o la prisión preventiva resultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar los efectos de la sentencia condenatória sino asegurar fines del procedimiento[55]

 

Também Alberto M. Binder: “Já vimos que todas as medidas de coerção penal são, em princípio, excepcionais. Dentro dessa excepcionalidade, a utilização da prisão preventiva deve ser muito mais restringida e, para assegurar essa restrição devem ser considerados dois tipos de suposição. Em primeiro lugar, não se pode aplicar a prisão preventiva se não existe um mínimo de informação que fundamente uma suspeita sobre limite essencial e absoluto: se não existe sequer uma suspeita racional e com fundamento de que uma pessoa possa ser autora de um fato punível, de maneira nenhuma é admissível uma prisão preventiva. Porém, este requisito não é suficiente. Por mais que se tenha uma suspeita com fundamentos, tampouco seria admitida constitucionalmente a prisão preventiva se não houverem outros requisitos, os chamados ‘requisitos processuais’. Estes se fundamentam em que a prisão preventiva seja direta e claramente necessária para assegurar a realização do julgamento ou assegurar a imposição da pena.[56]

 

No Brasil, Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que “se o efeito de prevenção positiva diz respeito ao estímulo e renovação da confiança no Direito (Roxin), bem como na preservação da identidade normativa da comunidade juridicamente organizada (Jakobs) – abstraído o respectivo conteúdo do Direito, mas pressuposta a sua legitimação -, a idéia da evitação urgente e acautelatória da permanência de atividades criminosas pode ser um referencial para a compreensão de semelhante modalidade de prisão.Obviamente, para impedir a prática de delitos, em tese, já existe a proibição da Lei penal. Mas, isso, como é óbvio, apenas no plano abstrato. Não evitada, porém, concretamente, há um lapso temporal absolutamente indispensável para a aplicação da sanção correspondente, até por exigência do citado devido processo penal, por meio do qual se buscará a comprovação da existência material do crime e de sua autoria. Nesse passo, empiricamente demonstrada e, por isso, considerada a possibilidade de reincidência delituosa, presente em todo o mundo ocidental e pelas mais variadas razões – aliás, a questionar todo o universo punitivo (eficácia preventiva da pena, a privação da liberdade e tudo o mais) -, a previsão de uma prisão anterior à condenação poderá se instituir como válida, para fins de garantia da ordem pública, desde que delimitada rigorosamente a sua extensão.”[57]

 

Vejamos a jurisprudência:

 

Imperioso observar a possível desproporcionalidade de se atingir a liberdade pessoal do acusado, como custódia cautelar ante a bastante provável aplicação de condenação final apenas restritiva de direitos. Ordem de habeas corpus concedida” (TRF 3ª R. – 5ª T. HC 2008.03.00.050617-2 – rel. Erik Gramstrup – j. 02.02.2009 – DJU 20.02.2009).

 

Mesmo em caso de condenação, ao paciente, será aplicado regime menos severo do que aquele em que se encontra, sendo, portanto, a manutenção de sua segregação cautelar afronta ao princípio da homogeneidade. Diante do deferimento de medidas protetivas em favor da vítima e da inexistência de qualquer dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, não há como manter a prisão preventiva do paciente que, todavia, poderá ser novamente decretada, nos termos do art. 316 do mesmo diploma legal, se sobrevierem motivos ensejadores da espécie. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida” (TJMT – 2ª C. – HC 115068/08 – rel. Paulo da Cunha – j. 26.11.2008 – DOE 10.11.2008).

 

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO – PRIMEIRA TURMA – 2006.03.00.073226-6 25097 HC-SP – RELATOR: DES. FED. LUIZ STEFANINI –Uma vez fixado o regime aberto é o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar no caso dos autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP. 2- A sentença transitou em julgado para o Ministério Público conforme informação contida nos autos. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. 3- É de se aplicar na hipótese o princípio da proporcionalidade, não havendo que se falar em decretação da prisão preventiva.

Vejamos este trecho do voto:

 

“(…) A Constituição Federal vigente, ao consagrar o princípio da presunção de inocência no inciso LVII de seu artigo 5º, determinou grande restrição interpretativa à chamada prisão cautelar, na medida em que tornou exceção a segregação de um acusado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. Este princípio deve também ser aplicado ao instituto da prisão preventiva, que só será admitida para fins processuais, jamais como forma de antecipação de pena, pelo que, para sua ocorrência, devem estar preenchidos os requisitos do artigo 312 do CPP. Na consagração do princípio da presunção de inocência, vemos a preocupação do legislador constituinte no resguardo de um direito dos mais importantes, fundamental a cada cidadão: a liberdade. Com efeito, deve o aplicador do direito ter em mente sempre o supremo valor dado pelo constituinte ao direito de liberdade do indivíduo ao interpretar as normas legais, só consentindo em restringi-la quando profundamente necessário. Ora. Em decorrência deste raciocínio, surge o princípio da proporcionalidade na aplicação da segregação cautelar. De acordo com este princípio, a prisão cautelar (como são a prisão preventiva, a prisão em flagrante, etc.), que é expediente lesivo à esfera jurídica do acusado ou investigado, na medida em que lhe restringe a liberdade, não deve ser aplicada quando impossível a privação da liberdade no caso de eventual condenação, ainda que presentes os requisitos autorizadores. É o que leciona, entre outros, Maurício Zanoide de Moraes (in Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v. 3, ed. Revista dos Tribunais, São Pulo, 2004, pg. 208), a respeito da prisão em flagrante:”Em outras situações, caberá ao julgador fazer essa análise de necessidade e oportunidade em cada caso concreto: por exemplo, quando verificar que à infração imputada àquele agente haverá, mesmo em caso de condenação, a substituição da pena privativa de liberdade eventualmente aplicável por outra pena restritiva de direito e/ou multa.(…) Não poderá o juiz manter a prisão em flagrante (neste caso), sob pena de tornar o processo mais punitivo que a sanção penal abstratamente prevista para o crime. Em termos ilustrativos: tornará os efeitos colaterais do remédio (a prisão em flagrante) pior do que os efeitos da própria doença (pena a ser imposta em eventual condenação futura).” Este entendimento, não há dúvida, deve ser aplicado à prisão preventiva, não obstante a ausência de disposição expressa neste sentido quanto a esta modalidade de prisão cautelar, como a que existe quanto ao flagrante em delitos de menor potencial ofensivo (parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95). É o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar nestes autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP (sentença às fls. 16/40). Além disso, transitou a sentença em julgado para o Ministério Público em 31 de julho de 2006, conforme informação de fl. 69. Pois bem. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. Assim, pelo princípio da proporcionalidade, impossível de faz a decretação de prisão preventiva no caso em questão. Ante o exposto, meu voto é pela CONCESSÃO DA ORDEM.

 

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu habeas corpus aos presos na Operação Big Brother da Polícia Federal. A defesa argumentou ainda que a pena para esses crimes seria provavelmente inferior a quatro anos, ou seja, os réus, ainda que condenados, teriam o benefício de prestarem pena alternativa, em regime aberto, sendo desproporcional a manutenção da prisão preventiva. Após analisar o recurso, o Desembargador Néfi Cordeiro decidiu submeter o pedido à 7ª. turma, que entendeu não haver mais necessidade da medida cautelar, decidindo, por unanimidade, conceder a ordem. (HC 2005.04.01.0011606-9/PR).

 

Destarte, será preciso muito cuidado dos Juízes ao decretarem a prisão preventiva em crimes punidos com prisão (reclusão ou detenção) com pena máxima inferior ou igual a quatro anos, pois é preciso que se faça uma interpretação sistemática com o art. 282 do Código, sendo preferível optar-se por outra medida cautelar menos gravosa.

 

Por força de lei, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Código Penal (excludentes de ilicitude). Nada obstante o silêncio da lei entendemos também ser incabível a decretação da prisão preventiva, quando o Juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato sob o pálio de uma excludente de culpabilidade, pois a similitude das circunstâncias (todas retiram o caráter criminoso da conduta) obriga a igualdade de tratamento.

Assim como ocorre em relação às demais medidas cautelares, também a prisão preventiva submete-se à cláusula rebus sic stantibus (art. 316, inalterado).

Por fim, tomou a lei o cuidado de lembrar aos Juízes que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada, advertência, aliás, absolutamente desnecessária, à luz da exigência já constante no art. 93, IX da Constituição.

Não esqueçamos que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello conheceu e negou provimento a Recurso Extraordinário (RE 385943) interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão que reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado por decretação de prisão cautelar indevida e o dever de reparação à vítima. De acordo com ele, a pretensão recursal não tem o amparo da própria jurisprudência que o STF firmou em precedentes aplicáveis ao caso. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela indenização pleiteada em favor de pessoa indevidamente envolvida em inquérito policial arquivado e que teve a perda do emprego como consequência direta da prisão preventiva. Segundo o acórdão, apesar da ausência de erro judiciário (art. 5º, LXXV da CF), o Estado, no desempenho de suas funções, tem o dever de agir, com margem de segurança, sem a qual fica configurada sua responsabilidade objetiva, de modo a não ofender os direitos subjetivos outorgados aos cidadãos na Constituição.No recurso, o Estado de São Paulo alegou a inexistência do nexo de causalidade material entre o evento danoso e a ação do Poder Público. Para a Procuradoria Geral estadual, a demonstração de que a prisão provisória para fins de averiguação ocorreu nos estritos limites da lei, através da decisão judicial fundamentada e mantida pelo Tribunal em habeas corpus, afigura-se como causa excludente de responsabilidade na medida em que rompe o nexo causal entre a ação do poder público e o evento danoso.O ministro do STF não deu razão ao Estado de São Paulo. De acordo com ele, “a situação que gerou o gravíssimo evento da prisão cautelar de pessoa inocente põe em evidência a configuração, no caso, de todos os pressupostos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal“.Além disso, Celso de Mello sustenta que a discussão da inexistência do nexo causal revela-se incabível em sede de RE, por depender do exame de matéria de fato, de todo inadmissível na via do apelo extremo. E que o Tribunal de Justiça, com apoio no exame de fatos e provas, interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra a responsabilidade civil objetiva do Poder Público.Segundo o ministro, o acórdão reconheceu, com inteiro acerto, a cumulativa ocorrência dos requisitos sobre a consumação do dano, a conduta dos agentes estatais, o vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento dos agentes públicos e a ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado de São Paulo.

O Capítulo IV passa a ter uma nova epígrafe – Da Prisão Domiciliar, espécie de medida cautelar consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Não se trata de novidade em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o art. 117 da Lei de Execução Penal[58]. A prisão domiciliar, portanto, pode ser decretada como uma medida cautelar autônoma.

Nada obstante, havendo prova idônea das exigências legais, esta medida cautelar também poderá servir como sucedâneo da prisão preventiva quando o agente for maior de oitenta anos. A prova desta condição, por evidente, só poderá ser feita pela respectiva certidão de nascimento ou documento de igual valor, à luz do art. 155, parágrafo único do Código de Processo Penal. Aqui faço uma observação: por que não se estabeleceu idade igual ou superior a sessenta anos, coerentemente com o disposto no art. 1º., da Lei nº. 10.741/2003 – Estatuto do Idoso?

Também cabível a substituição quando o preso preventivamente estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave, a ser confirmada por atestado médico ou, em caso de dúvida, por perícia oficial.  Neste caso, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal concedeu medida liminar no Habeas Corpus (HC) 116587 para determinar que a prisão preventiva do médico T.S.M. seja cumprida em regime domiciliar até o julgamento definitivo do HC. O relator observou que “pelo menos neste primeiro exame, tenho que procede o pleito de cumprimento da custódia preventiva em regime de prisão domiciliar, conforme previsto no artigo 318 do CPP”. Conforme o relator, a defesa juntou aos autos laudo médico informando que seu cliente encontra-se hospitalizado para tratamento de doença grave. Em sua decisão, o ministro transcreveu trecho do laudo, segundo o qual T.S.M. está internado para avaliação e estabilização do quadro clínico. O laudo aponta que o acusado é portador de doença autoimune hepática fibrosante, de caráter progressivo, podendo evoluir para a necessidade de transplante hepático. Assim, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu a medida liminar, ao considerar que “o encarceramento do paciente, neste momento, o impediria de receber o tratamento médico-hospitalar adequado, o que poderia levar ao agravamento de seu quadro clínico”. Fonte: STF http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=230577.

Igualmente exigível a substituição quando a presença (física, moral ou psicológica) do preso for imprescindível, independentemente de parentesco, aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade. Urge também neste caso, perguntar por que não se estabeleceu a idade até doze anos incompletos, também coerentemente com o art. 2º., da Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Outrossim, substituir-se-á a prisão preventiva pela prisão domiciliar quando for imprescindível, também independendo de relação de parentesco, aos cuidados especiais de pessoa com deficiência. Já para a prova destas circunstâncias poderá o Juiz, além da respectiva certidão de nascimento para prova da idade, valer-se de profissionais de serviço social para atestar a imprescindibilidade dos cuidados, além de perícia médica em caso de dúvida fundada quanto à existência de deficiência.[59]

Por fim, tratando-se de gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Nesta hipótese, poderá ser considerada como prova idônea um atestado médico ou, em caso de dúvida fundada, uma perícia oficial.

Entendo que, sendo a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, preenchidas as exigências legais, um direito subjetivo público do indiciado ou acusado, é passível de ser garantido por meio de habeas corpus.

Importante ressaltar, repita-se, interpretando-se de maneira conjugada os arts. 317 e 318 que a prisão domiciliar não é meramente uma medida cautelar substitutiva da prisão preventiva, podendo ser determinada de maneira autônoma, consoante os requisitos gerais previstos no art. 282.[60]

Também com nova epígrafe está o Capítulo V – Das Outras Medidas Cautelares, englobando os arts. 319 e 320 e acabando definitivamente com a previsão legal (e inconstitucional) da prisão administrativa. Neste Capítulo estão previstas outras medidas cautelares diversas da prisão preventiva e da prisão domiciliar.

A primeira delas consiste no comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades. A segunda é a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.           A terceira é a proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (esta medida será cabível, especialmente, quando se tratar de crime praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, contra descendentes, ascendentes, irmãos etc.).

A quarta trata da proibição de se ausentar da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (aqui, é preciso atentar para aqueles casos em que o indiciado ou réu trabalhe em local muito próximo de seu domicílio, como nas regiões metropolitanas das grandes cidades; neste caso, impor esta medida, convenhamos, não é nada razoável). Caso a proibição seja de se ausentar do País, a medida cautelar deverá ser comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal – art. 144 da Constituição Federal), intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de vinte e quatro horas (art. 320).

A quinta é o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos (aqui não se trata exatamente de uma medida cautelar privativa da liberdade, como a prisão cautelar, mas sim restritiva da liberdade).

A sexta consiste na suspensão do exercício de função pública[61] ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Evidentemente que esta medida acautelatória deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração pública, contra a ordem econômico-financeira, fiscais, previdenciários, contra a economia popular ou mesmo, a depender do caso concreto, em crimes ambientais quando praticados no bojo de atividade econômica. Observar que medida semelhante já tinha sido prevista no art. 56, parágrafo primeiro da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas). A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 482.006-4, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que “a redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º., LVII) e da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), (…) validando-se verdadeira antecipação da pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação.” Aliás, por analogia, podemos utilizar do disposto no art. 17-D da Lei nº. 9.613/98 (“Lavagem de Dinheiro”), segundo o qual, “em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.” (Grifo noso).

Igualmente a internação provisória do acusado pode ser decretada nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração (risco concretamente demonstrado e não meramente presumido, mesmo porque a única presunção admitida pela Constituição é a de inocência). Portanto, é preciso que fique claro na decisão o periculum libertatis. Ademais, a internação provisória deve ser em Hospital de Custódia e Tratamento, jamais em estabelecimento prisional comum. Importante salientar a observação de Aury Lopes Jr., ao afirmar que esta medida cautelar “não pode ser desconectada do sistema cautelar, de modo que, mesmo sendo inimputável o agente, é imprescindível a demonstração dos fumus commissi delicti e do periculum libertatis (aqui, assumido como risco de reiteração) nos mesmos termos anteriormente expostos. Destarte, não se pode desconsiderar o disposto no art. 314, de modo que o inimputável pode ter agido em legítima defesa ou em estado de necessidade da mesma forma que alguém imputável e, por isso, não pode ser submetido a internação provisória (como não poderia ser submetido à prisão preventiva se imputável fosse).

A oitava medida cautelar é a liberdade provisória com fiança (nas infrações afiançáveis, óbvio), com as seguintes finalidades: a) assegurar o comparecimento a atos do processo; b) evitar a obstrução do seu andamento; c) em caso de resistência injustificada à ordem judicial (atentando-se para o direito do indiciado e do réu de não auto-incriminação); a liberdade provisória com fiança poderá ser cumulada com outras medidas cautelares. Adiante, trataremos mais minudentemente da matéria.

E, por fim, temos a previsão da monitoração eletrônica, que não chega a ser novidade em nossa legislação, pois os arts. 122, 124, 146-B, 146-C e 146-D da Lei de Execução Penal já a disciplinam.[62]

Segundo noticia Carlos Roberto Mariath, “o primeiro dispositivo de monitoramento eletrônico foi desenvolvido nos anos 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel. O Dr. Robert entendeu que sua invenção poderia fornecer uma alternativa humana e barata à custódia para pessoas envolvidas criminalmente com a justiça. A máquina consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal a um receptor. Em 1977, o Juiz de Albuquerque, Novo México/EUA, Jack Love, inspirado por um episódio da série Spiderman (Homem-Aranha), persuadiu o perito em eletrônica, Michael Goss, a projetar e manufaturar um dispositivo de monitoramento. Em 1983, o Juiz Love sentenciou o primeiro criminoso a usar o monitoramento eletrônico. A partir de então, a solução foi implementada de tal sorte que, em 1988, havia 2.300 presos monitorados eletronicamente nos Estados Unidos. Dez anos mais tarde (1998), o número de monitorados havia alcançado a impressionante marca de 95.000.[63]

Entendemos que esta medida cautelar deve ser usada com bastante parcimônia[64] e exclusivamente para evitar o encarceramento provisório, mesmo porque, como afirma Denise Provasi Vaz, “ela não é capaz de evidenciar qualquer reiteração criminosa por parte do condenado nem sua eventual falta de adaptação social.” Ademais, “é intuitiva a ideia de que um equipamento atrelado ao corpo em tempo integral afeta o estado psicológico da pessoa e impede a superação da lembrança da má conduta, prejudicando sua readaptação. Constitui, ainda, forma de cumprimento de pena incidente sobre o próprio corpo do condenado.”[65]

A propósito, estudando o monitoramente eletrônico no Canadá, Marion Vacheret e Josiane Gendrou concluíram negativamente em relação à sua adoção naquele País. Segundo elas, “a visibilidade de mídia desta medida é desproporcionada em relação ao lugar que ela ocupa no plano penal. Do mesmo modo, o seu valor acrescentado é extremamente limitado senão inexistente em razão da sua ausência de impacto tanto nas taxas de encarceramento como sobre a reincidência”.[66]

François Fevrier, ao analisar a medida no sistema francês, adverte-nos que “a aplicação de um dispositivo de monitoramente eletrônico requer certamente uma reflexão ética e social prévia; pressupõe, além disso, uma definição muito clara dos objetivos de política penal e penitenciária para acompanhamentos, o seu nível de satisfação esperado bem como os seus efeitos perversos.[67]

Estudando esta mesma medida nos Estados Unidos, Steven W. Becker, afirma: “Se o monitoramento eletrônico for escolhido como uma opção deve ser empregado com o consentimento do detento, pois ele pode ter uma carga substancial de invasão, estigma e potenciais riscos de saúde, dependendo do dispositivo de monitoramento usado. (…) embora a tecnologia possa fornecer à Polícia ferramentas novas e eficientes na luta contra o crime, tais inovações também são sujeitas a abuso no sistema de justiça penal, como demonstrado pelos exemplos dos Estados Unidos. Espera-se que essas experiências sirvam como aviso, assim como uma ajuda, para se moldar soluções sensatas e práticas para o desafio do monitoramento eletrônico no Brasil.[68]

Analisando o monitoramento eletrônico em Portugal, Nuno Caiado faz as seguintes (e oportunas) considerações:

Considero que o ME é eticamente aceitável e viável, não acarretando problemas insolúveis, desde que sejam observados alguns princípios. O ME deve ser melhor compreendido: ele não é uma pena ou finalidade em si mesmo, mas uma tecnologia e instrumento de uma estratégia que pode ser de mero controlo ou, o que seria mais interessante, ao serviço da reabilitação do delinquente pressupondo a existência de um seguimento do caso. Por outro lado, não deve ser confundido com grilhetas ou algemas porque o dispositivo eletrônico não produz incapacitação mecânica ou física do corpo do vigiado, não impede a sua mobilidade. O ME deve estar estrategicamente orientado para a reinserção social do delinquente e o bem comum, e ser adequadamente concebido, planeado, implementado, monitorizado e avaliado. O ME deve estar claramente previsto na lei, em legislação substantiva e regulamentar: a lei deve prever o modo e oportunidade de utilização pelos tribunais e a regulamentação da sua execução pelos serviços. O ME deve ter legitimação judicial: implicando a compressão de direitos, é mais prudente que sejam os tribunais a decidir da liberdade ou do seu condicionamento, ampliando a legitimidade das decisões. O ME deve respeitar os direitos humanos: o condicionamento ou modificação da liberdade da pessoal vigiada não implica perca de dignidade. Tratamento desumano, estigmatização, exposição pública ou humilhação são matérias que não podem ser associadas a qualquer pena e, consequentemente, também às penas ou medidas com ME. O ME deve ser usado de modo proporcional: a intensidade do controlo deve ser adequada à necessidade e esta deve determinar a tecnologia mais adequada (consoante a finalidade, existem tecnologias diferentes); a proporcionalidade deve estender-se à fase de execução, devendo a intervenção corrente ou para repor a normalidade em caso de incumprimento respeitar as necessidades e não as ultrapassar. O ME deve requerer o consentimento do vigiado, o que não significa um reforço do delinquente mas antes um pacto de responsabilização; o consentimento plasma um compromisso na cooperação para a boa execução da pena ou medida. No âmbito das penas, a responsabilização é uma chave de sucesso. O ME deve incluir um investimento na relação com o vigiado: a frieza do seu controlo e o risco de coisificação precisam ser compensados por uma relação significativa que permita um empowerment na responsabilidade e mudança de comportamento. Isto pressupõe a existência de pessoal qualificado e treinado para a prevenção da reincidência. O ME deve ter evitar a estigmatização do vigiado; mas situações em que a visibilidade de um dispositivo eletrônico é irresolúvel obrigam a um outro ângulo de abordagem. O ME deve ser equacionado em termos relativos, como alternativa ao encarceramento, cuja estigmatização é – julga-se ser afirmação pacífica – muito superior. Por outro lado, a tomada de conhecimento da comunidade da existência de pessoas sujeitas à justiça penal que circulam, de modo vigiado e limitado, será um modo de a própria comunidade participar ou integrar a realização da justiça, repudiando a prisão prolongada e generalizada. Ainda assim, poderão subsistir reservas de natureza ética sobre o ME. Antecipo duas delas, porventura as mais comuns, e procuro responder-lhes. A primeira é de cariz ideológico: o ME é mais uma intromissão do Estado, mais um instrumento de controlo sobre a vida dos cidadãos. Esta linha de pensamento, popular nos comentários a notícias na net, parece decorrer mais da história do que da realidade actual: a América Latina sofreu horríveis ditaduras militares na segunda metade do séc. XX em que a função repressiva dos poderes públicos se sobrepunha à promoção do bem comum; mas hoje, o Estado democrático, embora não isento de críticas, é uma realidade política, sociológica e jurídica bem distinta. Por outro lado, os cidadãos, sem nunca o deixar de o ser (e por isso devem manter a dignidade), são monitorizados numa outra condição que é a objecto da justiça penal. A segunda é sobre o medo da tecnologia: o ME é o big brother. Este argumento subsiste na ignorância das funcionalidades das tecnologias que, nas versões mais intrusivas, não vão além do conhecer a posição de um vigiado no espaço público ou a sua permanência na habitação. Porque não pode a justiça adoptar mecanismos da sociedade telemática em que todos vivemos e dos quais generalizadamente dependemos?”[69]

Certamente que a monitoração eletrônica será mais usualmente uma medida cautelar a ser aplicada cumulativamente com outras, servindo exatamente para a fiscalização do cumprimento destas, como, por exemplo, a proibição de frequentar determinados lugares, de se ausentar da Comarca, etc.

Analisando a utilização do monitoramento eletrônico, ainda que a questão envolvesse a execução da pena (saída temporária), por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou seguimento a pedido de Habeas Corpus (HC 109101) impetrado em favor de um condenado que pretendia usufruir do benefício da saída temporária de Natal e Ano Novo sem utilizar a tornozeleira eletrônica. Na oportunidade, o Ministro Celso de Mello ressaltou que “o poder público, na impossibilidade material de colocar um agente estatal em cada situação, simplesmente se vale de um meio que, no fundo, longe de afetar o princípio da dignidade da pessoa, representa um notável avanço no plano da atenuação dos rigores com que as penas em nosso país são executadas. O benefício aqui é evidente”. O Ministro Gilmar Mendes concordou. “Também não compartilho da ideia de que estamos diante de uma flagrante ilegalidade, antes pelo contrário, creio que se trata de um progresso na linha de uma humanização, com um mínimo de segurança (para a sociedade)”, disse. “É uma solução hoje adotada nos países mais avançados do ponto de vista democrático. Daquela bola de ferro com a corrente que os presos arrastavam até a tornozeleira eletrônica houve um importante avanço”, acrescentou o Ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo.

Em relação a estas medidas cautelares, entendemos que uma observação deve ser feita: como é possível a decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento injustificado de outra medida cautelar, é perfeitamente cabível a utilização do habeas corpus para combater uma decisão que a aplicou. Como se sabe, o habeas corpus deve ser também conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Logo, se a medida cautelar foi abusiva (não necessária), cabível a utilização do habeas corpus que visa a tutelar a liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica sobre a matéria, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”[70]

Para Celso Ribeiro Bastos “o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”[71] Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.

 

Neste sentido, entendendo que o valor da fiança arbitrada pela juíza da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Jales era elevado, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedendo uma ordem de Habeas Corpus, reduziu o valor em quase 85%., entendendo que a medida cautelar, da maneira como fixada, não atendia aos parâmetros legais. (Revista Consultor Jurídico, em 17 de outubro de 2013).

E se o acusado ou indiciado for pessoa jurídica? O cabimento será, evidentemente, o Mandado de Segurança contra o ato jurisdicional (mutatis mutandis, veja-se o Enunciado 693 da súmula do Supremo Tribunal Federal).

 

Questão interessante é a da detração penal em caso de cumprimento de medida cautelar diversa da prisão provisória, da internação provisória ou da prisão domiciliar. Neste aspecto, Pierpaolo Cruz Bottinio afirma que “a previsão de novas medidas cautelares, diferentes da prisão, apresenta situações inéditas sobre a detração. (…) Aqui seria adequada ao menos de uma compensação, um desconto na pena de prazo ao menos proporcional à gravidade da cautelar aplicada.”[72] Para estes casos, entendemos cabível, por analogia in bonam partem, a aplicação dos arts. 8º. e 66 do Código Penal, servindo o cumprimento da medida cautelar como causa obrigatória da atenuação da pena, quando não possível a sua compensação nos termos do art. 42 do Código Penal.

O Capítulo VI continua a tratar da liberdade provisória, com ou sem fiança. Neste Capítulo foram modificados os arts. 321 a 325, os arts. 334 a 337 e o art. 341, os arts. 343 a 346, além do art. 350.

Dispõe o primeiro dos artigos que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva (e não tendo sido o caso de relaxamento da prisão), o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código (acima referidas) e observados os critérios constantes do art. 282. Aqui, extingue-se a possibilidade da concessão da liberdade provisória sem fiança e sem qualquer obrigação para o indiciado ou acusado (por ser o crime inafiançável e não caber a prisão preventiva). Ademais, para a concessão da liberdade provisória dispensa-se, com acerto, a oitiva prévia do Ministério Público (a celeridade ínsita a esta decisão não se coadunaria mesmo com qualquer dilação; nada obstante, a intimação da decisão ao parquet impõe-se, inclusive para efeito de recurso ou mesmo utilização do habeas corpus).

Pela nova disposição do art. 322, a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos; nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas. Caso a autoridade policial recuse ou retarde a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o Juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas. Observa-se que o art. 335 dá ao preso, neste último caso, capacidade postulatória para requerer diretamente ao Juiz o arbitramento de fiança, quando tal medida foi negada (ou houve demora) pela autoridade policial. Evidentemente que, nada obstante se tratar de ato postulatório perante autoridade judiciária, justifica-se excepcionar-se o art. 1º., I do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº. 8.906/94), tendo em vista cuidar-se de medida urgente que visa a obstar uma prisão provisória desnecessária. Aqui, deve prevalecer o princípio do favor libertatis.

A lei estabelece como crimes inafiançáveis, em consonância com a Constituição Federal, os crimes de racismo (apenas os previstos na Lei nº. 7.716/89, também imprescritíveis, e não aquele tipificado no art. 140, § 3º., do Código Penal – a chamada injúria com preconceito), de tortura (Lei nº. 9.455/97), o tráfico ilícito de drogas (Lei nº. 11.343/06), o terrorismo (art. 20 da Lei nº. 7.170/83), os hediondos (Lei 8.072/90) e os cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (estes também imprescritíveis e tipificados na Lei de Segurança Nacional – Lei nº. 7.170/83). Ademais, independentemente do crime praticado, não será, igualmente, concedida fiança: a) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 (ver adiante); b) em caso de prisão civil (alimentante faltoso); c) em caso de prisão militar; d) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). Obviamente que, com estas novas disposições legais, considerar-se-ão imediatamente revogadas quaisquer outras hipóteses legais de inafiançabilidade anteriormente previstas, à luz do disposto no art. 2º., § 1º., da Lei nº. 12.376/2010 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.  

Deve-se atentar para o fato de que a inafiançabilidade (por si só) não impede a liberdade provisória (cumulada com outra medida cautelar ou mesmo vinculada ao comparecimento a todos os atos do processo), pois o que a Constituição proíbe expressamente é a fiança e não a liberdade provisória (ao contrário, exige-a quando cabível!). Assim, nada obstante tratar-se de crime inafiançável, nada obsta que o Juiz, vislumbrando não estarem presentes os requisitos da prisão preventiva, conceda a liberdade provisória (sem fiança obviamente), sujeitando o beneficiado a cumprir outra medida cautelar ou vinculando-o a comparecer a todos os atos do processo que não impliquem em ofensa ao seu direito ao silêncio e ao de não auto-incriminação.

O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder entre um a cem salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos e de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Nada obstante tais limites, se assim o recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá (inclusive pela autoridade policial) ser dispensada na hipótese do art. 350 (ver adiante), ser reduzida até o máximo de dois terços ou ser aumentada em até mil vezes. É preciso atentar, no entanto, que “a fiança, por força de sua natureza jurídica cautelar diversa das restritivas de liberdade, deve ser utilizada pelas autoridades policial e jurisdicional como medida alternativa à prisão, e não como antecipação de tutela penal. (…) A análise restringiu-se ao microssistema da preventiva, esquecendo o magistrado da principal premissa desse conjunto normativo de necessária aplicabilidade conjunta: os aspectos principiológicos do art. 282 do CPP. Os princípios da adequação e da necessidade, estampados no art. 282 do CPP são as vigas mestras de todo o novo sistema cautelar. (…) É certo que o magistrado leva em conta o valor de uma futura e provável indenização ou ressarcimento ao erário, mas também não pode olvidar de diversos outros fatores legais (novos) e constitucionais (antigos) que precisa ponderar, como, p.ex. a substituição da prisão preventiva mesmo quando presentes os seus requisitos e a presunção do estado de inocência. O magistrado, diante da nova lei e sob a vigilância constitucional, deve fundamentar uma decisão em habeas corpus da seguinte forma: se a decisão que mandou prender preventivamente está frágil e sem fundamentação razoável, deve-se, por imperativo constitucional, revogar essa prisão sem estabelecer nenhuma condição para isso. Porém, se estiverem demonstrados os requisitos do art. 312, o magistrado deve reconhecer essa existência, demonstrar que poderia julgar pela manutenção da prisão, mas dar como medida cautelar alternativa o pagamento de uma fiança razoável, ou qualquer outro dispositivo cautelar presente nos arts. 319 e 320 do CPP, expedindo-se alvará de soltura após a audiência em 1.ª instância para fixar as medidas cautelares. (…) Direito esse que deve ser exercido em casos semelhantes, principalmente se o valor da fiança exceder o razoável e prejudicar a devolução da liberdade do acusado, postulando pela restituição da parcela abusiva da quantia arbitrada, ou sua total substituição por outra medida que não impeça o direito de locomoção do indivíduo.[73]

A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória (inclusive na própria sentença condenatória, nos termos do parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal).

Determina-se como finalidade da fiança (o dinheiro ou objetos dados) o pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado, mesmo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110, Código Penal). Observa-se, contudo, que decretada a extinção da punibilidade após a sentença condenatória, a fiança prestar-se-á, tão somente, para o pagamento de custas eventualmente devidas e ao pagamento da indenização do dano, pois a multa e a prestação pecuniária, como sanções penais que são, evidentemente estarão atingidas também pela prescrição ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade.

Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal), com a ressalva acima feita em relação à pena de multa e de prestação pecuniária.

Considerar-se-á quebrada a fiança quando o acusado, regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; quando deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo ou descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança (nestes casos, será possível que, além da quebra da fiança, seja decretada, concomitantemente, a prisão preventiva, nos termos acima indicados); se resistir injustificadamente a ordem judicial ou, por fim, se vier a praticar nova infração penal dolosa (não crime culposo).  Neste caso, caso seja injustificado o quebramento, o acusado perderá metade do valor prestado, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. No caso de quebramento de fiança, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena (privativa de liberdade ou restritiva de direitos) definitivamente imposta (ou seja, com trânsito em julgado). Neste caso, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado (inclusive o pagamento da multa ou da prestação pecuniária), o valor da fiança será recolhido ao fundo penitenciário (FUNPEN), na forma da lei.

Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória (sem fiança), sujeitando-o, porém, às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do Código (não alterados)[74], além de outras medidas cautelares, se for o caso. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente (ver observação sobre a figura do assistente no processo penal) ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. Neste sentido, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus nº. 238956, entendeu ser ilegal o a decisão que condiciona a liberdade provisória ao pagamento de fiança fixada em valor superior à capacidade de pagamento dos presos. E com este entendimento, concedeu a ordem pleiteada, isentando dois moradores de rua do pagamento de fiança para serem libertados. No caso os réus foram presos em flagrante por furto qualificado, ao arrombar e furtar objetos de uma banca de jornais. Diante desta situação os indivíduos tiveram a fiança arbitrada em um salário mínimo e a liberdade condicionada ao comparecimento aos atos processuais, proibição de ausentar-se da comarca e monitoramento eletrônico. Diante desta decisão, a Defensoria impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou o pedido. Assim, foi impetrado o HC no STJ, que ao analisar o caso considerou que o princípio da proporcionalidade não foi observado, uma vez que o valor da fiança não condizia com as reais possibilidades financeiras dos réus. Deste modo, a Sexta Turma, por unanimidade, concedeu o pedido, libertando os acusados que são primários e de bons antecedentes, mantendo, porém, as demais condições estipuladas em primeiro grau. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma isenta moradores de rua do pagamento de fiança, em 13 de jun. 2012. Disponível:http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106031 Acesso em: 13 de jun. 2012).

É preciso, no entanto, que interpretemos este dispositivo à luz do direito ao silêncio (constitucionalmente assegurado) e o de não auto-incriminação, ou seja, é possível que o não comparecimento do réu ou indiciado deva-se ao seu direito de não produzir prova contra si mesmo, opção que, obviamente, não poderá prejudicá-lo (não comparecer a uma acareação ou a um reconhecimento de pessoa, por exemplo). Neste sentido, conferir o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92, assim como o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

Finalizando, devemos observar que as novas disposições legais inserem-se naquele rol das leis processuais penais materiais, razão pela qual, quanto à sua aplicação no tempo, não devemos aplicar em todos os processos pendentes a regra estabelecida no art. 2º., do Código de Processo Penal (tempus regit actum), e sim observar o disposto no art. 2º., da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e o art. 2º., do Código Penal.

Neste sentido, veja-se que há duas regras que regem o direito intertemporal das leisemmatéria criminal: o primeiro afirma que a leipenalnão retroage salvoparabeneficiar o réu (art. 2°., parágrafoúnico do CódigoPenal e art. 5°., XL da ConstituiçãoFederal). Se é certoque a regra é a da irretroatividade da leipenal, e isto ocorre por uma questão de segurança jurídico-social, não há de se olvidar a exceção de que se a leipenal for de qualquermodomaisbenéficapara o seudestinatário, forçosamente deverá ser aplicada aos casospretéritos, retroagindo.

Esta regra insere-se no Título dos Direitos e GarantiasFundamentais da nossaCartaMagna e, comogarantiafundamental, tem força vinculante, “no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos”, como afirma Perez Luño[75], tendo também uma conotação imperativa, “porque dotada  de caráter jurídico-positivo”.[76]

 

A segunda regra é a da aplicaçãoimediata da lei processual penal, preconizado pelo art. 2°. do Código de ProcessoPenal e queproclama a regra da aplicaçãoimediata (tempus regit actum).

 

Desta forma, à vista destas duas regras jurídicas, haveremos de analisar as novas disposições. Para que se manifeste umentendimentocorreto, urge que procuremos definir a naturezajurídica das novas normas: seriam elas de naturezapuramente processual ou, tão-somente, penais; ou híbridas (penal e processual)? Admitindo-se a naturezapuramente processual, obviamente não há falar-se em irretroatividade ou ultratividade; porém, se aceitarmos quesãonormas processuais penaismateriais (ou híbridas), a ultratividade dos artigos revogados e a irretroatividade da novalei impõe-se, pois, indiscutivelmente, sendo disposiçãomais gravosa deve excepcionar a regra da aplicaçãoimediata da lei processual penal.

 

Atentemos que quaisquer normas que tratem de relativizar o princípio da presunção de inocência (admitindo a prisão provisória) e que tratem de medidas cautelares em matéria penal dizem respeito ao Direito Constitucional. Nestas condições, ditas normasnãosãopuramente processuais (ouformais, técnicas), mas processuais penaismateriais.

 

O juristalusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, apósafirmarque “está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material – que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais”, adverte que dentro de uma visão de “hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”[77]

 

Taipa de Carvalho explica quetaisnormas de naturezamista (designação também usada porele), “embora processuais, são também plenamente materiais ou substantivas.”[78]

 

Informa, ainda, o mestreportuguêsque o alemão Klaus Tiedemann “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais”, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur.[79]

 

Feitas taisconsiderações, lembra-se que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni.[80]

 

A propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano: “Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. Sirva de exemplo a querela: direito de queixa é substantivo; processo da queixa é adjetivo; segundo uma e outra hipótese orienta-se a aplicação do Direito Intertemporal. O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material.”[81]

 

Comentando a respeito das normas de carátermisto, assimjá se pronunciou Rogério Lauria Tucci: “Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, – estas excepcionais por natureza.”[82]

Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.[83]

 

Não é apenas o fato de uma norma está contida em um Código de Processo Penal que a sua natureza será estritamente processual (e dever ser aplicada a regra do tempus regit actum). Como afirmava Vicenzo Manzini, “estar uma norma comprendida en el Código de procedimiento penal o en el Código penal no basta para calificarla, respectivamente, como norma de derecho procesal o de derecho material.[84]

 

Diante do exposto, entendemos que os novos dispositivos, quando mais gravosos, apenas terão incidênciaemrelaçãoàquelesagentesque praticaram a infraçãopenal posteriormente à entradaemvigor da novalei, atentando-se para o disposto no art. 2º. da Lei de Introdução ao Código de ProcessoPenal e no art. 2º. do Código Penal[85], considerando “que a natureza processual de uma lei não depende do corpo de disposições em que esteja inserida, mas sim de seu conteúdo próprio.[86] Se mais benéficos devem ser imediatamente aplicados, inclusive em relação aos processos relativos a crimes praticados anteriormente à vigência da lei nova. Neste caso, como já afirmamos no início deste trabalho, não deve ser respeitado, sequer, o período da vacatio legis.

 

Ressalva-se, apenas, a coisa julgada comolimitelógico e natural de tudoquanto foi dito, pois se já houve o trânsitoem julgado, não pode se cogitar de retroatividade para o seu desfazimento, pois neste casojá há umprocesso findo, além do que, contendo a normacarátertambém processual, sópoderiaatingirprocessonão encerrado, ao contrário do que ocorreria se se tratasse de leipuramentepenal (lex nova que, por exemplo, diminuísse a pena ou deixasse de considerar determinado fato como criminoso), hipóteses em que seria atingido, inclusive, o trânsito em julgado, por força do art. 2º., parágrafo único do Código Penal[87].

 

Enfrentando esta questão, o SupremoTribunalFederal decidiu que, tratando-se “de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal.” (STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01).

 

Aliás, além das medidas cautelares (aplicadas durante a investigação criminal ou o processo penal), melhor seria que incrementássemos as penas alternativas.          A propósito, coordenei uma pesquisa feita pela Universidade Salvador-UNIFACS, por seu Departamento de Ciências Sociais Aplicadas II, através da Coordenação do Curso de Direito, tendo à frente o Professor Adroaldo Leão, bem como o Professor Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho, Coordenador do Centro de Pesquisas Jurídicas. A pesquisa teve, ainda, a participação estudantil dos alunos Leopoldo João Carrilho, Jorge Antônio B. Torres Júnior e Carolina Ferreira C. da Silva.

 

Antes dos resultados obtidos, o texto versou sobrequestões teóricas a respeito das penasalternativas à penaprivativa de liberdade, semperder de vista, no entanto, os dados empiricamente obtidos com as respostas dos nossosoperadores do Direito. Tentou-se fazer, então, umdiagnóstico do nossosistemapenal, de suapretensaeficiência e das verdadeiras causas da violênciaque assola o nossoPaís, procurando estabelecer uma visãocrítica a respeito da ideia de se conceber o Direito Criminal comoverdadeirogarantidor da pazsocial, e do encarceramento comoefetivomeio de combate à criminalidade de pequenooumédiopotencial.     Ao final, mostrou-se comdadosestatísticos as conclusões extraídas do quenos foi informado poraquelesque no dia a dia trabalham com a questão da criminalidade e da punição.

 

                                                           Com a promulgação peloGovernoFederal da Lei n.º 9.714/98, de 25 de novembro, foram ampliadas as hipóteses das penas restritivas de direitosemnossalegislaçãopenal, prevendo-se maisquatrotipos de penas, além daquelas já existentes, quais sejam: a prestação de serviços a entidades públicas, a prestaçãopecuniáriaou de outranatureza e a perda de bens e valores. Com a novalei, contamos hoje, então, com as seguintespenasalternativas à pena de prisão: prestaçãopecuniária (ou de outranatureza, se o beneficiárioassim o aceitar), perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidadeou a entidades públicas, interdiçãotemporária de direitos (que se subdivide emproibição do exercício de cargo, funçãoouatividadepública, bemcomo de mandatoeletivo; proibição do exercício de profissão, atividadeouofícioque dependam de habilitaçãoespecial, de licençaou autorização do poderpúblico; suspensão de autorização ouhabilitaçãoparadirigirveículo e proibição de frequentar determinadoslugares), limitação de fim de semana e a multasubstitutiva.

 

Vê-se que o modeloclássico de JustiçaPenal, fundado na crença de que a penaprivativa de liberdade seria suficientepara, porsisó, resolver a questão da violência, vem cedendo espaçoparaumnovomodelopenal, estebaseado na ideia da prisãocomoextrema ratio e quesó se justificaria paracasos de efetivagravidade.

 

Passa-se gradativamente de uma políticapaleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora, traduzida em leis como a que ora nos referimos ou como a que criou os Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95).[88]

 

Hoje, portanto, aindaque o nossosistemapenal privilegie induvidosamente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da prisão), o certo é que a tendência mundial de alternativizar estemodeloclássico vem penetrando no Brasil e tomando forçaentre os nossosmelhores doutrinadores. Penalistas pátrios consagrados comoLuiz Flávio Gomes, Cezar Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, e tantosoutros, já se debruçaram sobre a matéria. Esteúltimo, aliás, lembrando Ferri, afirma que “a luta contra os excessos do poder punitivo não é recente. Ela é apenas reafirmada em atenção às novas perspectivas de causas antigas.”[89]

 

Nadaobstante, se do ponto de vistateórico há trabalhosjá publicados (vide, adiante, bibliografia indicada), o certo é quenão se tem, sob o aspectoprático, uma noçãoexataquanto à aplicação das penasalternativas (incluindo a multa), é dizer, não se sabe ao certo se taispenassãoefetivamente aplicadas pelosnossos Juízes criminais.[90]Umtrabalho de pesquisacomo o que foi feito é de fundamentalimportânciapara se aferir a realconcreção da lei na vidaprática do cidadão, dos pequeno e médioinfratores. Neste sentido, além de importante, a idéia foi, sobretudo, original.

 

As respostas enviadas à Universidadepelosnossosoperadores do Direito (membros da Magistratura e do MinistérioPúblico), através de umminuciosoquestionário (videANEXO), demonstrou a importância e o êxito do projeto a partir da verificaçãoempírica a respeito da aplicação das penasalternativasemnossoEstado.

O trabalho de pesquisa teve comoobjetivocentralidentificar o quadro de aplicação das penasalternativas na Bahia e comoobjetivosespecíficosavaliarquantitativamentequal o nível de aplicação de taispenaspornossaJustiça criminal, saberqual a opinião a respeito delas, vislumbrar a perspectivapara o futuro, no que concerne, evidentemente, à prática destas medidasemnossocotidianoforense e determinarquais as principaisespécies de penasquesãoou seriam aplicadas oupropostaspelosMagistrados e pelosmembros do MinistérioPúblico. O objeto da pesquisa foi a aplicabilidade das penasalternativas na Bahia e a suaimportância na administração da Justiça criminal.

 

Eis, portanto, a importância do tema, da pesquisa e de suasconclusões. A Universidadenão pode ficaralheia às transformações sociais e às consequentes mudanças na estrutura do Direito. A comunidadeacadêmica, além de acompanhartais mudanças, deve procuraridentificar os seusdiversosaspectos.[91]

 

A metodologia utilizada na pesquisa foi a remessa de questionários, através de umsistema de amostragem. A população estudada compõe-se de Juízes de Direito (da JustiçaComum Estadual e da Federal, bemcomo os Desembargadores) e membros do MinistérioPúblico (Promotores, Procuradores de Justiça e da República), emnúmero de aproximadamente 800 unidades amostrais, obtendo-se umretornoentre 12%. O questionário foi elaborado tendo emvista os objetivos e o objeto da pesquisaacimaexpostos. A pesquisa iniciou-se com o envio do questionário e prosseguiu com a análise das respostas obtidas, a fim de que pudéssemos ter uma fotografiaexata da matéria.

 

                                                           Antes do advento da Lei n.º 9.714/98, o nossoCódigoPenaljá contava comseispenasalternativas substitutivas. Com a novalei, o quadro aumentou e, hoje, contamos comdez. Taissanções, como se disse acima, visam a substituir a penaprivativa de liberdadequandonãosuperior a quatroanos (excluídos os crimes cometidos comviolênciaougraveameaça à pessoa) ou, qualquerque seja a pena, quando o crime for culposo; ressalta-se que o réureincidenteemcrimedolosonão terá o direito, bemcomoaquelecuja culpabilidade, os antecedentes, a condutaoupersonalidade, os motivos e as circunstânciasnão o indicarem.

 

Segundo Luiz Flávio Gomes[92], a lei tinha, dentreoutros, os seguintespropósitos:

 

1) Diminuir a superlotação dos presídios, semperder de vista a eficácia preventiva geral e especial da pena;

 

2) Reduzir os custos do sistema penitenciário;

 

3) Favorecer a ressocialização do autor do fato pelas viasalternativas, evitando-se o perniciosocontato carcerário, bemcomo a decorrente estigmatização;

 

4) Reduzir a reincidência;

 

5) Preservar, semprequepossível, a vítima.

 

É indiscutívelque a pena de prisãoemtodo o mundopassapor uma crisesem precedentes. A idéia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principalresposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional[93], comopensa Cezar Roberto Bitencourt. Urge, pois, que encontremos uma soluçãointermediáriaquenão privilegie o cárcere, nem espalhe a idéia da impunidade. Parece-nos que esta solução se encontraexatamente nas penasalternativas.

 

É induvidoso que o cárcere deve ser concebido comoúltimaviapara a problemática da violência, poisnão é, nunca foi e jamais será soluçãopossívelpara a segurançapública de umpovo.

 

É de Hulsman a seguinte afirmação: “Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Nos vemos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinqüente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.”[94]

 

O própriosistema carcerário brasileiro revela o quadrosocialreinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de todaordem, basicamente aquelesindivíduosbanidospeloinjusto e selvagemsistemaeconômico no qual vivemos; o nossosistema carcerário está repleto de pobres e istonão é, evidentemente, uma “meracoincidência”. Ao contrário: o sistemapenal, repressivoporsuapróprianatureza, atinge tão-somente a classepobre da sociedade. Suaeficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceçõesque conhecemos apenas confirmam a regra.

 

E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condiçõesmínimas de vida (como, porexemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e ao caminho do crime, comotambém o levam a doença, a fome e a ausência de educação na infância. Assim, aqueleque foi privadodurantetoda a suavida (principalmente no seuinício) dessas mínimascondições estaria maispropenso ao cometimento do delito, pelosimplesfato de nãohaverparaelequalqueroutraopção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas, apenas confirmam a regra.

 

Aliás, a esserespeito, há uma opiniãobastante interessante de uma JuízaMilitarFederal, Drª. Maria Lúcia Karam, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.[95]

 

De formaqueessequadro socioeconômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiçassociais, leva a muitosoutros questionamentos, comoporexemplo: paraque serve o nossosistemapenal? A quemsão dirigidos os sistemasrepressivo e punitivobrasileiros? E o sistema penitenciário é administrado paraquem? E, porfim, a segurançapública é, efetivamente, apenasumcaso de polícia?

 

Ao longo dos anos a ineficiência da pena de prisão na tutela da segurançapública se mostrou de talformaclaraquechega a serdifícilqualquercontestação a respeito. EmnossoPaís, porexemplo, muitas leispenaispuramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimeshediondos, a prisãotemporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempreparasatisfazer a opiniãopública (previamente manipulada pelosmeios de comunicação), semque se atente para a boa técnicalegislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento comobasepara a repressão.

 

Assim, porexemplo, ao comentar a lei dos crimeshediondos, Alberto Silva Franco afirma queela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.[96]Querer, portanto, que a aplicação da pena de privação da liberdade resolva a questão da segurançapública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penasmais duradouras oumais cruéis… Vale a penacitar o grandeadvogado Evandro Lins e Silva, que diz:

 

Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.[97] O mesmo jurista, Ministro aposentado do STF, em outra oportunidade afirmou: “precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator (…). Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.”

 

A misériaeconômica e cultural emque vivemos é, semdúvida, a responsávelporestealtoíndice de violência existente hojeemnossasociedade; talfato se mostramaisevidente (e maischocante) quando se constata o númeroimpressionante de crianças e adolescentesinfratoresquejá convivem, desdecedo e lado a lado, comumsistema de vida diferenciado de qualquerparâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependência de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absolutodesprezopelavidahumana (inclusivepelaprópria), no ódio e na revolta. Para Vico Mañas, é preciso “despertar a atenção para a relevante questão do adolescente infrator, conscientes de que, enquanto não se estabelecer eficaz e efetiva política pública de enfrentamento dos problemas verificados nessa área, será inútil continuar punindo a população adulta, como também continuará sendo inútil, para os juristas, a construção de seus belos sistemas teóricos”.[98] A nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado.[99]

 

Hoje, o homemque cumpre uma penaou de qualqueroutramaneiradeixa o cárcereencontradiante de si a tristerealidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativasquenão o acolhimentopelosseusantigoscompanheiros; estehomem é, emverdade, umser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (sónãovolta se morrer).

Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: “Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação.” (Folha de São Paulo, 06/06/2005).

O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen avalia que “se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas -, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser ‘sentida’ em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.[100]

Vale a penacitar, mais uma vez, Lins e Silva, pelaautoridade de quem, ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia criminal brasileira e a magistraturanacional; diz ele: “A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão.[101]

 

Ademais, as condiçõesatuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem comque, a partir da ociosidadeemque vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, umsistema de regras próprias no qualnão se respeita a vida, nem a integridadefísica dos companheiros, valendo intra muros a “lei do maisforte”, insusceptível, inclusive, de intervençãooficial de qualquerordem. Neste contexto, surge a necessidade da aplicaçãoefetiva das penasalternativasque impedirá que o autor de uma infraçãopenal de pequenooumédiopotencialofensivo sofra privaçãoemsualiberdade, aplicando-se-lhe uma multaou uma penarestritiva de direitos; talsolução se afigura como a mais adequada sendo, modernamente, utilizada amplamentenossistemaspenaismais evoluídos; através dela, o cometimento de determinadas infraçõespenais é punido de formatalquenãoleve o seuautor a experimentar as agruras de umsistemapenal falido e inoperante.

 

Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, emobraclássica, já afirmava: “Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.”[102]

 

Porsuavez, Marat, emobra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que “es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.”[103]

Atento a esta realidade, o Ministério da Justiça baixou a Portaria nº. 514, de 8 de maio de 2003, subscrita peloMinistro Márcio Thomas Bastos, estabelecendo que o ProgramaNacional de Apoio e Acompanhamento de Penas e MedidasAlternativas, instituído no âmbito da SecretariaNacional de Justiça, tem os seguintesobjetivos: “I – estimular a aplicação e a fiscalização das penas e medidas alternativas em todas as unidades da federação; II – difundir as vantagens das penas e medidas alternativas como instrumentos eficazes de punição e responsabilização; III – desenvolver um modelo nacional de gerenciamento para a aplicação das penas e medidas alternativas; IV – apoiar, institucional e financeiramente, com dotação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional, as iniciativas estaduais de criação de programas de penas e medidas alternativas; V estimular as parcerias entre os operadores do Direito, a comunidade e as autoridades públicas, com vistas à criação de uma rede social de fiscalização das penas e medidas alternativas; VI – capacitar os operadores do Direito, serventuários da Justiça e parceiros sociais na aplicação do modelo de gerenciamento das penas e medidas alternativas; VII – divulgar as experiências bem sucedidas, fomentar sua aplicação em todas as unidades da federação e construir uma base de dados, por meio de um sistema gerencial de acompanhamento dos programas; VIII – estimular a realização de estudos científicos, com vistas ao aprimoramento das normas jurídicas sobre alternativas às medidas não privativas de liberdade; IX estimular a realização de pesquisas de dados a nível nacional para o aprimoramento das intervenções; X – orientar a elaboração de convênios com os Estados para implementação de Centrais Estaduais e Varas de Execução de Penas Alternativas; XI acompanhar e fiscalizar a execução dos convênios celebrados.”

Esta mesmaPortaria criou a “Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, composta de membros nomeados pelo (a) Secretário (a) Nacional de Justiça, indicados e coordenados pelo (a) Gerente da Central Nacional”, competindo-lhe: “I – assessorar a Central Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, do Ministério da Justiça, na implementação e aperfeiçoamento do Programa instituído por esta Portaria; II – assessorar a Central Nacional na fiscalização da execução do Programa nos diversos Estados da Federação; III – reunir-se, no Ministério da Justiça, conforme solicitação da Central Nacional para avaliar e propor novas diretrizes; IV – propor fóruns públicos sobre o Programa; V orientar órgãos e entidades federais, estaduais e municipais, públicos ou privados, na efetivação do Programa, de acordo com as diretrizes definidas no âmbito da Central Nacional.”

 

IV – Resultados para Avaliação da Pesquisa (104 respostas):[104]

 

TABELA I – TEMPO DE FORMADO

 

Anos                                                               Nº.                                                        %

 

0   {—— 6                                                       26                                                     25,00 6   {—— 12                                                    35                                                       33,60

12 {—— 18                                                   21                                                        20,20

18 {—— 24                                                   09                                                        08,70

24 { —– 30                                                   06                                                        05,80

30 {—— 36                                                   05                                                        04,80

36 {—— 42                                                   02                                                        01,90

 

TOTAL —————————————– 104 —————————————100,00

MÉDIA: 12,52 anos                                           

DESVIO PADRÃO: 8,95

 

TABELA II – TEMPO DE MAGISTRATURA / MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Anos                                                           Nº.                                                             %

 

0   {—— 5                                                  44                                                                      42,30 5   {—— 10                                                34                                                           32,70

10 {—— 15                                               12                                                            11,50

15 {—— 20                                               06                                                            05,80

20 { —– 25                                                02                                                            01,90

25 {—— 30                                               02                                                            01,90

30 {—— 35                                               04                                                            03,90

 

TOTAL ————————————– 104 ——————————————100,00

MÉDIA: 7,88 anos                                          

DESVIO PADRÃO: 7,40

 

TABELA III – APLICAÇÃO (MAGISTRATURA) OU PROPOSTA (MINISTÉRIO PÚBLICO) DE PENA ALTERNATIVA

 

Sim ——————————————- 98 ——————————————- 94,2 %

Não ——————————————- 04 ——————————————- 3,90 %

Semresposta ——————————- 02 ——————————————- 1,90 %

 

TOTAL ———————————– 104 ——————————————100,00%

 

 

TABELA IV – ESPÉCIES DE PENAS ALTERNATIVAS APLICADAS OU PROPOSTAS

 

Prestação de Serviço à Comunidade/Entidades Públicas———————92——-93,9%

Prestação Pecuniária—————————————————————37——-37,7%

InterdiçãoTemporária de Direitos———————————————–35——-35,7%

Multa Substitutiva—————————————————————–20——–20,4%

Limitação de Fim de Semana—————————————————-17——–17,3%

Prestação de OutraNatureza (art. 45, § 2º., CP)——————————-15——-15,3%

Sem Resposta———————————————————————–10——-10,2%

Perda de Bens e Valores———————————————————–03——-03,1%

 

TABELA V – ESPÉCIES DE INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS APLICADAS OU PROPOSTAS

 

Proibição de FreqüentarDeterminados Lugares——————————–25——71,4%

SuspensãoparaHabilitaçãoparaDirigir Veículo——————————-12——34,3%

Proibição do Exercício de Cargo————————————————–06——17,1%

Proibição do Exercício de Profissão———————————————-02——05,7%

 

TABELA VI – AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO PARA O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

 

Sim———————————————————————————70———67,3%

Não———————————————————————————24———23,1%

Sim, com ressalvas—————————————————————10———09,6%

 

TOTAL————————————————————————104——–100,00%

 

 

TABELA VII – ESPÉCIES DE PENAS ALTERNATIVAS PREFERIDAS PELA MAGISTRATURA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Prestação de Serviço à Comunidade/Entidades Públicas———————89——-85,6%

Prestação Pecuniária—————————————————————38——-36,5%

InterdiçãoTemporária de Direitos———————————————–29——-27,9%

Multa Substitutiva——————————————————————16——-15,4%

Perda de Bens e Valores———————————————————–16——-15,4%

Prestação de OutraNatureza (art. 45, § 2º., CP)——————————-14——-13,5%

Limitação de Fim de Semana—————————————————–10——-09,6%

Sem Resposta———————————————————————–06——-05,8%

 

TABELA VIII – ESPÉCIES DE INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS PREFERIDAS PELA MAGISTRATURA OU PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Proibição de FreqüentarDeterminados Lugares——————————–17——58,6%

SuspensãoparaHabilitaçãoparaDirigir Veículo——————————-17——58,6%

Proibição do Exercício de Cargo————————————————–17——58,6%

Proibição do Exercício de Profissão———————————————-14——48,3%

 

TABELA IX – EFICÁCIA DA EXECUÇÃO DAS PENASALTERNATIVAS

 

Sim———————————————————————————47———45,2%

Não———————————————————————————37———35,6%

Sim, com ressalvas—————————————————————14———13,4%

Sem resposta———————————————————————-06———05,8%

 

TOTAL————————————————————————104——–100,00%

 

 

 

TABELA X – A REINCIDÊNCIA QUANDO SE CUMPRE PENAALTERNATIVA

 

Não é possível comparar———————————————————-57——-54,8%

A reincidência é menor————————————————————41——-39,4%

Sem resposta————————————————————————04——-03,9%

A reincidência é maior————————————————————-02——-01,9%

 

TOTAL—————————————————————————104—–100,00%

 

A partir dos dados aferidos pelapesquisa e indicados nas tabelasacima colocadas, podemos extrair as seguintesconclusões:

 

A primeiratabela corresponde à segundapergunta do questionário – tempo de formado. Pelaleitura percebemos queaquelesprofissionais formados ematé 18 anos, exclusive, correspondem a 78,8% do total de respostas, ou seja, os maisrecentemente formados foram responsáveispelagrandemaioria das respostas. Os outrosque responderam (21,2%) já eram formados há mais de 18 anos, inclusive. Nota-se, então, uminteressemaior daqueles emrelação ao questionário formulado.

 

A tabela II traduz o resultado obtido com a terceiraindagação, ou seja, o tempo de MinistérioPúblicoou de Magistratura. Aqui, mais uma vez, conclui-se claramenteque os maisjovensprofissionais foram os quemais responderam à pesquisa formulada. Dos 104 que o fizeram, 86,5% estão no Judiciárioou no MinistérioPúblico há menos de 15 anos (exclusive). O restante (13,5%) tem mais de 15 anos (inclusive) na atualprofissão.

 

A tabela III diz respeito à quartapergunta formulada, onde se questionou aos membros do PoderJudiciário se já haviam aplicado e aos membros do MinistérioPúblico se já haviam proposto alguma penaalternativa. Como se atesta pela referida tabela, o resultado foi que a grandemaioria dos quenos responderam afirmaram positivamente, ou seja, quasetodosjá tinham aplicado ou proposto uma penaalternativa (94,2%). Paranósesteresultado traduz induvidosamente uma amplaaceitaçãoporparte dos nossosoperadores do Direitoporestetipo de penalidade, corroborando, então, o queacima foi afirmado quanto à tendênciaatual de se aceitar as penasalternativascomoopção ao encarceramento.

 

A quartatabela tem seu equivalente na quintapergunta do questionário, isto é, entreaquelesque aplicaram ou propuseram taispenas, quais as espéciesporeles escolhidas. Vê-se, então, que das hoje permitidas pelanossalegislação, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a preferida[105]. Ela está prevista no art. 46 e §§ do Código Penal e é aplicável “às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade”, consistindo “na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado” que as cumprirá “em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais”, segundo “as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.”           Como afirma Luiz Flávio Gomes, esta pena é “uma obrigação de fazer algo pessoalmente (in personam actio)”, vendo-se, portanto, “o caráter personalíssimo da prestação de serviços: ninguém pode prestá-lo no lugar do condenado (nenhuma pena, aliás, pode passar da pessoa do delinqüente, consoante o princípio da personalidade da pena – CF, art. 5º., inciso XLV).” Para ele, ademais, é indiscutível a constitucionalidade desta pena, por força do art. 5º., XLVI, d, da CF/88, atentando-se, também, para o fato de que “essa pena restritiva não cria relação empregatícia e tampouco admite o instituto da remição.[106]  Cezar Bitencourt, por sua vez, elenca como características fundamentais desta pena a gratuidade, a aceitação pelo condenado e a sua autêntica utilidade social.[107]

 

Emseguida, com 37,7%, está a prestação pecuniária, prevista nos §§ 1º. e 2º. do art. 45 do Código Penal, diferenciando-se da primeira, pois “esta é uma obrigação de dar (satisfazer); aquela é uma obrigação de fazer algo (em pessoa).”[108] Esta sanção tem como finalidade clara a reparação do dano causado pelo crime[109] e “consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários”.

 

A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região:

 

ACR 23755 – (2003.60.02.000021-2) – 5ªT – REL. HÉLIO NOGUEIRA – DJU2 03.05.2007 – PROC. : 2003.60.02.000021-2 ACR 23755 – ORIG.: 1 Vr PONTA PORA/MS – RELATOR: JUIZ CONV. HÉLIO NOGUEIRA / QUINTA TURMA – Embora admitida a substituição da pena privativa de liberdade, fixada em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, esta deve ser fixada levando em consideração a capacidade econômica da condenada, de modo a não colocar em risco a manutenção de sua subsistência. Pena de prestação pecuniária reduzida.2. A exclusão da pena restritiva de direito, na forma pretendida pela apelante, vai de encontro à Lei, haja vista que o artigo 44, §2º do Código Penal, prevê que a pena privativa de liberdade superior a 01 (hum) ano será substituída por duas penas restritivas de direito ou uma pena de direito ou multa.3. Recurso da defesa parcialmente provido.

 

Logoapós, e muitopróxima, observamos a pena de interdição temporária de direitos (cujas espécies veremos adiante). Depois estão a multa substitutiva, a limitação de fim de semana, a prestação de outra natureza (art. 45, § 2º., CP) e a perda de bens e valores (comdiminutaincidência). Dez deixaram de responder.

 

Como a pena de interdição temporária de direitos é gênero (art. 47, CP), procuramos também aferir quais as suas espécies mais aplicadas ou propostas, concluindo-se que a proibição de frequentar determinados lugares teve ampla maioria, seguindo-se a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo e a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público (conferir tabela V). Para Damásio de Jesus, a proibição de frequentar determinados lugares tem assento constitucional (art. 5º., XLVI, a, CF/88) e “deve ser imposta considerando-se o local do cometimento do crime (bares, estádios esportivos, casas de prostituição, boates, etc.), devendo, outrossim, “a sentença especificar qual o lugar ou lugares proibidos. Pode ser mais de um.”[110]

 

Na tabela VI (originária da perguntasexta) concluímos que 67,3% dos que responderam entendem que as penasalternativassão a soluçãopara o sistemapenalbrasileiro e 23,1% discordam desta assertiva. O restante, 9,6%, concordam, mascom ressalvas; estas dizem respeito, principalmente, à efetivaexecução da penaalternativa aplicada. De todaforma, a grandemaioriaachaque é a soluçãopara o nossosistemapenal (76,9%), aindaquepoucos imponham algumtipo de ressalva.

 

A sétimatabela tem seu equivalente na sétimapergunta: quais as espécies de penasalternativas preferidas pelosprofissionais da Bahia (independentemente de já tê-la proposto ou aplicado)? Mais uma vez, comoera de se esperar, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a preferida com 85,6%.

Emseguida, com 36,5%, estão a prestação pecuniária, a interdição temporária de direitos (cujas espécies veremos adiante), a multa substitutiva, a perda de bens e valores, a prestação de outra natureza (art. 45, § 2º., CP) e a limitação de fim de semana (mais uma vez com pouca incidência). Seis colegas deixaram de responder. Novamente, considerando-se que a pena de interdição temporária de direitos é o gênero, pesquisamos quais as suas espécies preferidas (ainda que não aplicadas ou propostas), concluindo-se que a proibição de freqüentar determinados lugares, a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo tiveram ampla maioria (cada uma com 58,6%), seguindo-se a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público.

 

Já a penúltimatabela diz respeito à eficácia da execução de taispenasemnossoEstado. De todos os inquiridos, a maioria (58,6%) afirmou que a penaalternativa é eficazmente executada (destes, 13,4%, fizeram algumtipo de ressalva, principalmentequanto às dificuldades na fiscalização peloJuízocompetente). Grandeparte (35,6%) achaque a execução é ineficaz e seispessoasnão responderam.

 

Porfim, ao perguntarmos se a reincidência é maioroumenorquando se aplica uma penaalternativa, a maioria disse nãoserpossívelcompararounão respondeu (58,7%); dos queefetivamente responderam, 39,4% afirmaram que a reincidência é menor e apenas 1,9% dos questionados disseram queeramaior, mostrando, portanto, quequandonão se leva o indivíduo ao cárcere se consegue commaissucesso a tão desejada ressocialização do autor de umcrime, evitando-se que volte a delinqüir.

 

De tudoquantoexposto, podemos concluirque as penasalternativas têm uma boa aceitaçãoentre os operadores do Direito no Estado da Bahia (principalmente os maisjovens), carecendo, apenas, de meiosmaiseficazesquando da respectivaexecução.

 

Pensamos, destarte, que os objetivos da pesquisa foram conseguidos, pois pudemos retratarcomfidelidade o pensamento de nossos Juízes e membros do MinistérioPúblico. Ressaltamos quehoje, já transcorridos alguns anosdesde a realização da pesquisa, vejamos o que pensam doismagistrados da Vara de ExecuçõesPenais do Estado da Bahia a respeito das penasalternativas:

 

Segundo dados do Ministério da Justiça, publicados na Revista Veja (Editora Abril, edição 2022, nº. 33, de 22/08/2007), em 1995 havia 80.000 condenados cumprindo penas alternativas; este número elevou-se, em 2006, para 301.500. Segundo a mesma fonte, o número de condenados que cumprem penas alternativas já representa 75% do total de presos. Os delitos mais comuns cujos condenados estão cumprindo tais penas são: crimes contra a honra, “pequenos furtos”, “atropelamentos”, alguns tipos de estelionato, uso de drogas e lesões corporais leves. Na matéria jornalística, informa-se que “foram criados mais de 200 núcleos para fiscalizar o cumprimento dessas penas. Em 1995, eram só quatro.”

 

Veja esta notícia publicada pela Agência Estado, no dia 24 de julho de 2008: “Pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo penas e medidas alternativas no Brasil disparou em relação aos presos. Os dados, não consolidados oficialmente, foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo com exclusividade e se referem ao primeiro semestre deste ano. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida em liberdade (PMA), 13,4% a mais dos que os 439.737 encarcerados, segundo dados do Infopen, sistema de estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Caso se exclua quem aguarda julgamento atrás das grades, o número dos que cumprem alternativas é 118,6% maior. Só o Rio Grande do Norte não informou o número de presos até junho. Nesse caso, foram usados os dados disponíveis em 31 de maio. Como se trata de um Estado com menos de 1% dos detentos, isso não interfere de forma significativa nas estatísticas. Em dezembro de 2007, havia 422.522 pessoas cumprindo penas alternativas, menos do que os 423.373 presos. Entre dezembro de 2007 e o fim de junho de 2008, o número de pessoas cumprindo PMAs saltou 18% – ante 4,1% no número de presos. Em comparação com 2006, o salto é ainda maior: 65,5% em relação aos que cumpriam PMAs – ante 9,6% dos detentos. Apesar dos avanços, a coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Depen, Márcia de Alencar, diz que a Justiça brasileira ainda prende em demasia. Segundo ela, há pelo menos 54 mil presos condenados por crimes que já prevêem a substituição da condenação em cárcere por penas alternativas. Segundo ela, o aumento no número de pessoas cumprindo condenação em liberdade se deu, “prioritariamente, por um incremento legal dos crimes passíveis de penas alternativas”. Em 2002, apenas cinco leis tipificavam crimes com possibilidade de aplicar PMAs. “Hoje, o número de leis para aplicação de PMAs chega a 12.”

 

A  N  E  X  O

 

Q U E S T I O N Á R I O   (I):

 

1º.) Nome:——————————————————————————(facultativo)

2º.) Tempo de formado:——————————————————————–(anos)

3º.) Tempo de Magistratura:————————————————————–(anos)

4º.) aplicou alguma pena alternativa?

Sim (      )                    Não (     )

5º.) Em caso positivo, quais as espécies? (Marque quantas opções sejam necessárias)

Prestaçãopecuniária (     )

Prestação de outranatureza (art. 45, § 2º., CP)   (     )

Perda de bens e valores (     )

Prestação de serviço à comunidade/entidades públicas (     )

Limitação de fim de semana (     )

Multasubstitutiva (     )

Interdiçãotemporária de direitos (     )

Proibição do exercício de cargo (     )

Proibição do exercício de profissão (     )

Suspensão da habilitaçãoparadirigirveículo (     )

Proibição de freqüentardeterminadoslugares (     )

6º.) O que pensa a respeito das penas alternativas? É a solução futura para o sistema penal brasileiro?

Sim (     )                    Não (     )

Justifique:—————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————

7º.) Das espécies hoje previstas em nossa legislação, quais delas mais aplicou, aplica ou aplicaria? (Marque quantas opções sejam necessárias)

Prestaçãopecuniária (     )

Prestação de outranatureza (art. 45, § 2º., CP)   (     )

Perda de bens e valores (     )

Prestação de serviço à comunidade/entidades públicas (     )

Limitação de fim de semana (     )

Multasubstitutiva (     )

Interdiçãotemporária de direitos (     )

Proibição do exercício de cargo (     )

Proibição do exercício de profissão (     )

Suspensão da habilitaçãoparadirigirveículo (     )

Proibição de freqüentardeterminadoslugares (     )

8º.) A execução de tais penas é eficaz, ou seja, a pena alternativa aplicada é eficientemente executada pelo Juízo criminal?

Sim (     )                    Não (     )

9º.) É possível aferir qual o grau de reincidência dos condenados a penas alternativas, comparando-se com aqueles condenados a penas privativas de liberdade?

A reincidência é menorquando se aplica penaalternativa (      )

A reincidência é igualquando se aplica penaalternativa (     )

A reincidência é maiorquando se aplica penaalternativa (     )

Não é possívelfazer esta comparação (     )

 

Caso algum aspecto importante não tenha sido abordado, por favor, use o espaço abaixo para incluir outras opiniões e sugestões, bem como complementar as opções indicadas: —————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————

 

 

Q U E S T I O N Á R I O  (II):

 

1º.) Nome:——————————————————————————(facultativo)

2º.) Tempo de formado:——————————————————————–(anos)

3º.) Tempo de Ministério Público:——————————————————-(anos)

4º.) propôs a aplicação de alguma pena alternativa?

Sim (      )                    Não (     )

5º.) Em caso positivo, quais as espécies? (Marque quantas opções sejam necessárias)

Prestaçãopecuniária (     )

Prestação de outranatureza (art. 45, § 2º., CP)   (     )

Perda de bens e valores (     )

Prestação de serviço à comunidade/entidades públicas (     )

Limitação de fim de semana (     )

Multasubstitutiva (     )

Interdiçãotemporária de direitos (     )

Proibição do exercício de cargo (     )

Proibição do exercício de profissão (     )

Suspensão da habilitaçãoparadirigirveículo (     )

Proibição de freqüentardeterminadoslugares (     )

6º.) O que pensa a respeito das penas alternativas? É a solução futura para o sistema penal brasileiro?

Sim (     )                    Não (     )

Justifique:—————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————

7º.) Das espécies hoje previstas em nossa legislação, quais delas mais indicou, indica ou indicaria? (Marque quantas opções sejam necessárias)

Prestaçãopecuniária (     )

Prestação de outranatureza (art. 45, § 2º., CP)   (     )

Perda de bens e valores (     )

Prestação de serviço à comunidade/entidades públicas (     )

Limitação de fim de semana (     )

Multasubstitutiva (     )

Interdiçãotemporária de direitos (     )

Proibição do exercício de cargo (     )

Proibição do exercício de profissão (     )

Suspensão da habilitaçãoparadirigirveículo (     )

Proibição de freqüentardeterminadoslugares (     )

8º.) A execução de tais penas é eficaz, ou seja, a pena alternativa aplicada é eficientemente executada pelo Juízo criminal?

Sim (     )                    Não (     )

9º.) É possível aferir qual o grau de reincidência dos condenados a penas alternativas, comparando-se com aqueles condenados a penas privativas de liberdade?

A reincidência é menorquando se aplica penaalternativa (      )

A reincidência é igualquando se aplica penaalternativa (     )

A reincidência é maiorquando se aplica penaalternativa (     )

Não é possívelfazer esta comparação (     )

 

Caso algum aspecto importante não tenha sido abordado, por favor, use o espaço abaixo para incluir outras opiniões e sugestões, bem como complementar as opções indicadas:————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————————-

 

 

 

ADENDO:

 

RESOLUÇÃO Nº 101, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2009

 

Define a política institucional do Poder Judiciário na Execução das Penas e Medidas Alternativas à Prisão.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais, e tendo em vista o disposto nos arts. 19, I, e 30, IX, ambos do Regimento Interno deste Conselho, e

CONSIDERANDO a preocupação da comunidade internacional no fomento à aplicação de penas e medidas alternativas à prisão, inspiradas pelas regras de Tóquio – Resolução nº 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1990;
CONSIDERANDO a necessidade de se uniformizar e de se implementar práticas e políticas para o fomento da aplicação e execução de penas e medidas alternativas no âmbito do Poder Judiciário;

RESOLVE:

Art. 1º Adotar como política institucional do Poder Judiciário na execução das penas e medidas alternativas à prisão o modelo descentralizado de monitoramento psicossocial, mediante a aplicação conjunta ou isolada em cada Tribunal, de acordo com as peculiaridades locais, das seguintes medidas:
I – criação de varas privativas ou especialização de varas em execução de penas e medidas alternativas;
II – criação de centrais de acompanhamento e núcleos de monitoramento vinculados aos juízos competentes para a execução de penas e medidas alternativas.
Parágrafo único. As centrais de acompanhamento e núcleos de monitoramento ou órgãos assemelhados podem ser criadas pelo Poder Executivo e colocadas à disposição do Poder Judiciário por meio de convênio ou termo de cooperação.
Art. 2º O modelo descentralizado de monitoramento psicossocial caracteriza-se pelo cumprimento de penas e medidas alternativas em diversas entidades e instituições e seu acompanhamento e fiscalização através de equipe multidisciplinar, composta por profissionais habilitados, a exemplo de assistentes sociais e psicólogos, voluntários ou não.
Parágrafo único. As entidades e instituições compõem uma rede habilitada e cadastrada, mediante o estabelecimento de convênio ou termo de cooperação.
Art. 3º Adotar sistema de processamento eletrônico na execução das penas e medidas alternativas como padrão a ser utilizado pelo Poder Judiciário, inclusive de forma integrada à rede de entidades e instituições conveniadas.
§ 1°. O sistema contemplará o Cadastro Único de Penas e Medidas Alternativas e as hipóteses de transação e suspensão condicional do processo prevista em lei, sob a supervisão e centralização das Corregedorias dos Tribunais.
§ 2°. Qualquer que seja o sistema processual adotado pelo Tribunal, o mesmo deverá ser acessível e interoperável com os sistemas CNJ, além de conter os seguintes requisitos:
a) identificação precisa das partes, nos termos do artigo 6º da Resolução nº 46 do CNJ;
b) número de apenados ou beneficiados em cada tribunal;
c) incidência penal;
d) pena ou medida alternativa aplicada;
e) conversão em pena privativa de liberdade;
f) descumprimento das medidas alternativas.
Art. 4º As informações da execução das penas e medidas alternativas geradas de forma padronizada por todos os Tribunais serão compartilhados com o Poder Público, visando o incremento de programas de suporte social aos cumpridores de medidas e penas alternativas, sua família e à população em geral.
Art. 5º O Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais articular-se-ão com o Poder Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública e demais responsáveis pela administração das penas e medidas alternativas em âmbito federal, estadual e municipal no sentido de assegurar ação integrada ao fomento da execução de penas e medidas alternativas.
Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro GILMAR MENDES

 

 


[1] Neste mesmo sentido Pierpaolo Cruz Bottini, “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 458.

[2] A prisão temporária, disciplinada na Lei nº. 7.960/89, nada mais é do que aquela famigerada prisão para averiguações, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (…) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.” (Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 7ª. ed., pp. 643/644). A propósito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quais não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal. Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.” (Ob. cit., p. 524). Aliás, esta lei padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.” (Crimes Hediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357).

[3] Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.

[4] Segundo Pierpaolo Bottini, “no caso de aplicação cumulativa, a razoabilidade exige que as medidas sejam compatíveis, que possam ser aplicadas ao mesmo tempo, pelo que, a despeito do previsto no texto, a cautelar de prisão será sempre aplicada isoladamente.” (ob. cit. p. 460).

[5] Interessante transcrever um depoimento de Leonardo Boff, ao descrever os percalços que passou até ser condenado pelo Vaticano, sem direito de defesa e sob a égide de um típico sistema inquisitivo. Após ser moral e psicologicamente arrasado pelo secretário do Santo Ofício (hoje Congregação para a Doutrina da Fé), Cardeal Jerome Hamer, em prantos, disse-lhe o brasileiro: “Olha, padre, acho que o senhor é pior que um ateu, porque um ateu pelo menos crê no ser humano, o senhor não crê no ser humano. O senhor é cínico, o senhor ri das lágrimas de uma pessoa. Então não quero mais falar com o senhor, porque eu falo com cristãos, não com ateus.” Por uma ironia do destino, depois de condenado pelo inquisidor, Boff o telefonou quando o Cardeal estava à beira da morte, fulminado por um câncer. Ao ouvi-lo, a autoridade eclesiástica desabafou, chorando: “Ninguém me telefona… foi preciso você me telefonar! Me sinto isolado (…) Boff, vamos ficar amigos, conheço umas pizzarias aqui perto do Vaticano…” (in Revista Caros Amigos – As Grandes Entrevistas, dezembro/2000).

[6] Lopes Jr., Aury, Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74.

[7] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).

[8] Iniciación al Proceso Penal Acusatório, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43.

[9] Como se sabe, o defensor exerce a chamada defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o conhecimento técnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (quando, por exemplo, é interrogado) a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica. Ambas, juntas, compõem a ampla defesa. A propósito, veja-se a definição de Miguel Fenech: “Se entiende por defensa genérica aquella que lleva a cabo la propia parte por sí mediante actos constituídos por acciones u omisiones, encaminados a hacer prosperar o a impedir que prospere la actuación de la pretensión.. No se halla regulada por el derecho con normas cogentes, sino con la concesión de determinados derechos inspirados en el conocimientode la naturaleza humana, mediante la prohibición del empleo de medios coactivos, tales como el juramento – cuando se trata de la parte acusada – y cualquier otro género de coacciones destinadas a obtener por fuerza y contra la voluntad del sujeto una declaración de conocimiento que ha de repercutir en contra suya”. Para ele, diferencia-se esta autodefesa da defesa técnica, por ele chamada de específica, processual ou profissional, “que se lleva a cabo no ya por la parte misma, sino por personas peritas que tienen como profesión el ejercicio de esta función técnico-jurídica de defensa de las partes que actuán en el processo penal para poner de relieve sus derechos y contribuir con su conocimiento a la orientación y dirección en orden a la consecusión de los fines que cada parte persigue en el proceso y, en definitiva, facilitar los fines del mismo”. (Derecho Procesal Penal, Vol. I, 2ª. ed., Barcelona: EditorialLabor, S. A., 1952,  p. 457).

[10] Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Editorial Ariel, S.A., Barcelona, 1989, p. 230.

[11] Gimeno Sendra, Derecho Procesal, Valencia: Tirant lo Blanch, 1987, p. 64.

[12] José António Barreiros, Processo Penal-1, Almedina, Coimbra, 1981, p. 13.

[13]Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Forense, p. 64.

[14]Sobre a atividade instrutória do Juiz no ProcessoPenal, remetemos o leitor a duas obras: “A Iniciativa Instrutória do Juiz no ProcessoPenal”, de Marcos Alexandre Coelho Zilli, EditoraRevista dos Tribunais, 2003 e “Poderes Instrutórios do Juiz”, de José Roberto dos Santos Bedaque, EditoraRevista dos Tribunais, 2ª. ed., 1994..

[15]Sobre a matéria há obras importantes, a saber, por exemplo: “A Busca da VerdadeReal no ProcessoPenal”, de Marco Antonio de Barros, EditoraRevista dos Tribunais, 2002; “O Mito da VerdadeReal na Dogmática do ProcessoPenal”, de Francisco das Neves Baptista, EditoraRenovar, 2001 e “La verdad en el Proceso Penal”, de Nicolás Guzmán, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2006.

[16] Búsqueda de la Verdad en el Proceso Penal, Buenos Aires: Depalma: 2000, p. 107.

[17]Classicamente, a verdade se define como adequação do intelecto ao real. Pode-se dizer, portanto, que a verdade é uma propriedade dos juízos, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo da correspondência entre o que afirmam ou negam e a realidade de que falam.” (Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário Básico de Filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 241). “A porta da verdade estava aberta / Mas só deixava passar / Meia pessoa de cada vez / Assim não era possível atingir toda a verdade. / Porque a meia pessoa que entrava / Só trazia o perfil de meia verdade / E a segunda metade / Voltava igualmente como perfil / E os meios perfis não coincidiam. / Arrebentavam a porta, derrubavam a porta, / Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. / Era dividida em metades diferentes uma da outra. / Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. / Nenhuma das duas era totalmente bela e carecia optar. / Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.” (Carlos Drummond de Andrade, do livro “O corpo”, editora Record).Não tenho a menor noção do que é a verdade, mulher! Caguei pra verdade, a verdade é uma coisa escrota, uma nojeira filosófica inventada pelos monges do século XIII, que ficavam tocando punheta nos conventos, verdade o cacete, interessa a objetividade.” (“Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 65).

[18] Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, pp. 44 e 45.

[19] Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 604.

[20] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).

[21] Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, São Paulo: Malheiros, 2ª. ed., 2003, p. 51. Também neste sentido, veja-se Rodolfo Pamplona Filho, “O Mito da Neutralidade do Juiz como elemento de seu Papel SocialinO Trabalho“, encarte de doutrina da Revista “Trabalho em Revista”, fascículo 16, junho/1998, Curitiba/PR, Editora Decisório Trabalhista, págs. 368/375, e Revista “Trabalho & Doutrina”, nº 19, dezembro/98, São Paulo, Editora Saraiva, págs.160/170.

[22] A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal, obra organizada por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Salo de Carvalho, Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 20.

[23] André Vitu, Procédure Pénale. Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13-14.

[24] Sobre prevenção veja o que escrevemos em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010, p. 348.

[25] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.

[26] Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p. 27.

[27] Procédure Pénale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.

[28] Pierpaolo Botinni, ob. cit., p. 462.

[29] Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 60. No mesmo sentido, veja-se Rogério Lauria Tucci, Direitos e Garantias no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª., ed., 2004, p. 361.

[30] Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 7ª. ed., pp. 643/644.

[31] Ob. cit., p. 524.

[32]CrimesHediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 357.

[33] Sobre o direito de apelar em liberdade, inclusive quando se interpõe recurso especial e extraordinário, veja o que escrevemos em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010, págs. 809 e segs. Neste sentido, atentemos para a lição de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual esta norma “visa a regulamentar os recursos de forma genérica, não sendo aplicável, quanto aos efeitos prisionais, à esfera penal.” (apud Roberto Delmanto Junior, in As modalidades de prisão provisória e o seu prazo de duração, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 206). Também Paganella Boschi, para quem este parágrafo “endereça-se unicamente aos processos cíveis, porque nestes a execução provisória da sentença, mediante caução pelo autor, é perfeitamente admissível. Jamais as sentenças proferidas nos processos criminais, por implicar ofensa aberta, direta e frontal à garantia da presunção de inocência, antes citada.” (Revista de Estudos Criminais nº. 05, PortoAlegre: Editora NotaDez, 2002).

[34] Com esta disposição, claramente o legislador adotou a tese de que a prisão cautelar não se trata de uma medida cautelar, mas precautelar. Neste sentido, sempre assim se posicionou Aury Lopes Jr., para quem “a prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não”. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. II, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 64).

[35] Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 33ª. ed., 2011, p. 610.

[36] Conferir sobre a ação civil ex delicto o nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, Curitiba: Juruá, 2010. Também nesta obra, tratamos sobre o assistente.

[37] Victor Moreno Catena, Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 250.

[38]Germano Marques da Silva, Curso de ProcessoPenal, 3ª. ed., Lisboa: Verbo, vol. 1, 1996, p. 308.

[39] Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 55 (tradução de Torrieri Guimarães).

[40] Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 3ª. ed., 1999, pp. 522/523.

[41] Apud Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, 1990, p. 251.

[42]LeisPenais e SuaInterpretação Jurisprudencial, Vol. I, São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª. ed., 2001, p. 896.

[43] Apud João Gualberto Garcez Ramos, “A Tutela de Urgência no Processo Penal Brasileiro”, Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 145.

[44] “Levando os Direitos a Sério”, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 18/19.

[45] Neste sentido, Rogério Sanches Cunha, “Prisão e Medidas Cautelares”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 151.

[46] Em nosso Curso Temático de Direito Processual Penal (Curitiba: Juruá, 2010), analisamos esta lei.

[47] Como afirma Denilson Feitoza Pacheco, “a importância da afetação negativa causada pela medida cautelar pessoal deve estar justificada pela importância da realização do fim perseguido por essa intervenção no direito fundamental.” (O Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 261).

[48] Apud Rogerio Schietti Machado Cruz, “Prisão Cautelar – Dramas, Princípios e Alternativas”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 100.

[49] Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 213.

[50] Derecho Procesal Penal, Madri: Editorial Colex, 3ª. ed., 1999, p. 475.

[51] Teoria dos Princípios, São Paulo: Malheiros, 4ª. ed., 2004, p. 131.

[52] Processo Penal Constitucional. 4ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 315.

[53] Direito Processual Penal.8a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 584 – grifou-se

[54] As Modalidades de Prisão Provisória e Seu Prazo de Duração. 2a ed., São Paulo: Renovar, 2001, p. 218.

[55] Derecho Processual Penal Chileno,  Tomo I,  Santiago do Chile : Editorial Jurídica de Chile, 2003, p. 83.

[56] Introdução ao Direito Processual Penal, Tradução de Fernando Zani, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2003, p. 150.

[57] Regimes Constitucionais da Liberdade Provisória, Rio de Janeiro : Lumen Juris Editora, 2006, p. 65.

[58]Art. 117 – Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante.”

[59] O Decreto nº. 3.298/99, que regulamenta a Lei nº. 7.853/89, estabelece ser pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: “I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação;b) cuidado pessoal;c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança;f) habilidades acadêmicas;g) lazer; e h) trabalho; V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.”

[60] Neste mesmo sentido, Pierpaolo Cruz Bottini, “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 482.

[61] Por todos, veja-se o conceito de função pública na obra de Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2002, 14ª. ed., págs. 439 e 440.

[62] O Decreto nº. 7.627/2011 regulamenta a monitoração eletrônica no Brasil nos seguintes termos: “Art. 1o  Este Decreto regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no inciso IX do art. 319 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal. Art. 2o  Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização. Art. 3o  A pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração. Art. 4o  A responsabilidade pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão penitenciária, cabendo-lhes ainda: I – verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica; II – encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem; III – adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada; IV – orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e V – comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições. Parágrafo único.  A elaboração e o envio de relatório circunstanciado poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão competente. Art. 5o  O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada. Art. 6o  O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada. Art. 7o  O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas atribuições.

[63] Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2601, 15 ago. 2010. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/17196. Acesso em: 20 ago. 2011.

[64] Com inteira razão Pierpaolo Cruz Bottini, ao afirmar ser “fundamental que a execução da pena ou medida de monitoramento eletrônico seja a menos degradante possível, de maneira a seguir adequada aos cânones do Estado Democrático de Direito e à afetação mínima da dignidade humana. Desta forma, o dispositivo de monitoramento deve permanecer em local não visível do corpo, como no tornozelo ou nos pulsos, e seu controle deve ser realizado pelo Poder Público.” – “Aspectos Pragmáticos e Dogmáticos do Monitoramento Eletrônico”, In Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Brasília: CNPCP, 2008, p. 180.

[65] Monitoração eletrônica de presos: limites legais e constitucionais. In Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 216, p. 04-05, nov., 2010.

[66] O Monitoramento Eletrônico no Canadá – Retrato de um Sistema. In Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Brasília: CNPCP, 2008, p. 120.

[67] O Monitoramento Eletrônico na França – Abordagem Institucional e Profissional. In Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Brasília: CNPCP, 2008, p. 108.

[68] O Efeito de Novas Tecnologias no Sistema de Justiça Penal: Exemplos da Experiência dos Estados Unidos. In Monitoramento Eletrônico: Uma Alternativa à Prisão? Brasília: CNPCP, 2008, p. 51.

[69] Notas sobre a admissibilidade ética do monitoramento eletrônico. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 225, p. 05, ago., 2011. A propósito, veja esta notícia capturada no UL Notícias no dia 29 de agosto de 2011, às 7h53: “Dois funcionários de uma empresa que presta serviços ao Ministério da Justiça britânico foram demitidos após serem enganados por um condenado e instalarem uma tornozeleira eletrônica em sua perna falsa. Com a tornozeleira na prótese, o condenado pôde remover a perna falsa e desrespeitar um toque de recolher imposto pela Justiça como condição para sua liberdade condicional.Os funcionários da empresa G4S foram enganados por Christopher Lowcock, de 29 anos, que enrolou sua perna falsa em ataduras quando eles foram à sua casa para instalar o dispositivo.Lowcock havia sido condenado a um toque de recolher diário por crimes relacionados a drogas e posse de arma.Em um comunicado, o Ministério da Justiça confirmou que os procedimentos “claramente não foram seguidos neste caso”, mas afirmou que a empresa “já tomou providências em relação aos funcionários envolvidos”.”Dois mil condenados recebem tornozeleiras eletrônicas todas as semanas, e os incidentes como esse são muito raros”, afirmou o comunicado.A empresa G4S diz que o problema foi identificado quando os funcionários retornaram à casa de Lowcock e descobriram que ele havia sido preso novamente por conta de um crime de trânsito.Um porta-voz da empresa afirmou que a G4S instala tornozeleiras em “70 mil indivíduos por ano para o Ministério da Justiça”. “Dada a natureza crítica do serviço, temos procedimentos muito estritos que todos os funcionários devem seguir”, afirmou.Segundo ele, no caso de Lowcock os funcionários deixaram de seguir os procedimentos corretos e por isso não identificaram sua perna falsa.”

[70] História e Prática do Habeas Corpus, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1999, p. 39.

[71]Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 312.

[72] www.conjur.com.br, no dia 21 de setembro de 2010.

[73] BRITO, Auriney Uchôa de; MARQUES, Ivan Luís. O valor da fiança: licitude ou ilicitude, balizadas pela razoabilidade. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 230, p. 16-17, jan., 2012.

[74] Art. 327 – A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.” (…) “Art. 328 – O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.”

[75] Los Derechos Fundamentales. Madrid: Tecnos, 1993, p. 67.

[76] Alberto Silva Franco, Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial.  7. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 62.

[77]  Sucessão de Leis Penais. Coimbra: Coimbra, p. 219-220.

[78]  CARVALHO, Taipa de, op. cit., p. 220 e 240.

[79]Idem.

[80] Tratado de Derecho Penal.ParteGeneral. Buenos Aires: Ediar, 1987. v I, p. 463- 464.

[81] Direito Intertemporal.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 314.

[82] Direito Intertemporal e a Nova Codificação Processual Penal.São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 124.

[83] O Processo Penal em Face da Constituição.Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 137.

[84] Tratado de Derecho Procesal Penal, Tomo I, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1951, p. 108 (tradução do italiano para o espanhol de Santiago Sentís Melendo e Marino Ayerra Redín).

[85]Art.. – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.” “Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

[86] Eduardo J. Couture, Interpretação das Leis Processuais, Rio de Janeiro: Forense, 4ª, ed., 2001, p. 36 (tradução de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano).

[87] Neste sentido, a lição de Ada e outros, op. cit., p. 49.

[88] A despenalização traduz o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, pelo qual “limita-se o poder punitivo do Estado, que com freqüência tende a se expandir, principalmente nas situações de crises político-institucionais e nas comoções de natureza sócio-econômica, quando a repressão procura ser uma barragem contra a revolta e a marginalidade que alimentam a delinqüência patrimonial violenta.” (crf. René Ariel Dotti, in Bases e Alternativaspara o Sistema de Penas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 266).

[89] Idem.

[90] Em 1993, o Professor paulista Sérgio Salomão Shecaira, em sua obra Prestação de Serviços à Comunidade, adiante indicada, dedicou um capítulo à “Experiência concreta da prestação de serviços à comunidade no Estado de São Paulo”; mais recentemente, Salo de Carvalho escreveu com o seu pai, Amilton Bueno de Carvalho, a obra Aplicação da Pena e Garantismo (cfr. adiante na bibliografia), a partir de “pesquisa realizada (e financiada) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos”.

[91] Criticando a postura eminentemente teórica dos juristas em geral, Vico Mañas reconhece ser “voz corrente entre os estudiosos das Ciências Criminais que, em boa parte deste século que se encerra, a dogmática jurídica dedicou-se, tão-somente, a elaborações abstratas, abandonando as particularidades do caso concreto e fechando as portas a qualquer consideração da realidade social. E arremata: “A análise crítica de tal situação e as incongruências entre a prática e a elaboração teórica têm levado número cada vez maior de juristas a visão mais humilde e menos prepotente de suas atividades, salientando ser indispensável buscar a aproximação com a realidade social, sem que se negue o mérito do trabalho sistemático como garantia  fundamental da segurança jurídica.” (cfr. O Judiciário e a Comunidade – Prós e Contras das Medidas Sócio-Educativas emMeioAberto, Núcleo de Pesquisas do InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, São Paulo, 2000, p. 9).

[92] Gomes, Luiz Flávio, Penas e MedidasAlternativas à Prisão, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 96.

[93] Bitencourt, Cezar Roberto, NovasPenasAlternativas, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.

[94] Hulsman, Louk e Celis, Jacqueline Bernat de, Penas Perdidas – O SistemaPenalemQuestão, Niterói: Luam, 1997,  p. 69

[95] Karam, Maria Lúcia, De Crimes, Penas e Fantasias, Rio de Janeiro: Luan, 1991, p. 177.

 

[96]Franco, Alberto Silva, CrimesHediondos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª. ed., 2000, p. 97.

[97] Ciência Jurídica – Fatos – nº. 20, maio de 1996.

[98] O Judiciário e a Comunidade – Prós e Contras das Medidas Sócio-Educativas emMeioAberto, Núcleo de Pesquisas do InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, São Paulo, 2000, p. 10.

[99] Em manifesto aprovado pela unanimidade dos presentes ao VIII Encontro Nacional de Secretários de Justiça, realizado nos dias 17 e 18 de junho de 1991, em Brasília, foi dito que havia no Brasil, segundo o Ministério da Justiça, milhares de mandados de prisão aguardando cumprimento, e que as prisões, em todos os estados da federação, estavam superlotadas, o que comprometia o tratamento do apenado e pavimentava o caminho para a reincidência (in Prisão – Crepúsculo de uma Era, Leal, César Barros, BeloHorizonte: Del Rey, 1998, p. 55).

[100]ConversaçõesAbolicionistas – Uma Crítica do SistemaPenal e da SociedadePunitiva, São Paulo: IBCCrim, 1997, p. 275.

[101] idem

[102] Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 43.

[103] Marat, Jean Paul, Plan de Legislación Criminal, Buenos Aires: Hamurabi, 2000, p. 78 (tradução espanhola do original Plan de Legislation Criminelle, Paris, 1790).

[104] Esta parte do trabalho teve a colaboração efetiva da Professora Célia Guimarães Netto Dias, da Coordenação de Pesquisa e do Programa de IniciaçãoCientífica da UNIFACS.

[105]Sobre o assunto, veja-se Shecaira, Sérgio Salomão, Prestação de Serviços à Comunidade, São Paulo: Saraiva, 1993.

[106] Ob. cit., p. 139.

[107] Ob. cit., p. 134.

[108] Luiz Flávio Gomes, idem, ibidem.

[109] Cezar Bitencourt, idem, p. 113.

[110] Jesus, Damásio E. de, PenasAlternativas, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 194.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A LEI DE DROGAS E A COMBINAÇÃO DE LEIS PENAIS – MAIS UMA VEZ, POBRE DE NÓS!

Artigo do Prof. Rômulo Moreira.

Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? (…) Ó tempos, ó costumes!”[1]

 

 

                                                           Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal decidiu na sessão do dia 07 de novembro de 2013 não ser possível a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (Lei nº. 11.343/2006), combinada com penas previstas na Lei 6.368/1976, para crimes cometidos durante sua vigência. O Ministro Ricardo Lewandowiski, Relator do Recurso Extraordinário nº. 600817, sustentou que embora a retroação da lei penal para favorecer o réu seja uma garantia constitucional, a Lei Magna não autoriza que partes de diversas leis sejam aplicadas separadamente em seu benefício. O Relator sustentou que a aplicação da minorante prevista em uma lei, combinada com a pena prevista em outra, criaria uma terceira norma, fazendo com que o julgador atue como legislador positivo, o que configuraria uma afronta ao princípio constitucional da separação dos Poderes. O Ministro observou que “não resta dúvida que o legislador preocupou-se em diferenciar o traficante organizado, que obtém fartos lucros com a direção de atividade altamente nociva à sociedade, do pequeno traficante, denominado mula ou avião, utilizado como simples mão de obra para entrega de pequenas quantidades de droga”, disse o Relator. A corrente divergente entende que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas combinada com a pena da lei revogada não representa a criação de nova norma. Os Ministros que defendem esta tese consideram que, como o dispositivo favorável ao réu não existia, a norma é autônoma e pode ser aplicada em combinação com a lei anterior. No processo analisado, os Ministros deram provimento parcial ao RE, negando a aplicação imediata da minorante da lei nova combinada com a pena da lei anterior, mas determinando a volta do processo ao juiz de origem para que, após efetuar a dosimetria de acordo com as duas leis, aplicar, na íntegra, a legislação que for mais favorável ao réu. Fonte: STF.

Aliás, dias antes, 23 de outubro de 2013, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já havia decidido pela edição do Enunciado 501 (publicado no dia 28 de outubro), com o seguinte teor: “É cabível a aplicação retroativa da Lei nº. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei nº. 6368/1976, sendo vedada a combinação de leis.” (Grifo meu).

                                                           Naquela oportunidade escrevi o artigo “O novo Enunciado da súmula do Superior Tribunal de Justiça – Uma verdadeira aberração jurídico-penal”, quando afirmei que, “plagiando Otávio Mangabeira, a sua frase poderia perfeitamente ser aplicada a este Enunciado: “Pense em um absurdo, na Bahia tem precedente.”[2] O precedente agora, além de jurisprudencial, é do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de uma verdadeira chacota à inteligência dos penalistas e constitucionalistas brasileiros (deixando logo claro que me considero um simples estudioso do Direito Processual Penal, o que não me desanimou enfrentar a questão, tal o seu fantástico disparate – desculpem a redundância, mas, neste caso, além de correta, ela é necessária).”

O referido artigo terminava com uma conclusão desanimadora; escrevi: “Decididamente, estamos à mercê de analfabetos funcionais ou de ignorantes em Direito!”[3]

O Enunciado agora vem a ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal que, aliás, já havia se posicionado em sentido contrário quando, na sessão do dia 13 de outubro de 2011, manifestou-se favorável à combinação de leis penais no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 596.152, oportunidade onde se discutia exatamente a possibilidade de aplicação da causa de diminuição da pena prevista no § 4.º do art. 33 da Lei nº. 11.343/2006 a um acusado de crime de tráfico de drogas cometido ainda sob a vigência da Lei 6.368/1976.

Vejo que se tratou de uma verdadeira “missa encomendada”, como diriam os antigos…

Ora, o fato da Lei de Drogas ter-se preocupado, como observou o Ministro, “em diferenciar o traficante organizado, que obtém fartos lucros com a direção de atividade altamente nociva à sociedade, do pequeno traficante, denominado mula ou avião, utilizado como simples mão de obra para entrega de pequenas quantidades de droga”, não tem nada que ver com a combinação de leis penais, uma exigência derivada da Constituição, como veremos adiante.

Ademais, afirmar o Ministro que “a Lei Magna não autoriza que partes de diversas leis sejam aplicadas separadamente em seu benefício” é uma conclusão longe de ser correta do ponto de vista jurídico. É um erro!

Outrossim, sustentar “que a aplicação da minorante prevista em uma lei, combinada com a pena prevista em outra, criaria uma terceira norma, fazendo com que o julgador atue como legislador positivo, o que configuraria uma afronta ao princípio constitucional da separação dos Poderes”, como disse o Relator, é fazer tabula rasa de uma cláusula pétrea: o art. 5º., XL da Constituição.

Não se pode confundir lei com norma jurídica, tampouco um parágrafo de um artigo de lei com norma jurídica, mesmo porque não se confundem espécie e gênero. Aliás, salvo engano, tais lições são aprendidas logo no início de um bom curso de Direito.

                                                           Obviamente, que não quis o legislador constituinte reduzir a expressão “lei penal”, a um artigo “na íntegra” de uma lei. Claro que não! Qualquer dispositivo de caráter penal que seja mais benéfico para o réu ou indiciado deve ser aplicado retroativamente (ainda que se trate de um parágrafo de um artigo), levando-se em consideração a lei vigente na data da prática da infração penal (ação ou omissão – art. 4º., Código Penal).

                                                           Aqui devemos aplicar o princípio da máxima efetividade, ou da eficiência, também conhecido como princípio da interpretação efetiva, segundo o qual “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.”[4] Observa-se que não defendo, muito pelo contrário, uma invasão judicial frente ao legislador (tampouco uma elasticidade axiológica), mas apenas uma obediência a um princípio constitucional (a lei penal retroage para beneficiar), absolutamente compatível com o princípio da legalidade, pois, longe disso, ambos devem ser levados em consideração pelo Magistrado, atentando-se a um terceiro princípio: o do favor libertatis.

                                                           Tal princípio deve observado em toda e qualquer interpretação das normas penais. Lembro, com Giuseppe Bettiol, que em uma “determinada óptica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação penal de um Estado inspirado, na sua vida política e no seu ordenamento jurídico, por um critério superior de liberdade.” (…) Não há, efetivamente, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma constante das articulações jurídicas de semelhante Estado, um empenho no reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana.” (…) No conflito entre o jus puniendi do Estado por um lado e o jus libertatis do arguido por outro, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quer assistir ao triunfo da liberdade.”[5]

                                                           Nada obstante não ser favorável a uma “suposta” incerteza jurídica ou retalhar leis, o certo é que o importante é observar a Constituição, custe o que custar, ainda mais se tratando da Corte Constitucional.

                                                           Como já disse o Ministro Marco Aurélio em outra oportunidade, quando do julgamento da Ação Penal Originária nº.  396, “por sermos guardiões maiores da Constituição Federal, não podemos aditá-la.”

A combinação de leis penais não fere o ordenamento jurídico, mas, muito pelo contrário, trata-se da observância de um princípio expressamente consagrado constitucionalmente, ressaltando que cada caso implica uma análise das variações abstratas de cada lei, ainda que para isso tenham que ser ouvidos os mais interessados, o acusado e o indiciado (aliás, algo nada mais natural, à luz do contraditório).

                                                           Para ilustrar, vejamos alguma doutrina a respeito, aliás, ignorada solenemente pela Suprema Corte:

                                                           Segundo José Frederico Marques, “dizer que o Juiz está fazendo lei nova, ultrapassando assim suas funções constitucionais, é argumento sem consistência, pois o julgador, em obediência a princípios de equidade consagrados pela própria Constituição, está apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima. O órgão judiciário não está tirando ex nihilo a regulamentação eclética que deve imperar hic et nunc. A norma do caso concreto é construída em função de um princípio constitucional, com o próprio material fornecido pelo legislador. Se ele pode escolher, para aplicar o mandamento da Lei Magna, entre duas séries de disposições legais, a que lhe pareça mais benigna, não vemos porque se lhe vede a combinação de ambas, para assim aplicar, mais retamente, a Constituição. Se lhe está afeto escolher o “todo”, para que o réu tenha o tratamento penal mais favorável e benigno, nada há que lhe obste selecionar parte de um todo e parte de outro, para cumprir uma regra constitucional que deve sobrepairar a pruridos de lógica formal. Primeiro a Constituição e depois o formalismo jurídico, mesmo porque a própria dogmática legal obriga a essa subordinação, pelo papel preponderante do texto constitucional. A verdade é que não estará retroagindo a lei mais benéfica, se, para evitar-se a transação e o ecletismo, a parcela benéfica da lei posterior não for aplicada pelo Juiz; e este tem a missão precípua de velar pela Constituição e tornar efetivos os postulados fundamentais com que ela garante e proclama dos direitos do homem” (Tratado de Direito Penal, Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1964, volume 1, páginas 210/211).

                                                           Francisco de Assis Toledo, comentando a questão, escreveu que “em matéria de direito transitório, não se pode estabelecer dogmas rígidos como esse da proibição da combinação de leis. Nessa área, a realidade é muito mais rica do que pode imaginar a nossa “vã filosofia”…parece-nos que uma questão de direito transitório – saber que normas devem prevalecer para regular determinado fato, quando várias apresentam-se como de aplicação possível – só pode ser convenientemente resolvida com a aplicação dos princípios de hermenêutica, sem exclusão de qualquer deles. E se, no caso concreto, a necessidade de prevalência de certos princípios superiores conduzir à combinação de leis, não se deve temer este resultado desde que juridicamente valioso. Estamos pois de acordo com os que profligam, como regra geral, a alquimia de preceitos de leis sucessivas, quando umas se destinam a substituir as outras” (Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, São Paulo, 1991, 4ª edição, página 38). Que saudade…

                                                           Do mesmo modo, Cezar Roberto Bitencourt, cita Bustos Ramirez, para quem é admissível “a combinação de leis no campo penal, pois nunca há uma lei estritamente completa, enquanto há leis especialmente incompletas, como é o caso da norma penal em branco; consequentemente, o juiz sempre está configurando uma terceira lei, que, a rigor, não passa de simples interpretação integrativa, admissível na atividade judicial, favorável ao réu” (Tratado de Direito Penal, Saraiva, São Paulo, 2007, 11ª edição, Parte Geral 1, p. 168).

                                                           Luiz Flávio Gomes e Antônio García-Pablo de Molina, asseveram que “nada impede que ocorra a combinação dos aspectos favoráveis de várias leis penais, aproveitando-se em favor do réu os textos mais benéficos (ex.: a pena de prisão antiga com a pena de mula nova menos gravosa) (RT 710/330). Se a jurisprudência do STF admite a combinação de várias leis até para prejudicar o réu (cf. o art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072/90 – e sua relação com o antigo art. 14 da Lei de Tóxicos – Lei 6.368/76: segundo o STF vigorava a descrição típica do art. 14 mas a pena era a do art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos – JSTF 243/356), não há como não admitir a mesma combinação para beneficiá-lo. Note-se que na combinação de leis penais o juiz não está criando uma nova lei; apenas aplica as partes benéficas devidamente aprovadas pelo Parlamento. O juiz não cria nenhuma lei. Combinar aspectos favoráveis de duas leis não significa criar uma terceira. Esse ato (a criação de lei) é de atribuição exclusiva do Legislativo. Combinar leis devidamente aprovadas pelo Parlamento, entretanto, não significa criá-las. O juiz estaria criando lei nova se a decisão tivesse como fonte sua vontade. Aplicar aspectos favoráveis de duas leis significa aplicar a vontade da lei, resultando da mens legislatoris e da mens legis. Se o juiz não está impondo sua vontade, sim, apenas combinando aspectos favoráveis de duas leis aprovadas pelo Parlamento, não há que se falar em criação (sim, em aplicação de lei penal)” (Direito Penal, RT, São Paulo, 2007, V. 2, Parte Geral, páginas 97/98).

Rogério Greco leciona que “a combinação de leis levada a efeito pelo julgador, ao contrário de criar um terceiro gênero, atende aos princípios constitucionais da ultra-atividade e retroatividade benéficas. Se a lei anterior, já revogada, possui pontos que, de qualquer modo, beneficiam o agente, deverá ser ultra-ativa; se na lei posterior que revogou o diploma anterior também existem aspectos que o beneficiam, por respeito aos imperativos constitucionais, devem ser aplicados, a exemplo do que ocorreu com as Lei nºs 6.368/76 e 11.343/2006, onde a pena mínima cominada ao delito de tráfico de drogas era de 3 (três) anos (revogado art. 12), sendo que a novatio legis a aumentou para 5 (cinco) (atual art. 33). No entanto, a nova Lei previu, em seu art. 33, § 4º, uma causa especial de redução de pena que não constava da lei anterior…Assim, deverá o julgador, na hipótese de crime de tráfico ocorrido na vigência da Lei nº 6.368/76, além de partir, obrigatoriamente, da pena mínima de 3 (três) anos, aplicar, se o caso concreto permitir, a causa de redução prevista na Lei nº 11.343/2006, conjugando, assim, em benefício do agente, os dois diplomas legais, em estrita obediência ao disposto no inciso XL, do art. 5º da Constituição Federal, que prevendo os princípios da ultra e da retroatividade benéficas, determina que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” (Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1, Ímpetus, Niterói/RJ, 9ª edição, 2007, páginas 116/117).

 

Feitas tais considerações, lembra-se que por lei mais benéfica não se deve entender apenas aquela que comine pena menor, pois “en principio, la retroactividad es de la ley penal e debe extenderse a toda disposición penal que desincrimine, que convierta un delito en contravención, que introduzca una nueva causa de justificación, una nueva causa de inculpabilidad o una causa que impida la operatividad de la punibilidad, es dicer, al todo el contenido que hace recaer sobre la conduta, sendo necessário que se tenha em conta uma série de outras circunstâncias, o que implica em admitir que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni. (Grifo meu)[6].

Para Günther Jakobs: “La determinación de la ley mas favorable ha de llevarse a cabo por separado para cada clase de reacción y para cada fase de la determinación, de modo que puede haber que aplicar, en función de cada reacción penal o de la fase de cômputo em cuestión, distintas leyes como em cada caso más favorables. En el supuesto del ejemplo, habría que medir la pena en el marco de la comminación penal de la ley vigente em el momento del hecho (en esta medida, es más favorable la ley antigua), pero sin tener em cuenta la reincidencia (en esta medida, es más favorable la ley nueva).” (Parte General, Fundamentos y Teoria de la imputación, Marcial Pons, Madrid, 1997, 2ª edición, página 126).

Pois é … desanimador mais este entendimento da Suprema Corte, suposta guardiã da Carta Constitucional.

O problema, no fundo no fundo, é a falta de coragem de nossos Juízes, Tribunais e da Suprema Corte para enfrentar a opinião pública manipulada pelos meios de comunicação (evidentemente, ressalvo os Magistrados comprometidos com a Constituição Federal).

A propósito, Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[7] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Como magistralmente escreveu Frederico Marques, a Constituição Federal “não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico. A conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todos.”[8]

                                                           James Goldshimidt[9] já afirmava no clássico “Problemas Jurídicos e Políticos del Proceso Penal” que a estrutura do processo penal de um país indica a força de seus elementos autoritários e liberais.[10]

Evoé Ministros das Liberdades Públicas!


[1]Palavras que Marco Túlio Cícero, o maior orador romano de todos os tempos (que ascendeu à posição de cônsul, entre os anos de 64-63 a .C), dirigiu ao seu grande rival na disputa pela mais alta posição da Magistratura de Roma, Lúcio Sergio Catilina. Certo dia, Cícero foi ao Senado e disse em frente a Catilina e aos presentes, para que todos ouvissem, o seguinte: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas. Ó tempos, ó costumes!

[2]O Engenheiro e Professor de Astronomia, Octavio Mangabeira, nascido em Salvador, foi Governador da Bahia (primeiro Governador eleito após os anos da Era Vargas) e membro da Academia Brasileira de Letras. Teve uma longa carreira política que lhe rendeu dois exílios. Em 1912 foi eleito Deputado Federal e, em 1926, no Governo Washington Luís, Ministro do Exterior. Após o fim do Estado Novo, elegeu-se Deputado Constituinte em1945. Elegeu-se Senador da República em 1958, falecendo durante o mandato. No seu secretariado, quando Governador da Bahia, aglutinou as maiores inteligências da Bahia, como o grande educador Anísio Teixeira (Secretário de Educação). Aliás, foi nesta época que se projetou a construção do maior e mais revolucionário projeto educacional da História do Brasil: a Escola Parque, concebida por Anísio Teixeira, para uma educação em tempo integral, décadas depois resgatadas em projetos como CIAC e CIEPs.

[3] Na mesma oportunidade duas outras pérolas surgiram: Enunciado500: “A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.” E se o menor não aceitar a proposta? E o Enunciado 502: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.” Esta sim, uma redundância incorreta!

[4] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 6ª. ed., 2002, p. 1.210.]

[5] Instituições de Direito e Processo Penal, Coimbra: Editora LDA, 1974, p. 295. Tradução para o português de Manuel da Costa Andrade.

[6] Tratado de Derecho Penal, Parte General, I, Buenos Aires: Editora Ediar, 1987, págs. 463 e 464.

[7] Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I, p. 79.

[8] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 79.

[9] Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt, mormente agora onde não se quer aceitar viver de aparências e imbrogli retóricos.” (O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 12).

[10] Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.

Cappio é investigado por baixa produtividade e comportamento agressivo

 

 

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O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu o pedido de medida cautelar impetrada pelo juiz Luis Roberto Cappio contra a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que o afastou da magistratura por 90 dias. Cappio foi o responsável por determinar o retorno das cinco crianças de Monte Santo, no nordeste baiano, adotadas irregularmente. Na reclamação, o magistrado afirma que o ato praticado pelo TJ-BA teria afrontado a autoridade da decisão proferida pela Suprema Corte, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4638, de relatoria do ministro Marco Aurélio. Cappio diz que a instauração do processo administrativo disciplinar deve obedecer requisitos estabelecidos na legislação da regência, e que o processo deverá ser precedido de defesa prévia do magistrado. Segundo ele, a Corte baiana ajuizou uma cautelar antes da intimação para apresentação da defesa prévia. O presidente do TJ-BA, Mário Alberto Hirs, informou ao STF que o afastamento aconteceu em decorrência de “seu comportamento agressivo com os membros do Ministério Público atuantes naquela comarca e os serventuários” e por tratar de forma “grosseira” os promotores, advogados, autoridades policiais e servidores, além de apresentar baixa produtividade. O TJ-BA ainda argumentou que o magistrado utilizava “palavras de baixo calão, chegando a jogar os autos de processos, com violência, sobre a mesa, estabelecendo um clima de tensão absoluta entre os profissionais que trabalham naquela comarca”. A Corte baiana ainda frisou que o afastamento foi para manter a integridade física dos servidores. De acordo com a decisão de Fux, o processo administrativo instaurado contra Cappio pretende apurar a baixa produtividade do magistrado, que em três anos de atuação na Comarca de Euclides da Cunha proferiu apenas três sentenças de mérito, além de desmarcar, sem justificativa, número excessivo de audiências. “Sendo assim, dada a gravidade dos fatos apreciados pelo TJ-BA, bem como o poder geral de cautela do Tribunal de Justiça local e, ainda, que o pedido liminar confunde-se com a tutela satisfativa, indefiro-o, na medida em que ausente, nesta fase cognitiva não exauriente, a fumaça do bom direito”, afirma Fux. A decisão é do dia 25 de junho

Dilma indica constitucionalista Luís Roberto Barroso para o STF

Barroso, 55 anos, é procurador do estado do Rio e professor universitário.
Ele é o quarto indicado por Dilma para o Supremo, que tem 11 ministros.
Priscilla Mendes e Mariana OliveiraDo G1, em Brasília abril de 2012
A presidente Dilma Rousseff indicou nesta quarta-feira (22) o advogado especialista em direito constitucional Luís Roberto Barroso, de 55 anos, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
O anúncio oficial foi feito pela ministra da Comunicação Social, Helena Chagas. Nota da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República informou que a indicação será encaminhada ao Senado Federal para apreciação.
Segundo a ministra, a presidente tomou a decisão na manhã desta quinta durante reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “O professor Luís Roberto Barroso cumpre todos os requisitos necessários para o exercício do mais elevado cargo da magistratura do país”, diz a nota da Presidência.
Procurador do estado do Rio de Janeiro, Barroso ocupará a vaga deixada há seis meses (em novembro do ano passado) por Carlos Ayres Britto, que se aposentou compulsoriamente após completar 70 anos.
Barroso é o quarto indicado por Dilma para o Supremo, que tem 11 ministros. Antes dele, a presidente havia indicado os ministros Luiz Fux (que substituiu Eros Grau), Rosa Weber (Ellen Gracie) e Teori Zavascki (Cezar Peluso). Desses, a indicação que demorou mais tempo foi a de Fux (sete meses).
Os demais ministros são indicações dos então presidentes José Sarney (Celso de Mello), Fernando Collor de Mello (Marco Aurélio Mello), Fernando Henrique Cardoso (Gilmar Mendes) e Luiz Inácio Lula da Silva (Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli).
Para assumir, Luís Roberto Barroso precisará ser submetido a sabatina e ter o nome aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Depois, a indicação passará por votação no plenário do Senado.
Se tomar posse a tempo, Barroso poderá participar do julgamento dos recursos dos condenados no processo do mensalão. Os embargos de declaração apresentados pelos 25 condenados, que pedem penas menores e novo julgamento, pela primeira instância, devem começar a ser analisados em agosto.
Perfil
Um dos principais constitucionalistas que atuam no Supremo, Barroso advogou em causas recentes importantes no tribunal, como no julgamento que liberou a união estável homoafetiva em 2011.
Ele nasceu na cidade de Vassouras (RJ) em 11 de março de 1958. É professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB).
O STF
O Supremo é integrado por 11 ministros, que são responsáveis por analisar a constitucionalidade das leis e os recursos em diversas áreas que apontem decisões contraditórias em relação a normais constitucionais.
Também compete ao Supremo o julgamento criminal de autoridades com foro privilegiado, como presidente, ministros de Estado, senadores e deputados federais.